Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Quando o Museu do Amanhã, do celebrado arquiteto Santiago Calatrava, foi inaugurado no Rio ano passado, ele foi imediatamente invadido por filas quilométricas para entrar e uma avalanche de fotos e selfies de Instagram. Tudo bem, o prédio é lindo demais, ainda mais com a Baía de Guanabara de fundo, e acho maravilhoso que o Rio, e o Brasil tenham ganhado esse presente. A gente precisa de exemplos fortes de arquitetura, que fujam um pouco da escola brasileira. A elite, que tem condições de viajar, consegue viver a experiência de entrar dentro de projetos desse nível, tão singulares. Mas o povo brasileiro, em sua maioria, não pode, e a arquitetura por aqui infelizmente recebe cada vez menos incentivo para inovar.
Eu fiz toda essa introdução porque tem uma coisa que é absolutamente chocante para mim: muito antes da nave do Calatrava pousar por aqui, nós já tínhamos um exemplar de um arquiteto gringo, renomadíssimo diga-se de passagem, e que poucas pessoas conhecem em termos nacionais. Estou falando da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. Uma obra singela, mas muito potente, do grande mestre português Álvaro Siza.
Siza é o contrário de seu colega espanhol. Suas obras são todas limpas e introspectivas. Os planos brancos silenciosos conversam com seu entorno, ao invés de querer se destacar. A simplicidade de seus projetos contrastam com o projeto cauteloso dos detalhes arquitetônicos. E as espacialidades de seus prédios parecem oferecer uma iluminação espiritual para o visitante. Ele tem projetos espalhados pelo mundo, muito além de Portugal (Holanda, Itália, Espanha, Alemanha, China, Chile, Argentina, Coréia do Sul, etc.) e já ganhou os principais prêmios da arquitetura mundial, como o Pritzker, a Royal Gold Medal, a UIA Gold Medal, e o Leão de Ouro da Bienal de Veneza em 2002, justamente pelo projeto da Fundação Iberê Camargo. É dele também a fantástica Casa da Música do Porto.
Mas e a fundação? Então. A ideia de se construir um prédio para preservar o trabalho de Iberê surgiu um ano após a sua morte, em 1995. Ela funcionou por 13 anos na casa onde o artista mantinha seu ateliê, até que o novo edifício ficasse pronto, em 2008. A nova sede tem mais de 8mil m2 de área, sendo a maioria de espaço expositivo. O acervo de Iberê, por ser bem grande, circula com frequência, e vale a pena ver mais de uma vez. Sua arte de cunho expressionista transita entre coloridas paisagens e naturezas mortas, até as figuras lúgubres da fim de sua vida, passando por desenhos satíricos de crítica à política nacional. Lá, além dos trabalhos de Iberê, também já foram montadas mostras de outros artistas importantes, como Regina Silveira, Mira Schendel, Sergio Camargo, Abraham Palatnik, Nuno Ramos, Paulo Pasta, Antonio Dias, Leon Ferrari, Tomie Ohtake, Leonilson e De Chirico. Algumas são montadas com instituições do calibre do MoMA e a Fundação Cisneiros. Isso sem contar que a programação ainda conta com cursos, mostras de filmas, palestras, debates, o Ateliê de Gravura e um café.
Se só isso ainda não te convenceu a ir para o Rio Grande do Sul para conhecê-la, vamos falar um pouco do prédio. Ele foi erguido em um terreno cedido pela Prefeitura de Porto Alegre às margens do Rio Guaíba. Foi a primeira construção no país feita inteira em concreto branco aparente, sem uso de um tijolo ou bloco sequer. Isso possibilitou o desenho das rampas que flutuam para fora do corpo principal. A circulação pelo interior funciona em forma de circuito (mais ou menos como o Guggenheim de NY), e você vai descendo pelas rampas que te direcionam por todas as salas de exposição até voltar ao átrio principal. Nelas, poucas janelas são colocadas de forma precisa, para se ver a vista panorâmica sensacional da cidade, emoldurada como quadro pela caixilharia. E claraboias aqui e ali permitem não só a entrada de luz nas rampas, mas também recortes surpreendentes da arquitetura em si. A entrada dos raios de sol da tarde pelas aberturas é sozinha uma aula de arquitetura.
Agora vamos para a história triste. Menos de 10 anos depois da inauguração da nova sede da Fundação Iberê Camargo, a instituição já está em maus lençóis. A calamidade financeira do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, a crise econômica que fez as grandes empresas cortarem doações, e a simples falta de visitantes deixou as contas da fundação do vermelho, e agora eles estão fazendo concessões absurdas para se manter, como fechar andares inteiros, manter boa parte dos espaços no escuro, e abrir apenas 2 dias por semana. Parece que uma nova gestão está buscando novas formas de equilibrar o caixa, mas até agora nada está certo.
Então eu assumo que todo esse texto é nada mais que um apelo para que mais gente vá conhecer essa pequena gema da arquitetura, que temos em pleno solo nacional. É desse tipo de projeto que precisamos, mais e mais. Mas o custo disso é unicamente que a gente valorize nosso patrimônio. Seja visitando, seja doando o que puder. É um custo baixo, não?
Fundação Iberê Camargo
Av. Padre Cacique, 2000 – Porto Alegre
51 3247-8000
Sextas e sábados, das 13h às 18h
Ingresso: gratuito
Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.
Ver todos os postsRenato, belo e importante seu post! Visitamos a Fundação Iberê Camargo em 2012 e fiquei fascinada! O prédio em si, imediatamente me deixou encantada pela arquitetura tão fora do comum a meus olhos e tão condizente com um museu! Sem esquecer de elogiar a localização, como citou, que enriquece em muito o local. Que pena nosso País dar tanto poder a maus políticos…..
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.