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6ème de Paris, ou quem precisa da Torre Eiffel ?

Quem escreveu

Karina Jucá

Data

30 de September, 2021

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Karina Jucá vive há 3 anos na cidade mais desejada por turistas do mundo todo. Em sua primeira crônica para o CoP ela conta como é o 6ème arrondissement, a região de Saint Germain de Près que é uma bolha conservada em Paris em meio ao turbilhão turístico do centro da cidade.

Bonjour, eu moro no 6ème de Paris, o arrondissement mais cobiçado e bourgeois de todos os 20, o CEP mais cult, a Meca da Gauche Caviar (ou do que restou dela). Mas curiosamente aqui você não vê peregrinações de turistas como nos arredores do Louvre (1), da Torre Eiffel (7, 8, 16) ou de Montmartre (18). Apesar da especulação imobiliária ter expulsado muitos moradores antigos (especialmente os filhos de intelectuais sem herança), o 6 ainda se mantém um oásis de tranquilidade apesar do rush dos arredores. Por isso, é aqui que você vai se sentir mais parisiense. Onde eles são discretos, com seus cabelos milimetricamente desalinhados, o IMC muito abaixo do razoável, o indefectível cigarro, a nonchalance, o je m’en fous… Gente que estranha fotografia e é blasé na cidade mais instagramável do mundo. 

O 6 é composto pelos quartiers que povoam o imaginário dos estrangeiros com boas referências culturais: Saint Germain des Près, Montparnasse, Saint-Sulpice, Odeon e Notre-Dame-des-Champs (NDDC). Saint Germain é famosa pelos seus dois cafés lendários; Odeon pelas editoras que fizeram de muitos escritores estrelas internacionais; e Montparnasse e NDDC pelos ex ateliês de artistas, como a academia de pintura de Fernand Léger, onde Tarsila do Amaral estudou (e que fica no meu prédio, no apartamento ao lado). Ao centro, cerise sur le gâteau, o cinematográfico Jardim do Luxemburgo.

Jardim do Luxemburgo. Foto: Paris.Info

Se você não conhece o Luxemburgo, já deve tê-lo visto em uma foto da Fonte de Médicis, ou num filme como em “Os Quatrocentos Golpes“, o primeiro da saga do rebelde personagem Antoine Doinel e alterego do diretor François Truffaut, que caminha em direção ao teatro de marionetes do jardim. A personagem Emily (da série Emily em Paris) também pode ser vista correndo por lá. Mas os exemplos são inúmeros e o 6 é quase uma locação a céu aberto, principalmente da divisora de águas Nouvelle Vague. É da rue Campagne-Prèmier ao Boulevard Raspail que Patricia (Jean Seberg) corre arrependida em busca do enfant terrible Michel (Jean Paul Belmondo) em “O Acossado”, de Jean-Luc Godard.

A cronista que vos fala praticou hot yoga em um dos dois studios desse perímetro que foi um marco pra história do cinema. Sim, são tempos menos emocionantes… Mas aos cinéfilos é sempre possível promover uma caça ao tesouro do tipo e passear descobrindo os “cenários” dos filmes que a cidade manteve tão bem conservados.

É também aqui, no famigerado quartier de Saint Germain des Près, que fica uma das top 10 entidades turísticas de Paname: o Café de Flore, ‘O’ antigo templo dos intelectuais porque fora o QG de Jean Paul Sartre (mas não o de Simone de Beauvouir!). Uma vez li um comentário da Danuza Leão, a guru das dondocas, que vaticinava que em Paris ou você é Café de Flore ou Deux Magots. Ela se referia aos antigos cafés vizinhos e rivais como um Fla x Flu existencial. Na verdade ela falava de um passado relativamente distante como se fosse no presente, no qual e onde intelectuais territorialistas disputavam os seus spots. Mas, ao contrário do imaginário que a cidade imprimiu e projetou tão bem, a grande maioria dos intelectuais parisienses perdeu território para a grande finança global e a especulação imobiliária.

Sinto frustrar alguém, mas de Paris nunca mais saíra um Albert Camus (e posso explicar depois) e muito menos um escritor de meia tigela aqui conseguirá se sustentar. E aparte um e outro remanescente nativo no Café de Flore, parisienses verdadeiros fogem de lugares turísticos, por mais históricos que sejam.

Mas se você sonhou com um brunch nas louças verde e branco, ou de encontrar ali, numa soirée, um lindo professor de “filô” (como Emily em Paris), ok. Sonhar não custa nada. Quer dizer, o café custa quase 10 Euros ou 60 Realidades. Força na peruca Chanel entre as dúzias de instagramers wannabe Birkins

Da próxima vez, você pode escolher ir à uma outra instituição menos óbvia, mais bonita, igualmente histórica e até mais antiga, e que ainda se mantém cheia de locais como a Closerie des Lilas, em NDDC. Lá você poderá vislumbrar todos os respeitáveis editores da Gallimard, escritores ou aspirantes, e mesas gravadas com os nomes dos antigos frequentadores: os artistas, escritores e demais personagens que inspiraram Paris é uma Festa, de Ernest Hemingway. A Closerie tem um prêmio literário anual cuja festa tem ares de vernissage das vernissages. Você não será convidado. Mas no resto do ano vá, observe tudo e não peça profiteroles. Aliás, não peça nada, a comida é caríssima e irrelevante. Em vez do restaurante ou da brasserie, escolha o bar. No balcão peça uma sugestão de vinho ou de drink aos simpaticíssimos barmans. Santé

Outro lugar do 6ème pra encontrar a história viva e os dinossauros de Maio de 68 é a brasserie La Rotonde, no Boulevard du Montparnasse, onde eu mesma vi Jean Paul Belmondo cercado de gatosas (gatas idosas). Não deixa de ser melancólico ver todos aquela juventude contestadora tão próxima do fim. Mas caso os veja, não faça fotos. Eles detestam e você será vista, com razão, como invasora. Escolha entre ser parisiense por um dia ou paparazzi (as duas coisas são incompatíveis). 

Ironicamente, a La Rotonde também foi a escolhida pela equipe de Emmanuel Macron como o lugar da comemoração da sua vitória à presidência, e dois anos depois, bombardeada pelos Gillet Jeunes (os manifestantes de coletes amarelos). Quer dizer, uma brasserie que conserva tradições, o PIB criativo e econômico e ao mesmo tempo reflete o seu tempo.

Fechada para reforma depois do incidente e durante a pandemia, reabriu mais dourada do que nunca. É relativamente grande, mas o vermelho vivo, os corredores espelhados e corrimãos de veludo dão ares intimistas de vagão do Expresso Oriente, além da comida tradicional e excelente. Mais do que perfeito para um date. Oui, na cidade mais romântica do mundo, este sim é um clichê indispensável…

PS: Date mais ace$$ível e igualmente cult não muito longe dali, mas na próxima crônica ;)

*Foto capa: Andreas Selter, Unsplash

Quem escreveu

Karina Jucá

Data

30 de September, 2021

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Karina Jucá

Cursou letras, mas escreve socialmente. Publicou um livro premiado de ensaios sobre Vicente Cecim (APCA 80 e 88), escritor hermético e Jodorowsky da Amazônia. É produtora cultural desde 2004, tendo trabalhado principalmente em projetos da cena musical de Belém (Rádio e TV Cultura do Pará) e Recife (Astronave Iniciativas Culturais). Escreve eventualmente na Folha de SP. Vive há quatro anos em Paris.

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