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Após dois dias inteiros de safari – confessamos que o Chobe National Park em Botsuana nos surpreendeu mais, pela abundância da fauna e a exuberância da natureza – acordamos cedo e dirigimos até o Spitzkoppe, montanha que surge no meio do deserto (1.784m).
Aqui entra-se na Namíbia mesmo. A Caprivi, com todo seu verde, destoa do resto do país, marcado por diversos tipos de deserto, desde dunas até montanhas de granito, em variados tons de bege e marrom. Se você associa deserto à monotonia, vá à Namíbia. Ficamos impressionados com a variedade de desertos, a vegetação, os animais que ali vivem; um mundo próprio se desvelando enquanto nosso carro comia as estradas de terra.
No caminho até Spitzkoppe passamos por Twyfelfontein, sítio arqueológico onde se encontram 2.500 pinturas rupestres feitas pelo povo San entre 6.000 e 2.000 anos atrás. O caminho até lá é deslumbrante. O deserto vai se descortinando aos poucos, mudando de forma gradativamente; vê-se cada vez menos pessoas, menos povoados. Associações com Mad Max e o planeta Tattoine em Star Wars são clichês inevitáveis.
Em Twyfelfontein, patrimônio mundial reconhecido pela UNESCO, para-se o carro na sombra e a estrutura que engloba recepção do parque, banheiros e cantina é fresca e arejada, graças ao tipo de construção. A entrada é paga e a visita, guiada. O tour leva uma hora, e é possível ver apenas uma parcela das pinturas. O sol é inclemente, e um tour mais longo começaria a ameaçar o humor. Fizemos o passeio em quatro pessoas, e o parque não tinha mais que outros 10 turistas enquanto estávamos lá.
235km e 4 horas depois, dirigindo por mais deserto e deixando a montanha Brandberg à nossa direita, chegamos ao Spitzkoppe. Ao redor da base fica o Spitzkoppe Campsite, excelente camping onde é possível escolher onde acampar. Uma parte do campsite está sendo ampliada e o camping contará com piscina futuramente.
Planejávamos chegar nos campsites sempre com luz do dia, para dar tempo de tomar banho e cozinhar o jantar enquanto estivesse claro. Quando a noite caía, já não havia muito a fazer a não ser contemplar o silêncio do deserto e o céu limpo coberto de estrelas. Aos poucos íamos entrando no mesmo ritmo da natureza ao nosso redor.
Se pudéssemos voltar no tempo, teríamos reservado mais dias para o Spitzkoppe. Além do camping não ser caro e as montanhas ao redor serem lindas, o lugar é ideal para sentir a imensidão e constância do deserto, e diminuir o ritmo de viagem. O fato de estarmos com um deserto imenso sob nossos pés, e um céu estrelado sobre nossas cabeças, nos trouxe muita quietude, tranquilidade e uma certeza interna de que, por maiores que fossem nossos problemas ou preocupações, estava tudo bem.
Estávamos em dois, mas facilmente visualizamos um camping com vários amigos, vinhos, fogueira e estrelas cadentes. É lugar para voltar, com certeza.
Por opção nossa e falta de tempo, deixamos de ir à Skeleton Coast, litoral famoso pelos naufrágios históricos. Embora hoje seja difícil identificar os naufrágios, além de boa parte da Skeleton Coast ter seu acesso proibido – pode-se dirigir apenas até Terrace Bay – amigos fizeram o trajeto e vibraram com a paisagem (mar de um lado, deserto do outro).
De Spitzkoppe dirigimos até Henties Bay pela D1918. Esse trecho de estrada, rasgando o Dorob National Park de leste a oeste, é de tirar o fôlego. Já não sabíamos se o que estávamos vendo no horizonte era o céu ou o mar. O deserto à nossa frente parecia flutuar; as distâncias não pareciam retratar a realidade. Evitávamos a tentação de acelerar o carro para dar algum sentido ao que víamos. Sempre que queríamos, parávamos o carro para tentar registrar em foto o que os olhos mal conseguiam entender. Ao olhar o LED da câmera para ver o resultado, quase sempre nos frustrávamos; algo se perdia no clique do disparador.
Aqui o deserto vai mudando de uma forma rochosa para desenhos arenosos. Dunas se agigantam à medida que chegávamos a Henties Bay, cidade litorânea descolada onde loiros queimados de sol passeiam de chinelo e tomam sorvete, enquanto negros – também queimados de Sol – trabalham nas bombas de gasolina e vendem frutas na rua. A desigualdade social, marcada pela cor da pele, é nítida na Namíbia, e mostra sua força em cidades de veraneio como Henties Bay e Swakopmund. Durante toda a viagem, custamos a ver um branco prestando algum serviço. Geralmente eram os donos dos estabelecimentos.
Ao chegar em Henties Bay, o deserto acaba, dando lugar à imensidão azul. É um encontro sublime, interrompido apenas por um ou outro pescador e seu carro. Tomamos a asfaltada C34, rumo a Cape Cross Seal Reserve, área ambiental protegida para milhares e milhares de focas. Se pudéssemos eleger o programa de índio, seria esse.
Ver milhares de focas juntas, espremidas entre mar e deserto, tem lá seu valor. A contrapartida é o cheiro fortíssimo, provocado pela putrefação de várias focas esmagadas por outras, ou que simplesmente morreram pela idade. A administração da reserva não parece oferecer muita manutenção no local onde as focas vivem, e ver corpos de focas pelo chão é bem comum. Vimos vários enquanto estávamos lá, entregues a um sentimento de morbidez, misturado com espanto e escatologia.
Nosso destino final era Swakopmund, ao sul da reserva de focas e passando por Henties Bay, descendo a C34. Na segunda maior cidade da Namíbia, bem como em Lüderitz, tem-se a impressão de estar numa vila do interior da Alemanha, com direito a casas em estilo enxaimel. Vários prédios coloniais estão bem preservados e o calçadão na praia é agradável para um passeio.
Vale a pena dar uma entrada na igreja luterana evangélica, ver o farol e o jetty (píer de madeira), conhecer a Woermannhaus (escritório principal da Damara & Namaqua Trading Company, depois da Woermann & Brock Trading Company, havendo abrigado ainda, na década de 20, um dormitório escolar e um hostel para marinheiros), o Memorial à Marinha, o Kaiserliches Bezirksgericht e a estação de trem.
Dormimos no Tiger Reef Lodge, único camping à beira da praia. O lodge é ligado a um beach bar que serve uma boa comida, muito aproveitada por nós, que estávamos com preguiça de cozinhar e queríamos uma pausa de comida de supermercado. Como Swakopmund é uma cidade turística, é bom reservar lugar nos restaurantes, pois costumam lotar na alta temporada.
Saindo de Swakopmund – com tanque cheio, sempre – e pegando a C-28 por cerca de 40km, entra-se na Welwitschia Trail, famosa pelas plantas Welwitschia mirahilis, verdadeiras highlanders do deserto. O tour pela trilha, feito com seu próprio carro, leva umas 4 horas (loop) e passa por mais de 10 pontos de observação/de interesse. Uma das melhores paradas, de tirar o fôlego, é a Moon Landscape, onde mais uma vez tem-se a impressão de estar em outro planeta. Como iríamos para a direção sul naquele dia – e não tanto para leste, optamos por fazer a trilha one-way, entrando nela pelo fim e saindo pelo início.
Para não fugir à regra, cruzamos com poucos carros na trilha.
Depois do pequeno detour (a Welwitschia Trail é pela D-1991, estrada de terra paralela à C-28), voltamos à C-28, até a junção com a D-1984 (asfaltada), que vai para Walvis Bay. Nossa missão do dia era chegar em Sesriem para dormir, cidade-base para o Sossusvlei. Entramos na C-14 e aí sim começamos a rumar para leste, observando as mudanças do deserto ao nosso redor.
É na C-14 que se encontra a Kuiseb Pass, uma passagem montanhosa cujo ponto mais alto é 905m. No ponto mais baixo, atravessa-se um vale seco. A estrada cruza o Kuiseb Canyon e o visual é de tirar o fôlego. As montanhas parecem ter sido descascadas, possuem outra cor em relação ao deserto a seu redor, e para nós foi difícil não parar a cada curva para bater uma foto. O local é vasto, imponente e silencioso.
Se for na época das chuvas (não chove tanto na Namíbia, mas…), verifique antes se a passagem está transitável. No restante do ano, é tranquilo negociar a passagem de terra. Mas certas curvas exigem atenção extra, pois não há acostamento e uma queda seria um acidente gravíssimo.
A passagem Kuiseb marca a mudança de direção leste para sul, e nossa próxima parada seria na “cidade” de Solitaire, para abastecimento. Pouco antes de chegar no posto de gasolina, nosso primeiro (e único, durante toda a viagem) pneu furou. O canto das estradas de terra acumulam muitos pedregulhos, e passar por um deles em alta velocidade e com o pneu quente pode ser fatal. Nossa sorte é que estávamos muito próximos de Solitaire, e lá eles têm serviço de borracharia (y otras cositas más).
Solitaire parece mais uma vilinha tirada de um livro de Stephen King, com um hotel, restaurante, posto de gasolina e loja de conveniência. É isso. Aproveitamos a parada para esticar as pernas, comprar lenha para a fogueira daquela noite e abastecer o carro com alguns mantimentos faltantes. Nessa parte do deserto (Namib-Naukluft Desert) é importante você ter todos os seus mantimentos. Praticamente não há cidades nem supermercados.
A vila é bastante peculiar, pois há vários carros velhos cobertos quase até o teto de areia, em um cenário Mad-Max kitsch. O calor do deserto não é nada kitsch e queima a pele bonito. Dirigir com o vidro aberto e o braço para fora era sempre um dilema. Vento na cara: bom. Sol na pele: nem tão bom assim.
*Foto destaque: Solitaire por Lucas Noura
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