Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Em Saint Germain des Près, a Brasserie Lipp é uma das mais amadas instituições gastronômicas de Paris e da França, onde você pode ser vizinho de mesa de Madonna, Sofia Coppola e praticamente de todo o PIB artístico mundial.
Como falei sobre o quartier de Saint German des Prés no meu último post sobre o 6ème, então lá fomos nós à Brasserie Lipp, que fica exatamente em frente dos famigerados cafés Deux Margots e De Flore.
Mas antes de falar da Brasserie Lipp, preciso abrir parênteses para dizer duas coisas sobre estes cafés. Primeiro que estes picos são famosos pela vizinhança, mas nem de longe por serem os mais bonitos e agradáveis de Paris (que obviamente tem uma infinidade de cafés esplêndidos). E, segundo, que a bebida café em si não é o forte dos franceses, que na grande maioria das vezes servem um chá-fé cuja água super calcária também interfere no resultado final de medíocre a horrível. Mas pas grave, o café é essencialmente um ponto de encontro ou de parada de um flâneur. Como na lindíssima cena de Juliette Binoche no filme Azul (da trilogia tricolor de Krzysztof Kieslowski), escolha um sorvete e derrame o café por cima. Ao menos no filme funciona.
Dito isso, atravessando o Boulevard Saint-Germain fica a Brasserie Lipp que, mais do que uma mera brasserie, é uma verdadeira instituição parisiense em plena atividade que vale a pena conhecer. Uma das principais características de toda brasserie é que, independente da hora, é possível fazer uma refeição completa. Criadas por exilados da Alsácia (a peculiar região francesa que faz fronteira com a Alemanha e que foi anexada pelos alemães em 1870), originalmente era um ponto de fabricação e consumo de cerveja e da culinária local simples, com um menu que quase não sofreu alterações desde então, honrando a tradição francesa de preservação do patrimônio.
Contrariando todos os códigos da alta gastronomia ou da criativa e nova bistronomia, a comida de brasserie é roots e “rica”: dos pés de porco recheados aos Mont-Blancs da Angelina, a patisserie preferida de Coco Chanel. Mas pra quem não quer se arriscar em pratos “exóticos” como pés de porco, o poulet rôti 100 jours (um frango que atingiu o seu tempo ideal de maturação) é irrepreensível. Mas a vedete da casa é mesmo a chucrute, o prato típico da Europa Central feito com embutidos e repolho fermentado. Perfeito pra quando o clima esfria e pra se desembaraçar rapidamente do cardápio “hermético”. Sim, outra coisa um pouco indigesta é que, apesar do fluxo turístico, não tem menu em inglês. Os franceses à moda antiga ainda não negociam com o resto dos mortais. Mas caso precise de um help, chame o garçom – de monsieur, porque garçom quer dizer garoto. As italianas da mesa ao lado foram bem atendidas.
Ainda na categoria exclusão (ou exclusividade), a Lipp tem um 2º andar para onde são enviados aqueles que o olho treinado do maître julgou não fazer parte da A List. Mas só os clientes antigos sabem que o 2º andar é como um limbo numa boate concorrida. Sem um dresscode específico de admissão, eu diria que se você não é um reconhecido frequentador ou uma maximalista milionária russa, um look HiLo ou um cabelo sujo de três dias pode ajudar a ficar no térreo.
O contraste interessante é que o ambiente da Brasserie Lipp não é fancy, mas os frequentadores são personagens de coluna social e/ou dos cadernos de cultura. Não apenas Jean Paul Belmondo (que aparece numa fotografia com o dono da casa) era um habitué da Lipp, mas inúmeras personalidades, desde a criação até hoje. Figuras públicas pululam por lá mais do que os pombos nos chafarizes, a ponto de ter uma placa pedindo pra não usar o telefone em respeito à privacidade das celebridades. Inclusive foi esse fenômeno da alta per capita de artistas no 6º arrondissement que levou aquele promoter sem noção de São Paulo a criar o cafoníssimo restaurante Paris 6. Heresia pura.
Quanto à minha experiência, se fosse combinado não seria mais sincrônico e ilustrativo. Na chegada, em pleno domingo às 3 horas da tarde, eu cruzei com duas gerações de diretores de cinema. Na calçada, fumando um cigarrinho, a revelação Suzanne Lindon. E na porta, Roman Polanski (!). De saída no segundo que eu entrava, não consegui tirar os olhos daquele homem minúsculo que pareceu satisfeito retribuindo o olhar pontuado com um sorriso de Monalisa. Antes de ir, acenou pra alguém em uma das mesas. Gênio e persona non grata, era como se eu estivesse vendo o Mickey Mouse na Dismaland do Banksy. Afinal, a Lipp é mais do que uma simples brasserie : é um clube cult e um lugar pra ver e ser visto e, às vezes, ter visões.
Mas o curioso é que não se trata só da superficialidade da mise en scène do show business, mas de personalidades que abraçam abertamente e prestigiam a tradição francesa de cunho popular da brasserie e a história de uma época na qual o dinheiro não reinava sobre o talento, que a moda não era mais importante que o estilo, e que lugares como a Lipp representam tão bem.
O paradoxo de reunir VIPs num ambiente informal e democrático tem lá o seu preço, que não é exatamente barato. Por isso, o comentário espirituoso que reflete melhor sobre a ironia Rive Gauche da Brasserie Lipp é o de Jacques Chirac, ex-presidente da França: “É claro que eu sou de esquerda. Eu como chucrute. Eu tomo cerveja”.
Cursou letras, mas escreve socialmente. Publicou um livro premiado de ensaios sobre Vicente Cecim (APCA 80 e 88), escritor hermético e Jodorowsky da Amazônia. É produtora cultural desde 2004, tendo trabalhado principalmente em projetos da cena musical de Belém (Rádio e TV Cultura do Pará) e Recife (Astronave Iniciativas Culturais). Escreve eventualmente na Folha de SP. Vive há quatro anos em Paris.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.