Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
O Blue Train é mais que um meio de transporte: é um hotel cinco estrelas sobre os trilhos. Não, não só eu quem diz, eles se auto-intitulam isso mesmo: o trem mais luxuoso do mundo. Desde 1920 a grande máquina azul desliza pelo interior da África do Sul, dando um gostinho de nostalgia de uma época que nunca vivemos.
Pretória, a 30 minutos de Joanesburgo, foi onde começou minha rota de 27 horas até Cape Town. E pela primeira vez na vida, se pudesse, teria estendido a viagem pelo menos mais um diazinho.
Casais de meia idade estrangeiros se mesclam com um ou outro sul-africano em lua de mel. Sozinha? Apenas eu. Mas essa ideia passa rápido, pois logo chega meu mordomo Eric. Sim, um mordomo particular. Ele pergunta se quero algo. E insiste. Fico tensa. O que faria eu com um mordomo? Peço para pentear meus cabelos? Apertar meu espartilho? Acender meus charutos? Em uma jogada de mestre, pergunto o que as pessoas em geral pedem: ele sugere frutas e champanhe. Ao trazer bandeja, aproveita para afofar meus travesseiros. Questiono como havia vivido tantas décadas até então sem ter ninguém para afofar meus travesseiros.
Nada no trem é pago à parte, o serviço é all-inclusive. E porque comida pouca é bobagem, a viagem se inicia com um brunch após o café da manhã (em seguida das frutas e champanhe no quarto). Mas não é qualquer brunch. Toalhas de linho, copo de cristal, talheres de prata ornam com a sopa, pães da casa, um peixe inacreditável e sobremesas. Muitas sobremesas. Penso que Deus, se é que existe, deve fazer as coisas certas – se andasse nisso todo dia eu teria a silhueta de um elefante asiático de tamanho médio. E porque já havia cruzado a linha do “começar a beber às 8:40 da manhã”, achei de bom tom continuar.
Não era a única. Todos estavam chafurdando nos seus borbulhantes e faziam seus burburinhos felizes enquanto o deserto do Great Karoo mudava de cores e formas.
Eu, no caso, vim atualizar esse lindo bloguinho que vocês leem no momento, e aproveitar aquele soninho pós-coma-gastronômico. Acordo e ainda há tempo para conhecer todos os vagões, e aprender que há uma boutique de jóias a bordo, assim como um vagão para fumantes – cujo odor demonstrava a memória de cada cigarro que já foi aceso lá desde 1922.
Após o chá da tarde (achei que era para Maria Antonieta, mas era para mim), chegamos à cidade de Kimberley. Um pequeno contratempo me fez perder a excursão à mina de extração de diamantes: precisei correr atrás de uma farmácia. Adivinha quem foi comigo? Eric, o mordomo. Entendi finalmente para que um mordomo funciona: atender qualquer necessidade esdrúxula que você tenha no meio do dia. (Até hoje, ao perder minha chave na bolsa ou estar com meus lençóis amassados, sinto falta de Eric.)
Os funcionários, aliás, são um show à parte. Graciosos, bem humorados, mas sem carregar a petulância e distância que trazem muitos locais high-end. Aliás, pedem para tirar fotos, e adoram contar as pessoas mais famosas que já transportaram: entre elas, o próprio Nelson Mandela.
É hora de se arrumar. O jantar tem vestimenta formal: homens sem blazer não entram. Ainda bem que comprei um salto, coisa que não usava há meses, antes de entrar no trem. E um vestidinho preto disfarçava minha condição de semi-backpacker de luxo.
Logo fiquei amiga da mesa ao lado: um casal de pouco mais da minha idade, gays, que contrastam com o tradicionalismo todo do ambiente. Seguimos para o bar, onde a conversa pareceu mais um “verdade ou desafio” – que os funcionários trataram de participar. Um dos homens com mais idade largou a esposa e veio participar do clubinho da risada, e lá pelas tantas da noite, ao me despedir, percebi o casal o convidando para tomar o último drink na cabine deles. Foram os três, mas tenho quase certeza que ele não havia entendido o convite por completo.
Não era da minha conta, mas fiquei pensando o quanto essas cabines já não viram e ouviram durante esses oitenta anos.
Os mesmos funcionários que esperam o último cliente são os que estão completamente despertos antes que a primeira alma apareça entre os vagões. Apesar da alegria e sorrisos de todo o dia, não há como evitar pensar sobre a disparidade de classes ao estar em um ambiente com tanto luxo: principalmente em um país com tanta desigualdade e racismo como a África do Sul. Rob, um dos funcionários de quem fiquei mais próxima, diz que esse é o melhor trabalho que ele já teve: muito mais leve e que pode enviar dinheiro para família, diferente dos demais empregos em hotéis.
A Table Mountain começa a aparecer no fim do trilho. As vinte e sete horas passaram muito rápido. Minha mala é automaticamente feita e desaparece ao lado do táxi, me esperando.
Do trem, uma experiência indescritível e única. De saudades: Eric.
A Vanessa viajou a convite do Blue Train. Todas as opiniões são próprias. Agradecimentos à South African Tourism Board e Blue Train.
Seu exacerbado entusiasmo pela cultura, fauna e flora dos mais diversos locais, renderam no currículo, além de experiências incríveis, MUITAS dicas úteis adquiridas arduamente em visitas a embaixadas, hospitais, delegacias e atendimento em companhias aéreas. Nas horas vagas, estuda e atua com pesquisa de tendências e inovação para instituições e marcas.
Ver todos os postsFiz essa viagem, Vanessa, em 2013, mas em sentido contrário. Da Cidade do Cabo a Pretória. Adorei! Tudo impecável. Também recomendo muito.
que demais!!! os que não fizeram a viagem por aqui, morrem de vontade… sorte sua e da Vanessa :)
Oie! Depende da data, cabine, etc. Mas uma cabine luxo e tudo incluso por uns quatro mil rands (uns 900 reais). :)
Olá. Tudo bem?
Qual foi o valor da viagem?
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.