Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Pinheiros se transformou num formigueiro de energia positiva. Transeuntes e participantes eram automaticamente contagiados pelo som, sorrisos, as discussões e cabeças girando. Fazer a agenda de uma programação já requer rebolado e desapego para escolher entre tantas opções de palestras acontecendo ao mesmo tempo – demonstra a maturidade do festival. Os participantes concordam: “Estive em todos os Paths desde a primeira edição e esse último foi simplesmente perfeito: a curadoria foi excelente, a nova logística reduziu as filas e consegui ir a quase todas as palestras que eu programei. Se melhorar estraga” – disse Natasha Pryngler, veterana do festival. É, realmente o Path virou gente grande.
A programação abraçou todas as causas. Discussões iam de como criar na era do politicamente correto até o êxodo urbano; da ressignificação do espaço público à neuro-revolução na comunicação; do futuro estar na África ao futuro dos festivais; do blockchain ao racismo.
Caio Prado, do trio Não Recomendados, fez uma eloquente discussão sobre liberdade, racismo e ética, ao lado da Thais Fabri, que mediu muito bem a conversa com ele e Lucas Mello (Live Ad). Lucas acredita que criar em tempos do politicamente correto faz com que as pessoas se livrem dos estereótipos exaustivamente utilizados na publicidade, e tenham que ser mais criativo para preencher o canvas branco que surge com isso, criando assim novos estereótipos positivos. A conversa foi longa, cheia de questões, e finalizou com Caio cantando para o público.
A questão do feminino e a ocupação das vozes no espaço publicitário foi discutido no painel moderado por Nana Lima, do Think Eva, juntou à Dani Cachich da Pepsico, Samantha Almeida da Avon e Thaise Assis. A sessão “O empoderamento feminino não vai salvar a sua marca nem o mundo” tratou de uma série de tentativas de narrativas “empoderadoras”, que esvaziam a luta delas e desperdiçam oportunidades de se investir e criar processos para a construção de uma marca coerente e sustentável. O projeto da Dove “Beleza Natural”, por exemplo, que foi citado como uma das primeiras a tocar no assunto, foi recusado por uma série de publicações por conter pessoas fora da “estética de revista”. O resumo é que se as marcas embarcam nessa, precisam falar com propriedade e de forma profunda, e não porque ouviram falar que “girl power” é a moda da vez.
O aguardado Antônio Lavareda não compareceu para discutir a Neuro-Revolução na Comunicação e deixou a cargo de João Paulo Castro, seu parceiro na NeuroLab, falar sobre o campo da neurociência e a publicidade. Mostrou que Coca-Cola e Heineken são as duas marcas globais que melhor utilizam esta ciência em suas campanhas, explorando a memória e as emoções em filmes que poderiam depor contra elas. A Heineken, por exemplo, lançou recentemente uma campanha com o piloto inglês Jackie Stewart, que não ingere álcool e deixa isso claro no filme. Saímos de lá concordando que Descartes estava errado. Não existimos porque pensamos, e sim porque nos emocionamos.
E quem diria que o futuro pode estar na África? Tendo voltado de lá recentemente, tendemos a acreditar que a moçambicana radicada em Amsterdã Zinzi de Brouwer está certa. Zinzi hoje dá voz à história de pessoas através do artesanato, moda, design e patrimônio cultural, para mostrar ao mundo a África como um mercado de consumo relevante através do projeto“Stories of Near. Quer se surpreender um pouco? Pesquise por Oxosi, Vlisco, Ethical Fashion Initiative, Bantu Wax, Maxhosa by Laduma e até o projeto Biscate, da Vodafone, que conecta pequenos prestadores de serviço de diversos lugares na África aos consumidores finais.
Para onde estão indo os festivais de música? Carol Soares e Franklin Costa, do Projeto Pulso, mapearam quem são os fãs de festivais no Brasil. Das 600 pessoas que participaram da pesquisa, 64% são homens, 44% foram a mais de três festivais no ano e 1 a cada 10 foi em um festival no exterior. A arte deixa de ser cenografia e passa a ser protagonista, os festivais começam a investir mais na boa gastronomia, aumenta cada vez mais o número de festivais transformativos, a idade do frequentador de festivais está aumentando, e festivais voltado à família ou com programação especial para as crianças ganham cada vez mais espaço. A dupla também chama a atenção para a discussão sobre redução de danos, afinal não dá mais para ignorar que as pessoas utilizam drogas nos festivais. Alguns festivais que apontam o futuro dessas experiências são o Afropunk (EUA), Ruidosa (Chile), Afrikaburn (África do Sul), Desert Trip (EUA), Roskilde (Dinamarca).
Também tivemos participação da galera aqui do blog. A nossa Vanessa Mathias e a Lu Bazanella trataram de capturar o zeitgeist do momento, com uma pesquisa autoral de quais as principais forças que tracionam as novas iniciativas. O painel “Volta ao mundo em 5 macro-tendências” tratou do porquê de falarmos tanto de impacto positivo – tanto das marcas como o despertar da consciência pessoal, da ocupação do espaço simbólico de poder através da representatividade e diversidade de novas vozes, de novas narrativas da comunicação líquidas e efêmeras, da tentativa humana de aumentar a si próximo em uma statusfera pós-material, e da reinvenção da realidade através de mecanismos de expansão da consciência, incluindo a tecnologia de realidade mista e aumentada.
O palco-sensação no festival definitivamente foi o de influenciadores, curado pela Celebryt’s. Foram 13 painéis com assuntos diferentes, 47 participantes, entre palestrantes e moderadores, agências, marcas e creators. Entre os debates mais procurados, a sessão “O que esperar do modelo de negócios dos Youtubers para os próximos anos”, que teve a participação do Antônio Tablet (Porta dos Fundos), Tavião (Coisas que Nunca Vivi) e Natália Duarte (Youtube), contou que o momento em que o canal mais cresceu foi quando realmente se falou de marcas, como por exemplo o caso da TIM e o do Spoletto. Leandro Bravo, da Celebriyt’s, contou que a procura pelo assunto surpreendeu a todos, o palco esteve lotado a todo momento do festival. Ele considera o festival “um dos eventos mais importantes para a área de comunicação e publicidade e está entre os meus eventos preferidos do mundo”. E ele acabou de voltar do SXSW.
A galera do empreendedorismo reuniu startups, público, indústria e investidores, curada pela galera do Startup Farm. As empresas mais disruptivas e criativas do momento são convidadas a mostrarem seus produtos e serviços. Desde hortas urbanas com a Noocity, que vende pequenas hortas a partir de 80 reais, à economia compartilhada como o Banco de Tecidos, que utiliza tecidos que seriam descartados, até a Na Hora, startup que consegue descontos de até 50% em passagens. O rooftop do Tomie Ohtake borbulhou inovação. Felipe Matos, co-founder da Startup Farm, ficou todo orgulhoso: “O Path foi incrível! Uma maneira de me conectar com um público que tem tudo a ver com a Startup Farm, interessado em inovação, tecnologia e criatividade, e interagindo de uma maneira leve, descontraída e engajada”. Alan Leite, CEO da Farm, complementou: “O festival realmente demonstrou maturidade, o mercado brasileiro de economia criativa estava bem representado pelos principais nomes dos principais segmentos, mesmo em um momento de crise como o nosso”.
De um palco a outro você encontrava surpresas pelos corredores, como uma ação da instituição Arcah, que faz resgate de pessoas em situação de rua: “I believe in Good People” – diz a camiseta. O Era Transmídia, associação que promove o conhecimento de narrativas multiplataforma impulsionadas pela tecnologia, marcou presença implantando chips em humanos: ou seja, mais de duas dúzias de pessoas saíram de lá cyborgues – podendo fazer pagamentos, abrir casas, chaves e armazenas informações no próprio corpo. “Um orgulho participar do maior evento de economia criativa, e fazer parte de uma associação com uma missão nobre como a de traduzir a tecnologia para todos”– disse Rodrigo Arnaut, diretor da Era Transmídia.
Outra ação que demonstra o avanço high tech do festival era a “captura” de garrafinhas ou botões (em vez de Pokemon’s) que davam direito a troca de cerveja ou prêmios para quem baixava o aplicativo da WinWin de realidade aumentada.
O festival, apesar de ser pago, claramente tenta ser o mais inclusivo possível. A Praça dos Omaguás, ali em Pinheiros, virou um centrinho de criatividade. Lá ficava parte dos food trucks e gastronomia, com comidinhas veggies, mexicana, hamburgueres, vinhos, além de um palco super bacana.
Uma das ações mais legais gratuitas, oferecidas por SOL, foi a oficina de lettering e de bolhas gigantes de sabão. As atividades lúdicas ganharam nosso coração (afinal, bolhas de sabão são mágicas, bem ao lado de purpurina e unicórnio, não?)
A Sol também estava com uma ação com uma garrafinha fofa com frases dos participantes do festival. “Em vez de sonhar com um novo mercado musical, vamos construí-lo.” de LaBaq ou “Todos querem liberdade, mas não querem libertar.” de Jairo Pereira. Item pra colecionar.
Entre os shows, alguns dos destaques que vimos foi o Mental Abstrato, como bem previmos nesse post, no Palco Sol. Um som elegante e delicioso de ouvir chamou atenção na pracinha que virou um belo concerto. Outro show que arrebentou foi o da banda LaBaq, que embalou o pôr do sol no rooftop mais bacana de São Paulo
Uma das nossas descobertas foi a banda Sax in the Beats, uma das mais faladas e fotografadas do festival. Jonatas com cabeça de cavalo e o Nilton com cabeça de Panda, fizeram um dos shows mais irreverentes do Festival no palco Espíritu Libre.
A palestra do mestre Sri Prem Baba foi do estado mais caótico ao mais sublime: com muito, muito mais procura do que o esperado, a capacidade de mais de 600 pessoas tornou a espera um pequeno inferno. Os organizadores – muitos deles refugiados – fizeram um trabalho impressionante ao tentar ordenar o pequeno caos. A impaciência começou a tomar conta, para logo abrirem as portas de uma das palestras que é o resumo do Festival Path em si: Propósito. Mentes criativas olhando dentro de si mesmas para buscar o que podemos fazer em relação ao outro, qual seu talento, e no que podem servir. Saber para que veio e como fazer uma sociedade melhor é o fio condutor de todo o festival, alagado por talentos e intenção da mais nobre possível.
Para nós, a procura da palestra só demonstra que estamos realmente em uma fase de transição muito importante na nossa sociedade.
O Festival Path traçou sua importância e relevância hoje em um mercado tão carente de conteúdo e atualização como o nosso. No seu DNA, mais do que negócios, ele fala sobre transformação. E não fica apenas no gogó: vemos pela quantidade de experiências gratuitas, pelo foco em conteúdo sobre impacto, que o evento quer disseminar a vontade de mudar o mundo através do conhecimento.
Houve decepções? Claro que sim, como em qualquer festival do mundo. Mas ouvimos muito (mas muito mesmo) mais reclamações de conteúdo e fila no SXSW, em Austin, que no Path. No fim do festival topamos com Rafael Vettori, um dos organizadores, chateado com uma das filas, comentando: “consertamos um monte de coisa esse ano e já aprendemos tantas outras para o ano que vem, mas é assim mesmo, vamos evoluindo ano a ano”.
Nós concordamos, o que não faltou foi evolução, e o festival vai por um ótimo caminho. O que nos leva a pensar o porquê de parte do mercado publicitário ignorar o festival. Sentimos falta da presença de grandes agências e clientes. As discussões não são relevantes? As pessoas vão a festivais internacionais acreditam que já ouviram tudo que tinha que ouvir? Falamos bastante sobre o assunto nos happy hours e com conhecimento de causa, achamos que é apenas um engano.
O Path é um festival que reúne fazedores, que resume o “espírito do tempo” nosso, aqui mesmo. A cerveja Sol e a Gol foram uma das poucas marcas que vimos por lá, demonstrando reconhecer a importância desse público: quem está fazendo acontecer, quem acredita nessa transformação, quem quer liderar um caminho do bem. Falamos com Carina Hermida da Sol, principal patrocinador, para entender a relevância do festival para a marca: “Entendemos que o Festival Path faz uma curadoria de alta qualidade para trazer conteúdos que ajudam as pessoas a inovar na forma de pensar e agir, e o consumidor de Sol busca, constantemente, referências e conteúdos autênticos e inovadores que o inspirem. Por isso, estar no Festival Path é trazer a marca para próximo do nosso consumidor em um momento relevante para ele. Este ano, através da programação aberta ao público, tal como o Palco SOL e as oficinas na praça, buscamos levar a experiência do Path também para as pessoas que não estavam participando do evento como forma de democratizar o debate.”
É isso. Aqui do lado do Chicken or Pasta, queríamos ver mais marcas abraçando essa causa e apostando na inovação com impacto. É assim que se consegue aumentar o alcance de um festival, trazer ainda mais gente bacana, e deixarmos para lá um pouco da síndrome do vira-lata: porque nosso futuro, está sendo construído aqui mesmo.
Quer saber mais? Falamos aqui sobre o festival em Realidade Aumentada, da quebra de barreiras geográficas, de quanto estamos preparados para encarar o futuro, os shows imperdíveis do festival, e entrevistamos os organizadores.
Foto Destaque: Cherri
Texto: Lalai Persson, Dani Valentin e Vanessa Mathias | Fotos: Ola Persson
Seu exacerbado entusiasmo pela cultura, fauna e flora dos mais diversos locais, renderam no currículo, além de experiências incríveis, MUITAS dicas úteis adquiridas arduamente em visitas a embaixadas, hospitais, delegacias e atendimento em companhias aéreas. Nas horas vagas, estuda e atua com pesquisa de tendências e inovação para instituições e marcas.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.