Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Sempre que eu pensava na África do Sul, logo me vinha a imagem de mamíferos selvagens rondando na savana árida. Curiosamente, minha visita ao país não incluiu nada disso, bem pelo contrário. Os safáris acontecem no norte, perto das fronteiras com Botsuana, Zimbábue e Moçambique. O meu destino foi o sul, em Cape Town, e a experiência foi o extremo oposto disso: montanhas exuberantes emoldurando bairros de casas coloniais coloridas, clima mediterrâneo com uma deliciosa brisa vinda do Atlântico Sul, e praias que não fazem nada feio perto das nossas. Pois é, Cape Town tem muito mais a ver com o nosso Rio de Janeiro do que com aquelas fotos da National Geographic.
E nem só de belezas naturais vive a segunda maior cidade da África do Sul, depois de Joanesburgo. Cape Town consegue juntar algumas das melhores qualidades de grandes capitais do mundo. Não à toa, a Mother City, como é conhecida, foi eleita o melhor lugar para se visitar pelo New York Times em 2014, a Condé Nast apontou a cidade como o melhor lugar para se comer em 2015, e o Lonely Planet deu medalha de prata como melhores destinos de 2017. Cape Town tem um pouco da vida multicultural como em Londres, da cena musical efervescente de New Orleans, uma gastronomia variadíssima, e o vinho… Ah, o vinho! Eu poderia gastar uma matéria inteira só para falar das vinícolas ao redor de Cape Town, mas vamos correr que tem tanta coisa para ver que não podemos perder tempo.
Se no Rio, a gente não consegue fugir do Corcovado, em Cape Town falta o Cristo, mas a Table Mountain está lá majestosa, dominando o horizonte de qualquer lugar que você olhe. Essa montanha chata que mais de mil metros de altura se alonga por mais de 3km coroando a cidade como um dramático papel de parede. Não adianta evitar, você vai querer subir de qualquer jeito para apreciar a vista de 360 graus que se tem lá de cima. A sensação é que mais um pouco e daria para ver até o nosso Redentor através do Atlântico. Os mais aventureiros podem encarar a subida ao topo por trilha. Eu fiquei com a conforto e a facilidade do bondinho, que sobe numa velocidade vertiginosa. Você pode até querer subir mais de uma vez, porque o horário do dia muda completamente a experiência. De manhã você pode ver a cidade lá embaixo e as paisagens dos arredores, e no fim da tarde o espetáculo é todo do pôr-do-sol deslumbrante no meio do mar.
Aliás, o pôr-do-sol é quase uma instituição ali, e está liberado aplaudir, sim. E muito! Mesmo os locais vão com frequência às outras duas montanhas do centro só para isso. O Lion’s Head é mais alto (669m) e só tem acesso por trilha, e na Signal Hill dá para chegar de carro ou de ônibus. Essas duas montanhas cortam a cidade ao meio, e se hospedar de um lado ou de outro delas transforma sua estadia em Cape Town. A oeste, Sea Point, Clifton e Camps Bay são perfeitos para quem quer relaxar à beira do mar. A leste, a região central agrada mais a quem está em busca de agito, cultura e história. Ir de um lado a outro é relativamente fácil e rápido, mas nada melhor que ter o que se quer à mão, não? Na dúvida, faça como eu e divida a visita em duas, ficando meio cá meio lá.
Os hoteis em Cape Town vão desde palácios de altíssimo luxo, como o majestoso Cape Royale, até opções bem mais moderninhas e em conta. É o caso do Hippo Boutique Hotel, que fica no bairro Gardens. Os quartos são arejados, bem decorados e amplos. Para o café da manhã, eles tem um convênio com três restaurantes próximos, então você pode escolher o tipo de refeição que quer. Mas quem estiver com orçamento mais justo, o Airbnb é longe a melhor opção de hospedagem, com muitas opções de apartamentos modernos, recém-reformados, com preços ótimos.
Mas esteja onde estiver, você não vai conseguir fugir da história da África do Sul. O apartheid foi um período negro que marcou profundamente o país, e até hoje ecoa na sociedade. O tour para se aprofundar no assunto tem obrigatoriamente que começar pela Robben Island. Foi nessa ilha que ficou preso o grande líder Nelson Mandela por 18 anos. Hoje ela funciona como museu e memorial contra o racismo e a injustiça. As balsas saem do porto 3 vezes ao dia e o passeio dura 3h30. Mais rápido, mas não menos importante, o museu District Six conta a história dos mais de 60 mil negros que foram brutalmente removidos da região durante os anos de segregação racial e mandados para as townships, as favelas sul-africanas.
Feita a lição de casa, podemos seguir para algo mais leve e inspirador. O Zeitz MOCCA é a nova sensação da cidade. Inaugurado em setembro de 2017, esse museu ocupou um antigo silo de grãos com a maior coleção de arte contemporânea africana do mundo. Já recebeu até o apelido de Tate Modern da África. Esse eu perdi, então já tenho mais um excelente motivo para voltar.
O Zeitz ainda fica bem próximo ao Victoria & Albert Waterfront, a região portuária que foi completamente remodelada para virar o maior polo de turismo da cidade. As construções antigas receberam centenas de lojas, inúmeros restaurantes, museus, hoteis, e por aí vai. Claro que hoje o lugar vive cheio, mas mesmo assim é irresistível: os veleiros aportados, as gaivotas tentando descolar um petisco, os músicos de rua com roupas coloridas e as crianças gritando do alto da roda gigante, tudo embalado pela brisa fresca do mar. Ali, não deixe de visitar o V&A Food Market, um galpão transformado em mercado de comida, onde você vai começar a sentir o gostinho da enorme diversidade gastronômica da Cidade do Cabo.
Séculos como colônia holandesa e depois inglesa, forte imigração indiana, e ainda influências asiáticas e muçulmanas por conta da Rota das Índias… a culinária sul-africana é muito diversa e difícil de definir. Enquanto eles têm grandes criações de carnes que não estamos acostumados, como o avestruz e o antílope, a cozinha também trabalha muito com frutos de mar, como o peixe Kingklip e a lagosta Crayfish. Prepare-se então para se arriscar, se quiser mergulhar na explosão de sabores da cidade.
O reduto dos restaurantes descolados fica bem no centro, nos arredores da Bree St. As mesas disputam a calçada, e se você não conseguir lugar, basta seguir alguns metros adiante para tentar no próximo. Só na Bree estão alguns excelentes restaurantes, como o Hungry Herbivore, de comida vegana farta e suculenta, o italiano estrelado Villa 47, e ainda o Sea Breeze, onde é possível fazer degustação de ostras, que chegam todas as manhãs fresquíssimas.
Menos agitada, mas também imperdível é a Kloof St., com várias opções de restaurantes e bares animados à noite. Nós acabamos dominando o salão do Black Sheep em um grupo de 17 pessoas, e mesmo assim o serviço do dono peruano foi muito simpático e prestativo. E nem consigo descrever o que era o filé de avestruz que pedi. Só sei que derretia como manteiga na boca.
Já no Gardens, o clima é bem mais tranquilo e agradável que os Jardins de São Paulo, e os restaurantes seguem a linha despojada. O Roxy Late Night fica em frente a uma praça cheia de mesas entre as árvores, ótima para esticar para drinks noite adentro. O Jerry’s Burger Bar tem um ambiente super descolado, e serve até burger de ramen. E o The Yard tem uma boa mistura de sanduíches com drinks elaborados.
Cape Town é paraíso também para quem adora um café bem tirado. As diversas cafeterias oferecem grãos de vários lugares do mundo servidos das mais variadas formas. O mais famoso deles é o Truth Coffee Roasting, que já foi eleito pelo Telegraph como o melhor café do mundo dois anos seguidos. Entre no clima do estilo steampunk, escolha um lugar nas mesas comunitárias, aproveite a boa seleção musical e reserve tempo para o delicioso brunch. Perto dele tem o Haas Coffee, que parece ter nascido no Pinterest. Além de uma decoração irresistível, é um ótimo lugar para um café da manhã sem pressa (se estiver na correria, esqueça).
O super agradável Bean There trabalha apenas com grãos comprados na modalidade Fair Trade, e ali você encontra cafés de Ruanda, da Tanzânia, Etiópia e de outros países africanos. Você pode escolher o método de preparação e também qual é o café que vai tomar. Para acompanhar, a casa oferece sanduíches leves, croissants, cookies, bolos de cenoura. A localização do Bean There, na Wale St, é bastante estratégica pra quem quer conhecer bem o centro de Cape Town depois de um bom café da manhã.
Mas eu amei mesmo foi o Origin Coffee Roasting, que tem menos hype, é frequentado por locais, tem ótimas opções para café da manhã e brunch, além de ter uma boa seleção de grãos. O lugar é também um paraíso para amantes de chás. O de jasmim dá vontade de abraçar.
O jeito de cidade pacata que Cape Town revela durante o dia é pura fachada. A noite é bem animada, principalmente durante o verão. Na dúvida de onde ir, a Long St. é sempre uma pedida segura. Perto da Bree St., ali os pequenos bares enfileirados são disputados por turistas e locais. O Waiting Room tem noites com show ao vivo e noites com DJ. O estilo musical varia muito de noite para noite, por isso vale a pena conferir a programação, mas raramente dá para errar ali.
Não deixe de explorar também as ruas adjacentes e ficar de olho nas portinhas mais discretas. Foi assim que tropeçamos no The Gin Bar, um minúsculo pátio no fundo de uma loja especializado, claro, em gim. Ali perto fica também o Aces’n’Spades, na Hout St., que sempre tem ótimos shows de rock ao vivo.
Para uma noite inusitada, por que não jantar e ver bons shows de jazz ao vivo na cripta de uma igreja? Essa é a proposta do The Crypt. Ele fica na Catedral St. Georges, dentro do Company’s Garden (o Central Park deles), e é considerado um dos melhores bares de jazz do país. O jazz é um gênero muito forte, e no fim de março sempre acontece o Cape Town International Jazz Festival.
Já quem estiver atrás de uma boa pista, deve se programar para abril, quando acontece o Cape Town Electronic Music Festival, com duração de 3 dias. É uma das maiores plataformas da música eletrônica africana que existe. No resto do ano, dá para recorrer sempre ao Mødular Club, a poucos quarteirões da Long St., com o melhor do techno da cidade.
Como qualquer grande cidade cosmopolita, Cape Town também tem sua boca do lixo que foi descoberta por artistas e modernos, atraídos pelos bons preços. E o nome dessa região não poderia ser mais apropriado: Woodstock. O bairro, que fica às margens da linha do trem, estava cheia de galpões abandonados, que estão em franco processo de gentrificação, impulsionado pelo The Old Biscuit Mill, um antigo silo transformado em polo criativo, com lojas, restaurantes, bares, escritórios moderninhos e uma feira de rua agitada aos sábados.
É ali que estão os concorridos restaurantes do chef Luke Dale-Roberts, o Test Kitchen e o The Pot Luck Club. A espera por uma reserva no primeiro pode chegar a 6 meses. Tão saborosos quanto, mas bem menos pretensiosos são os restaurantes da chef Karen Dudley. No The Kitchen você se sente na própria cozinha dela. Os pratos são expostos em travessas de vidro comum, e você pode ser servir de até 5 opções, todas de comer de joelhos. Já o Dining Room é uma sala de jantar que recebe apenas com reserva, para refeições em 4 ou 5 tempos, mas você mesmo leva a sua bebida, tipo jantar na casa de amigos.
Ainda na região, outro prédio que coleciona boas surpresas é o Woodstock Exchange, com cafés de pegada natureba, barbearia, ateliês e lojas de marcas locais, vendendo objetos de decoração, cosméticos orgânicos, sapatos artesanais, roupas e acessórios, e até bikes. E claro, muita gente linda e interessante entrando e saindo o tempo todo.
E como qualquer bairro hipster que se preze, não poderia faltar um café à altura. O Flatmountain Coffee Roastery é pequeno, com decoração minimalista. Tem grãos de todos os lugares de mundo e dá para comprar pra levar pra casa.
Cansou? Quer dar uma relaxada? Então passa o protetor pega o chinelo e vamos à praia. Mas antes dê uma boa olhada na previsão do tempo. A elevação abrupta da Table Mountain força os ventos marítimos para cima, criando microclimas diferentes, o que pode trazer surpresas nada agradáveis, a menos que você pratique kite surf.
Sea Point, apesar de ser considerado um bairro de praia, tem muito mais o mar que a praia propriamente dita. As pequenas faixas de areia são cheias de pedra, e ainda estão espremidas pela Beach Road. A visita vale pela Sea Point Promenade, uma espécie de calçadão magnífico para por a corrida em dia, ou para alugar uma bike e explorar desde o Waterfront até Camps Bay.
Seguindo para o sul, Clifton possui 4 pequenas praias em sequência, de areia firme e a mata protegendo o acesso. São as mais ‘selvagens’ na área. E por fim chegamos a Camps Bay, reduto de casarões dos mais abastados, com uma praia longa de areia branquinha, um calçadão de respeito, e uma infinidade de bares e restaurantes elegantes com vista para o mar. Camps Bay ainda tem uma das melhores vistas do pôr-do-sol da cidade – sem ter que fazer uma escalada – já que a praia se volta para o oeste. Quase um camarote de frente para o sol mergulhando no anil profundo do oceano.
Já saindo do perímetro urbano, algumas pequenas praias charmosas valem o esforço de pegar estrada pela tranquilidade e também pelo charme dos vilarejos onde ficam. Em Kalk Bay, do outro lado da península, a simpática praia de St. James é emoldurada pelas casinhas de madeira colorida que servem como vestiários. Já a Hout Bay Beach fica em uma baía bem protegida, e ali ao lado está a entrada da deslumbrante (e perigosa) Chapman’s Peak Drive. Ambas ficam no meio do caminho para o Cabo da Boa Esperança, então por que não um programinha casado?
Uma sede enorme de arquitetura moderna e elegante no alto da colina. Uma varanda com mesas de toalhas brancas com vista para o ensolarado vale listrado de vinhas. Um enólogo simpático que vem pessoalmente até você para relacionar cada característica das uvas. Uma degustação de 5 vinhos de uma das regiões mais reconhecidas do mundo, acompanhada por harmonização com algum tira-gosto. Quanto vale essa experiência? Em muitas partes do mundo, com certeza você vai precisar reservar uma verba extra. Mas esse sonho de um apreciador de bons vinhos está ao alcance de qualquer um por menos de R$20 nas vinícolas da África do Sul.
A produção de vinhos na África do Sul começou junto com a chegada dos holandeses lá no século 17, mas era bastante capenga até bem recentemente, nos anos 90, quando eles começaram a investir pesado em tecnologia e técnicas modernas de vitivinicultura. A aposta deu certo, e a África do Sul hoje está entre os 10 maiores produtores e exportadores de vinhos finos do mundo, lado a lado com o Chile. A maior parte dos vinhedos está concentrada na região sudoeste do país, muito perto de Cape Town. Stellenbosch fica a pouco mais de uma hora do centro da cidade, enquanto para chegar a Constantia não se leva nem meia hora.
Para visitar as vinícolas abertas ao público, e que fazem degustação, é muito importante se informar antes. Dificilmente você precisa agendar a sua ida, mas não custa nada perguntar para não acabar com a cara na porta. Aconteceu comigo na Beau Constantia, que é conhecida pelo excelente restaurante – vai ficar para a próxima visita. Os dias de abertura podem variar, e muitas não abrem nos feriados. Os horários são restritos, então para aproveitar mais de uma deve-se chegar cedo. Nunca é cedo demais para se tomar um bom vinho, certo?
Como ninguém quer ser o motorista designado em um dia de degustações, o melhor é contratar alguém que dirija. O Uber na África do Sul é muito barato, e pode ser uma solução bem fácil. Só tome cuidado que em algumas vinícolas o sinal de 3G é bem ruim e chamar um Uber de volta pode ser um pouco problemático. O ideal para não ter que se preocupar é fechar o motorista para o dia. Muitos taxistas e uberistas fazem pacotes. E pode penchinchar! Eles indicam as vinícolas que preferem, mas uma boa pesquisa prévia vai te levar nos lugares mais bacanas.
Em Constantia, as sedes são mais tradicionais, com as casas de fazenda restauradas e modernizadas. É o caso da Glen, a Klein e a Buitenverwachting. Já em Stellenbosch, muitas vinícolas apostaram em sedes novíssimas, de arquitetura suntuosa, e a experiência se intensifica para além do vinho. Minhas favoritas foram a Delaire Graff, que tem uma joalheria de cair o queixo lá dentro, a Ernie Els Wines, do famoso jogador de golfe, e a Tokara, que tem não um, mas dois restaurantes fantásticos, e um empório que vai fazer teu cartão de crédito suar frio. Mas a dica de ouro é: segure a mão e não se preocupe em comprar vinhos para levar para casa, a menos que sejam linhas especiais. As mais comuns você encontra todas no free-shop pelo mesmo preço, e você não tem que carregar o peso na mala.
*Foto do destaque: Jo Machado
Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.
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Olá Josué, é uma pena que não tenha gostado. Você poderia dizer o que você achou que não ficou legal? Faltou alguma coisa? Tem dicas do que você acha que deveria ter a mais na matéria? Tua ajuda será de grande valia para nós.
Obrigada pela matéria. Imprimi e vai ser meu roteiro atualizadíssimo e fugindo do óbvio por Cape Town, pra onde vou em março.
que bom que gostou!!! Aproveita essa cidade maravilhosa por nós. :)
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.