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Cruzando o deserto: uma jornada pela Namíbia vol. 1

Quem escreveu

Chicken or Pasta

Data

30 de May, 2017

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Alguns países são tão especiais que é impossível entendê-los com o relato de uma pessoa só. Cada um enxerga tudo de forma totalmente pessoal, e vários pontos de vista oferecem um panorama bem mais abrangente e instigante. A Namíbia foi um dos últimos destinos visitados por alguns de nós (você pode ler aqui, aqui e aqui), e foi paixão à primeira vista. Para que esse namoro continue, e mais leitores caiam de amor pelo país, publicamos agora uma série de três capítulos escrita pelo Lucas Noura, que cruzou a Namíbia de ponta a ponta. Quem sabe você não é o próximo?

Quando eu e minha companheira decidimos ir para a África – eu, pela terceira vez; ela, pela segunda – passar o fim de ano, não esperaríamos entrar em contato com beleza tão exuberante, e a partir de onde pouco se espera: o deserto. Nossa passagem pela Namíbia nos mostrou o vazio fértil do deserto mais antigo do mundo e, de quebra, nos colocou em contato com o deserto de cada um.

A Namíbia é um país vasto e pouco povoado. Dirige-se por horas sem cruzar com outro carro e, por algumas vezes, tivemos a sensação de estarmos sozinhos no mundo.

Victoria Falls. Foto: Julien Lagarde
Victoria Falls. Foto: Julien Lagarde

Nosso primeiro desafio consistiu em fazer caber nossa gula dentro dos dias que tínhamos. Parte do roteiro contava ainda com Botsuana e uma ida às Victoria Falls, Zimbabwe. Levando em conta as longas distâncias a serem percorridas (ao todo rodamos mais de 7.000km, em 20 dias) e as opções de transporte público (não tão vastas assim), optamos por alugar um 4×4, equipado com barraca e toda a parafernália de camping. Assim ganhamos em liberdade e independência, mesmo não sendo uma opção muito barata. Diferentemente de alguns países onde o forte é visitar as cidades, na Namíbia o destaque está nas paisagens. Mas não na caricata exuberância africana, com suas florestas e savanas. Estou falando das paisagens criadas por formações rochosas milenares, dunas que bailam ao sabor dos ventos sob céus estrelados.

Pensamos em um roteiro que passasse pelas paisagens que queríamos conhecer, mais do que dirigir de A até B. Decidimos fazer paradas curtas nas cidades e aproveitar boa parte do dia dentro do carro, refletindo sobre a vida e o ano que passou, enquanto a paisagem mudava ao nosso redor. Para nós, era justamente o que queríamos para fim de ano.

A princípio, havíamos pensado em fazer a rota mais comum, em sentido horário: sair de Windhoek, capital da Namíbia, dirigir na direção norte rumo ao Etosha National Park, depois atravessar a Caprivi Strip e entrar em Botsuana. Mas dessa forma não passaríamos a virada do ano no deserto da Namíbia, sonho que queríamos desde o início realizar. Desenvolvemos, então, um roteiro em sentido anti-horário, o que nos deixou com a Namíbia para o final da viagem. E não nos arrependemos!

Entramos na Namíbia via Windhoek, com seu aeroporto simples mas completo, distante bons 40km da cidade (reserve uns 500 Namibian Dollars para o taxi). Brasileiros não precisam de visto para entrar no país, e o rito alfandegário é tranquilo e descomplicado.

O nosso carro equipado num entardecer em Spitzkoppe. Foto: Lucas Noura

Alugamos o carro pela Britz, empresa com sede na África do Sul, mas que opera em alguns países do sul da África. Eles têm a garagem e escritório ao lado do aeroporto, o que facilitou para já sair dirigindo (pelo lado esquerdo da estrada!). Recebemos um briefing de uma hora, onde nos foi explicado absolutamente tudo sobre o carro: troca de pneus, seguro, montagem da barraca (acoplada ao teto do carro), botijão de gás etc. Assinamos a papelada, ligamos o GPS e rumamos para Windhoek, onde pernoitamos.

Ao contrário das grandes capitais africanas, onde se vê um misto de desenvolvimento tardio e cultura local, Windhoek nos pareceu confortável com sua influência colonial alemã associada ao ar de faroeste. O cosmopolitismo está nas pequenas coisas, como nos nomes de ruas – Fidel Castro St., Beethoven St., Bach St., Robert Mugabe Av., Bahnhof St. – ou nos fast foods aqui e ali. Outras impressões sobre Windhoek teríamos apenas no fim da viagem, quando ficaríamos dois dias ali antes do nosso voo de volta.

Igreja Católica, Windhoek. Foto: Lucas Noura

De Windhoek pegamos a estrada para a fronteira oeste com Botsuana, em Buitepos. A maioria das estradas na Namíbia não são asfaltadas, mas um 4×4 tampouco é indispensável. As estradas principais – B1, que liga o país de norte a sul, a B6, que liga Windhoek a Buitepos, a B8, na Caprivi Strip, e algumas outras – são asfaltadas e o limite de velocidade chega a 120km/h. Existe fiscalização rodoviária e multas são aplicadas. De tão vasto, 120km/h aparenta 60km/h. Algumas miragens se formam no horizonte também. Portanto, é bom dirigir com atenção.

A imensidão da Namíbia. Foto: Lucas Noura

Quanto às estradas de terra, ao dirigir sobre elas têm-se a sensação de estar em outro planeta, em outro tempo. A vastidão te força a ir devagar e se resignar com um ritmo mais lento. Todas as vezes em que busquei acelerar a viagem, me dominou a sensação de estar em uma luta perdida com a imensidão do deserto. Em escala diferente, é mais ou menos o que nos passou durante o Caminho de Santiago. Existe uma distância a ser percorrida, e existe um meio para cobrir essa distância. Sem fórmula mágica. Enquanto na Espanha são suas pernas que te movem, na Namíbia é o carro.

Mesmo no meio do nada, as estradas são bem sinalizadas. Foto: Lucas Noura

Retas levam horas para serem incomodadas por uma curva, que inaugura mais retas, rumo ao horizonte infinito. A vastidão da Namíbia nos convida a refletir sobre nossa pequenez e a de nossos problemas. Sua beleza oferece um senso de gratidão por estar vivo e pisar sobre a Terra. É bastante libertador poder dirigir sobre terreno tão vasto.

Pôr-do-sol em Chobe River, Caprivi Strip, Namíbia. Foto: Becky McCray

Depois de passar por Botsuana e Victoria Falls, entramos de volta à Namíbia por Ngoma, já na Caprivi Strip. Tivemos de pagar uma taxa por estarmos entrando com um veículo dentro do país. Explicar que o carro foi alugado na Namíbia não adiantou. A placa era sul-africana, tem de pagar e fim de papo.

Bom lembrar: ande sempre com moeda local ou rands sul-africanos. Visa e Mastercard são aceitos na maioria das lojas turísticas e restaurantes, mas não nas repartições públicas, como postos de fronteira. Alguns postos de gasolina aceitam cartões, mas não é bom arriscar abastecer só com cartão de crédito na mão. American Express não é aceito no país. Nós levamos cash e um cartão da Confidence carregado, que funcionou como cartão de débito.

A Caprivi Strip possui relevância político-estratégica histórica. É fruto de um tratado assinado em 1890 entre Alemanha e Reino Unido, permitindo o acesso da Namíbia ao rio Zambezi, um dos mais importantes da África. Atualmente, é cortada pela B8, rodovia asfaltada por onde ocorre transporte de cargas entre o porto de Walvis Bay e o centro-sul africano. Ao longo da Faixa é possível ver elefantes, macacos, girafas, porcos-do-mato e antílopes cruzando a pista. Muito comuns são os pedidos de carona à beira da estrada. Não tão comuns são os postos de gasolina, daí a necessidade de viajar sempre com tanque cheio (as locadoras de veículo instalam um tanque extra, o que garante uma boa autonomia).

Vale a pena curtir a paisagem da Caprivi, pois é a única porção verde do país. De resto, os tons bege e marrom das montanhas e deserto são absolutamente predominantes. Ao longo da Caprivi Strip, vê-se muitos vilarejos humildes, construções rústicas lembrando nosso pau-a-pique, além de carros velhos semi-abandonados e alguns burros.

Etosha National Park

Após rodar cerca de 1.000km pela Caprivi Strip, nossa primeira parada na Namíbia foi justamente no Etosha National Park, que cobre uma área de 22.270km2 (do tamanho de Sergipe, mais ou menos). Mais de 20% do parque é ocupada por uma pan gigantesca – pans são lagos secos formados a milhares de anos. Para entrar no parque, paga-se uma taxa por pessoa (80 NAD) e outra para o veículo (10 NAD), por dia de permanência no parque. Essas taxas são pagas no Okaukuejo Resort, localizado na saída oeste do parque. Paga-se na saída do parque, em dinheiro ou cartão.

Zebras se refrescando no Etosha National Park. Foto: Lucas Noura

Na época da seca, de maio a outubro, há poucas opções para os animais beberem água, e fica fácil encontrá-los. O Okaukuejo e o Halali resorts têm suas próprias pans, facilitando o encontro com algum animal. Como fomos em dezembro, havia poças de água espalhadas por todo o parque – muito embora não tenhamos topado com chuva a viagem toda – o que dificultou, um tanto, o encontro com os animais. Por outro lado, era época de mamães darem a luz, e vimos vários filhotes. Encontramos com leões, girafas, elefantes, hienas, emas, marsupiais, macacos, gazelas, zebras e outros antílopes. O destaque foi para um casal de leões que ficou boa parte do dia embaixo de uma árvore, meio que descansando, meio que se xavecando. Estávamos na torcida de vê-los acasalando, mas o número de carros ao redor deve ter deixado o casal acanhado. Não tivemos sorte com os tímidos rinocerontes, chitas e leopardos. Por lá não há hipopótamos.

Pôr-do-Sol magnífico no Etosha Park. Foto: dconvertini – flickr.com

O Etosha se mostra belo ao por-do-sol, quando os animais caminham vagarosamente no horizonte, formando silhuetas inconfundíveis, como num teatro de sombra.

Casal de felinos curtindo uma sombra no Etosha. Foto: Lucas Noura.

Os melhores horários para avistar os animais são logo pela manhã (antes das 7h) e ao cair do Sol (quando fomos, perto das 19h). Binóculos são indispensáveis, assim como paciência e disposição (rodávamos mais de 100km por dia com o carro). Além de sorte, claro. No Etosha não é permitido fazer game off-road, limitando o encontro com animais apenas às estradas já abertas. Algo que pode ajudar é dar uma olhada nos livros colocados à disposição dos hóspedes na recepção. Os próprios hóspedes alimentavam o livro, relatando onde e quando tinham visto algum animal.

Quarto no Okaukuejo. Foto: Divulgação

Dentro do parque há cinco resorts, com todo tipo de acomodação, desde simples vagas para estacionar o carro e acampar até suítes de luxo. Os hotéis contam com boa estrutura de restaurante, loja de conveniência, posto de gasolina, internet (paga à parte) etc. São administrados pela Namibia Wildlife Resorts – NWR e podem ser reservados online.

Para ver a segunda parte desse relato, clique aqui. Em breve, publicaremos a parte 3 desse relato.

Quem escreveu

Chicken or Pasta

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30 de May, 2017

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