Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Para aprender sobre vinhos não é preciso sair de Paris e ir até as regiões produtoras. Duas brasileiras tem programas de enologia especiais em português na capital da França.
Você é do time do Brasil que passou a juventude tomando cerveja por causa da temperatura, do hype ou do bolso? Então esse post é pra você.
A descrição acima é sobre mim, mas sei que não estou só. Por causa dos impostos e da reputação, vinho no Brasil é caro, associado à ostentação poser (como se o vinho já viesse com uma foto super posada acoplada), e em termos genéricos também não é tão compatível com as nossas temperaturas tropicais.
Na França, porém, como se sabe, o vinho é um item de primeira necessidade, como o pão. E ao mesmo tempo é uma tradição secular sofisticadíssima. Quer dizer, o vinho vai da mesa do dia a dia à celebração mais especial, porque a variedade do produto é enorme, a faixa de preço elástica e os matizes inúmeros. Então mesmo num voo cego a possibilidade de errar é ínfima. Mas algum fundamento além da intuição e das papilas saturadas é muito bem-vindo. Com uma mão amiga especializada você pode ganhar em excelência e até evitar de pagar mico como a eterna Lolita Bruna Marquezine posando de enófila diletante nas vinhas de… Bordeaux. Com milhões de seguidores e péssima consultoria, é uma generalização, um clichê, mas é um clichê parisiense que Bordeaux é um vinho de segunda categoria.
VEJA TAMBÉM:
6ème de Paris, ou quem precisa da Torre Eiffel ?
Paris: Brasserie Lipp e a chucrute da Madonna
A técnica da viticultura vem sendo aprimorada e adaptada em todo o mundo, mas os franceses continuam sendo os professores. Mais do que mestres, na Idade Media os viticultores eram, literalmente, sacerdotes. E por causa dessa tradição e variedade capaz de confundir até o enófilo mais experimentado, não existe melhor lugar pra (aprender a) degustar bons vinhos. É possível traçar um percurso turístico longuíssimo apenas nas trilhas dos terroirs da França, as principais e as alternativas, ou a depender da sua curiosidade e informação, fazer um percurso profundo nas centenas de caves de vinhos em Paris, sem falar nos animados bar à vin, que vão desde o branchés como a Compagnie du Vin Surnaturel no Marché Saint Germain aos informais e ultra simpáticos como o Le Baron Rouge, na Bastille.
O vocabulário que nomeia as sensações contidas numa garrafa é extenso, e é por isso que se diz que ele é, em síntese, organoléptico. Terroir, região, safra, clima, altitude, ano, colheita, cepagem, tanino, seco, encorpado, suave, branco, tinto, tinto de piscina, rosé, doré, jaune (amarelo de Bruges), Marsala (marrom telha da Sicília) envelhecido, biô, naturelle, redondo, espumante, textura, corpo, aroma, especiarias, cremosidade, harmonização, notas, cítrico, floral, elétrico, frutado, adstringência, rolha, perfume, frescor, acidez, leveza, maciez, alcaçuz, corda, cortiça, rótulo, baunilha, couro, gordura, peso, camadas, carvalho, fermentação, biodinâmica, cor, corte, estação, madeiras, perlage, agulha, estrutura, aspereza, volume, untoso, vibrante, mineral, salinidade, profundidade, brilho, buquê, elegância, duração, vertical, clássico, austero, amanteigado, licoroso, cave, ânfora, apelação, clos, domaine, bouchonné, complexidade, concentração, polimento, evolução, taças, decantar, amplificar, hype, tradição…
Ufa, cansou ? Então imagina que todos esses e outros vocábulos contém sensações gustativas diferentes e lhe serão ditos em francês, como uma ópera italiana na qual você perde parte do espetáculo acompanhando a legenda bilíngue afixada acima do palco. Imagina ligeiramente bêbado ? Mais ça c’est la France ;)
A boa notícia é que, pra decodificar as sinfonias de cada rótulo e guiar no percurso de sensações, duas brasileiras podem te ajudar em Paris : Marina e Priscila, da Divvino e da Quincave, respectivamente.
Marina é uma ítalo-franco-brasileira com os melhores diplomas e duas caves (uma delas no prafrentex Marais). O público brasileiro da Marina vai de Faria Limers aos jogadores do PSG, sem comprometer a qualidade final do vinho (risos). A parte interessante é que a Divvino promove cursos introdutórios e de degustação em português.
Por sua vez, a Priscila da Quincave é uma franco-brasileira filha de antropólogos que dirige uma das caves mais intelectuais do 6emme, e uma das primeiras a oferecer prioritariamente vinhos naturais ou além do “bio”, sem nenhum tipo de sulfito ou conservante. Seguindo a tradição da família, ela promove periodicamente o evento 1 Bouquin, 1 Vin (1 Livro, 1 Vinho), no qual convida, entre taças perfumadas, autores relevantes da cena local pra leituras e e lançamentos. Imagine Michel Houellebecq ou Lou Doillon bebericando o último naturelle incontornável. Aqui é uma cena muito possível. Dresscode? Óculos Dupont é (lindo mas) facultativo, mas o francês avançado é indispensável.
*Foto capa: Quincave / divulgação facebook
Cursou letras, mas escreve socialmente. Publicou um livro premiado de ensaios sobre Vicente Cecim (APCA 80 e 88), escritor hermético e Jodorowsky da Amazônia. É produtora cultural desde 2004, tendo trabalhado principalmente em projetos da cena musical de Belém (Rádio e TV Cultura do Pará) e Recife (Astronave Iniciativas Culturais). Escreve eventualmente na Folha de SP. Vive há quatro anos em Paris.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.