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O tempo tá passando rápido e me dei conta de que não dediquei nenhuma linha a Manágua, a caliente capital da Nicarágua. Todos os blogs e guias que li dizem que a cidade não oferece nada e não recomendam perder tempo por aqui. Bullshit. Como qualquer capital de qualquer país de qualquer planeta, você pode encontrar beleza em meio à sujeira, encanto pairando no caos, e pelo menos um bar que vale a pena. Então vim ver a capital da Nica por 24 horas pra sentir qual é.
Reservei uma cama no Backpackers Inn, no bairro Los Robles (zona bem segura onde estão todos os hostels e ao lado do Metrocentro, um centro comercial), por 10 dólares com café da manhã (panquecas com geléia e café) e fui para o rolê ver a cidade.
Manágua é uma cidade agressiva, bem suja, bem quente e seca nessa época do ano que não chove. Às 11h da manhã estava fazendo 36 graus e eu tava andando debaixo do sol nas ruas sem sombra nem árvores. País subdesenvolvido é assim: corta todas as árvores para ver se melhora o clima. Qualquer semelhança com São Paulo não é mera coincidência. Com um milhão e meio de habitantes na área metropolitana – que inclui os municípios de Ciudad Sandino, El Crucero, Nindirí, Ticuantepe e Tipitapa – Manágua se tornou a capital do país em 1852, pondo fim à rivalidade entre Granada e León que brigavam pelo posto. Suas avenidas têm 2 ou 3 pistas sem calçada, praticamente não vi faixa de pedestre, e a preferência aqui é sempre do automóvel. Ninguém para pra ninguém, não. Nas rotundas, não tem onde atravessar e você fica debaixo do sol fritando até que, com sorte, rolam aqueles 10 segundos sem carro vindo e é possível cruzar. Vi menos carroça em Manágua do que no departamento de Rivas, que é mais rural, e os catadores de lixo têm uma caçamba acoplada a um trator. Bicicleta na rua, não vi nenhuma em 24h.
Visitei o Palácio Nacional das Culturas, que fica na Praça da Revolução. O ingresso custa 150 córdobas (5 dólares) e o tour é feito pelas salas do térreo. É possível ver a cronologia histórica, com informações sobre geologia, colonização e cultura atual da Nica, um país jovem geologicamente, um dos últimos a emergir no istmo da América Central, um país de vulcões e muita água. Me encantei pelas cerâmicas dos povos nicas de diversas épocas, além das pinturas, esculturas, o retrato dos povos indígenas do Caribe (creoles) e o güegüense, o personagem teatral mestiço que unifica a identidade nica, mesclando as culturas do índio, do branco e do preto. Brasil e Nicarágua, tudo a ver. O 2º andar do palácio é uma biblioteca e, sem dúvida, a visita já vale o rolê. Arrisco dizer que é o melhor programa cultural da capital!
De lá caminhei até o Puerto Salvador Allende, que fica no Lago Xolotlán, conhecido como Lago de Manágua. Antes era uma área abandonada e perigosa e agora está revitalizada e bem frequentada, com restaurantes e quiosques que recebem as pessoas no fim de semana. Paga-se 5 córdobas por pessoa para entrar no “complexo turístico”, com vista para as montanhas e vulcões do norte.
À noite peguei um busão (10 córbodas, ou R$ 1), que era uma van entupida, e fui grudada no cobrador e pendurada na porta, quase caindo para fora. Se fosse em São Paulo eu não consideraria entrar numa van tão lotada e esperaria a próxima. Mas aqui o improvável é sempre possível, e o que me impressiona aos olhos nicas é super normal. Fui ver o Marvin Lover tocar, um violinista de Masaya que eu conheci em Gigante, que tocou na praça de alimentação do Galerías, um shopping horizontal a céu aberto onde se pode fumar, com todas as lojas e marcas que você pode querer, a preços “americanos”. Tocar para a plateia que não tá prestando atenção deve ser muito mala. Sempre fico com raiva das pessoas quando elas não aplaudem os músicos. Mas paga-se bem no shopping e músico vive de tocar. O show foi, como sempre, lindo e eles fizeram uma versão de Take Five de tirar o chapéu (violino, violão e sax) e tocaram Garota de Ipanema em minha homenagem.
Depois pedi para eles me deixarem no Ron kon Rolas (pode rir com a sua mente suja, mas “rolas” são canções em espanhol), bar de rock que tem música ao vivo quase todos os dias, menos na noite de terça, quando rola o karaokê. Curti o lugar, tem vários ambientes, decoração roqueira, dá para conversar, cerveja a 43 córdobas e comida. Se eu morasse em Manágua, esse seria o meu bar. Lá conheci um grupo que estava comemorando aniversário e me convidaram para ir para outro bar. Apesar de ter acordado super cedo e estar cansada, a vibe de “a festa nunca termina” prevaleceu e fui com eles ao Plaza 101, uma rua com várias baladas que ficam abertas quando os demais bares já fecharam. Fomos num bar chamado Mangos e em outro chamado 95 grados. Na rua tem também o 180 grados, o 360 grados e um bar chamado Re… dos que eu lembro ter visto. Diversão garantida, muito reaggaton e, claro, funk carioca para a mulherada rebolar. Bum bum tan tan, quando ela mexe com a bunda no chão… vai vai vai bum bum tan tan…. sabe que essa temporada de Centro América tá me fazendo gostar mais de funk carioca… e ver que não somos assim tão pornográficos, porque as músicas em espanhol têm letras ainda mais sujas, como “chupa la cachimba, rasga la cachimba”, sendo a cachimba a genitália feminina. Quando não se tem nada, ainda se tem sexo como entretenimento gratuito. País pobre é país superpovoado. Lá pelas 2h da manhã os meninos me deixaram no hostel e até que para uma terça-feira numa cidade pequena, não tá ruim.
A capital da Nica é um lugar difícil, mas confesso que estava com saudade da vibe urbana, ver grafite nos muros, barulho de buzina, gente com pressa para chegar em algum lugar, várias opções de bar e balada. Quem consegue ver beleza em um lugar como São Paulo (e eu sempre vi a beleza no caos), pode facilmente encontrar atrativos em um lugar duro como Manágua. Vou embora daqui com a sensação de que vou voltar a esta capital ainda muitas vezes.
*Foto destaque: Palácio Nacional de Cultura por Jorge Mejía Peralta
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.