Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Demorei muito para conhecer o Primavera Sound e já cheguei nele em sua vida adulta. Os amigos que frequentam há anos reclamaram sobre mudanças, público, tamanho, mas não tem jeito, tudo que é bacana cresce e isso não quer dizer, necessariamente, que deixa de ser bom. Para nós, que aterrissamos lá pela primeira vez, foi ótimo.
A edição do Primavera Sound Barcelona 2016 chegou cheia de brilho ao anunciar “Primavera Sound es de otro mundo“ e foi mesmo. Foi de cair o queixo. Foi o primeiro festival a anunciar show do Radiohead em 2016, depois de anos sem pisarem num palco, o que garantiu sold out em poucos dias. E não era só o Radiohead a única estrela do festival. Junto com ele vieram nomes de peso como PJ Harvey, LCD Soundsystem, Air, Tame Impala, Beach House, Sigur Rós, Brian Wilson, John Carpenter. E esse foi apenas o comecinho.
A programação se iniciava às 11h da manhã no Day Pro, que teve palco no CCBB, no bairro Raval. Ao meio-dia era no Parc Del Fòrum e por lá se estendia até às 6h da manhã. Ir embora? Ninguém queria. Foram 5 dias oficiais e quase 20 horas diárias de música sem parar com shows espalhados por diferentes lugares de Barcelona.
A programação gratuita também foi bem generosa, levando aos palcos alguns nomes de peso. Foi possível ver Suede, Mudhoney, Bradford Cox, entre outros (e todos os nossos conterrâneos) sem precisar desembolsar um centavo. Era só ficar atento à programação.
O Primavera Pro também ganhou peso nesta sua 7ª edição, com 5 dias discutindo o presente e o futuro da música, com participação de 3.581 profissionais da área de 54 países. A América Latina também brilhou no Day Pro, especialmente o Brasil, que teve 6 bandas brasileiras entre as 40 que se apresentaram por lá. Foi bonito ver Aldo, The Band, O Terno, Inky, entre outras enchendo os palcos e fazendo o pessoal dançar.
Por mais que eu já tivesse visto fotos do Primavera Sound, eu nunca percebi como ele era de fato. Festival grande, cerca de 200.000 pessoas passaram por ele nesta edição, organização impecável e os melhores banheiros de festivais que já fui. A única falha (e uma das mais graves): o som estava baixo na maioria dos palcos, o que tirou um pouco da força de alguns shows. Na contramão, as filas eram grandes, mas sempre rápidas, bares espalhados por todos os cantos possíveis (todos os atendentes são portugueses e falar português ajudou um pouquinho na hora de pedir uma cerveja em horário concorrido) e a locação é de tirar o fôlego. O Parc del Fòrum fica à beira-mar, um pouco distante do centro da cidade, mas a locomoção foi relativamente fácil. Mas haja pernas para dar conta das corridas entre os palcos. Os dois mais distantes ficavam a 1,3km um do outro.
Foram 12 palcos no total, sendo um no bairro do Raval (o Day Pro), uma área de alimentação gigante, mas também food trucks espalhados por todo o festival, um beach club, onde a festa começava cedo e encerrava todos os dias quando o sol estava nascendo e, por lá, ainda era possível dar uma escapada para pegar uma onda durante o dia, um palco escondido da Heineken (disputadíssimo), uma feira de posters e uma grande área de merchandising.
Aí vão alguns highlights dos shows que marcaram nossos dias no Primavera Sound:
Um dia antes de começar oficialmente o festival, a plateia saudadosista dos anos 90 estava super cheia para ver Suede, gratuito para qualquer um que chegasse no Parc del Fórum. O climax foi em “Beautiful ones”, mas isso foi só o começo.
O dia começou no Beach Club com Floating Points, Erol Alkan, Todd Terje e Jezzy Lanza. Tudo isso antes das 18h. O clima é de festa à tarde à beira da piscina, que não tem, mas dá para fugir um pouco para a praia do lado. A parte ruim é que a praia não faz parte do festival, é meio ir até o fumódromo e voltar, ou seja, a música mal chega lá e o clima é outro. O palco é uma grande tenda, como costumam ser palcos de música eletrônica. O som era o mais perfeito do festival, também pudera, ele era patrocinado pela Bowers & Wilkins Sound. Ou seja, não dava pra fazer feio.
Nesta mesma noite teve o show oficial do Suede, no Auditori Rockdelux, que também tem um som impecável. A banda apresentou o novo álbum “Night Thoughts”, mas a gente perdeu. Não dá para ver tudo nesta vida. Entre Daughter, que eu já tinha assistido, e Empress Of, eu escolhi a segunda, que anda na crista da onda. Foi bom? Eu bocejei. Ela pode ter talento, mas ainda vai ter que ralar um pouco para segurar um show ao vivo. Passamos rapidamente no show do Destroyer, do talentosíssimo Dan Bejar, com sua cara de professor universitário, juntou sax, trompete e guitarra elétrica num belo show ao cair da tarde.
Já John Carpenter, que se apresentava pela segunda vez num palco, mostrava suas trilhas sonoras com as cenas dos filmes passando atrás do palco. O show foi lindo, o John Carpenter estava animadíssimo e reuniu um público gigante, provavelmente pela curiosidade de assisti-lo ao vivo.
Aí foi a vez do mais esperado do 1º dia: LCD Soundsystem foi tudo aquilo que poderíamos esperar de uma nostalgia que nem parece que se passaram esses 5 anos todos, e colocaram todos para dançar desde “Daft Punk is playing at my house” até o bis com ” All my friends”. Foi um dos grandes shows mais animados do festival. E tem como LCD não ser uma grande festa?
Tentamos ainda esticar no Battles, mas LCD já tinha arruinado o resto da nossa noite fazendo a grande festa final.
O dia estava ensolarado, mas depois de um drink e um pé na areia no Beach Club, corremos para o Auditório para um show nostálgico do Cabaret Voltaire, depois de 20 anos longe dos palcos. O que era um trio, hoje é somente Richard H. Kirk, que apresentou material novo acompanhado de 3 telas que iam projetando imagens com estilo VHS, com cenas de guerras, calamidades públicas, manifestações. O público tinha, provavelmente, uma faixa etária média de 40 anos. Um show soturno, barulhento e com concentração nas imagens. Não era para qualquer um.
Finalmente assisti Beirut pela primeira vez ao vivo. Abriu o show com a nostálgica Scenic World numa apresentação bonita e feliz, mas o auge veio mesmo com Santa Fe, No No No e Nantes. O encerramento veio junto com a última luz do dia indo embora ao som de The Gulag Orkestar, mas aí já estávamos assistindo o show pelo telão do palco do Radiohead, pois queríamos mesmo ficar o mais próximo possível do palco.
Radiohead foi o headliner mais esperado do festival – não só pelo peso do grupo, mas pela expectativa de uma das primeiras performances após o lançamento do nono álbum “A Moon Shaped Pool”. Quando você acha que não pode ser mais profundo ou mais sublime, Radiohead ultrapassa qualquer expectativa. O show começou com as exatas primeiras cinco músicas do novo ábum: Burn the Witch, Daydreaming, Decks Dark, Desert Island Disk e Ful Stop. Tenso, dark, melódico, carregaram a audiência para um estado quase meditativo.
Aliás, Radiohead tem um poder inacreditável de levar milhares de pessoas em um silêncio, respeito e harmonia completa. Na pausa, só se escuta uma ou outra tosse involuntária. A atmosfera se aproxima mais de um culto, uma cartarse coletiva, que um show. Depois do começo intenso, a familiaridade dos hits transformaram o show em uma grande balada, em que o público e a banda são uma entidade única. Como é o caso do já clássico Paranoid Android, no qual o público faz parte do show. As surpresas vieram com direito a 2 bis, o primeiro com 5 músicas, e o segundo para fechar com chave de ouro com Creep. Fomos ao delírio completo ou não? Foi até difícil pensar que haveria vida pós-Radiohead. Mas sim, porque o Primavera Sound não se encerra com os grandes headliners. A festa continua com bandas menores e também com DJs de peso.
Saímos extasiados, espiamos Animal Collective, mas acabamos mesmo no palco da Holly Herndon, com seu som cabeçudo 2.0. É a terceira vez que eu a vejo ao vivo este ano e, diferentemente dos shows anteriores, levou um terceiro elemento ao palco, que dançava e animava as pessoas. E o palco Pitchfork estava animado e cheio.
Tínhamos algumas escolhas para fazer neste fim de noite. Acabamos (infelizmente) abrindo mão de Beach House, que sempre faz um show lindo, e do Avalanches, que com certeza fez um show imperdível. Acabamos indo para o outro lado do festival e nos deliciamos com o ótimo show da dupla de música eletrônica islandesa Kiasmos. O palco Primavera estava lotadíssimo. O show de luzes e a animação da dupla ao tocar Looped, Swept e Swayed era contagiante. O show foi tão bom que assistimos do começo ao fim.
Para encerrar o 2º dia acabamos esticando no Beach Club com a dupla de DJs e produtores Tiger & Woods, que encerrou às 5h30 da manhã com classe. Por lá rolou um grande encontro de amigos que ainda resistiam em ir pra casa e a pista virou uma grande celebração.
O espetáculo terminou com um nascer do sol de tirar o fôlego enquanto caminhávamos em busca de um ônibus para retornar ao Centro da cidade (táxi foi impossível nos três dias).
Deu uma dorzinha no coração saber que o terceiro e último dia para nós tinha chegado ao mesmo tempo que eu fui tomada de tamanha ansiedade, afinal veria Sigur Rós ao vivo e mal podia esperar.
O terceiro dia começou bem mais vazio que os anteriores. Acabamos parando no palco Pitchfork para dançar com o americano DâM-FunK, que cantou e fez um show animadíssimo regado à funk e soul anos 80. Foi impossível ficar parado.
Entre as descobertas, a banda Los Chichos, com um rock-rumba local, colocaram todos para dançar: aparentemente são ultra populares por aqui, tanto que já venderam mais de 22 milhões de álbuns ao redor do mundo. Alguém os conhecia?
Decidimos ficar entre os dois grandes palcos, Heineken e H&M, e ver todos os shows por ali, pois as pernas já reclamavam das grandes distâncias. O primeiro foi do beach boy Brian Wilson, que deu uma aula de história musical, com hits como “California Girls” e “Surfing USA”.
Eu sou fã do Bradford Cox, que eu considero admirável por todos os projetos em que ele se envolve (ele deve ser um dos caras mais ocupados do universo indie), então não resisti em assistir ao Deerhunter. O show foi provavelmente um dos melhores do Primavera Sound. Eu nem conheço muito o som da banda, mas me surpreendi ao ouvir Revival, Helicopter e Rainwater Cassette Exchange. Foi um warm-up e tanto para o show da PJ Harvey.
Não sabia muito o que esperar do show da PJ Harvey, pois não curti tanto o novo álbum “The Hope Six Demolition Project”. Achei-o difícil, mas é o tipo que vira uma verdadeira obra ao vivo. Ela fez um show magnífico e orquestrado: a voz comandando, como sempre, e suas lindas mãos indo e vindo em direção ao público. Tocou por 1h30 trajada num lindo vestido preto esvoaçante acompanhada de uma grande banda. E foi uma surpresa vê-la tocando saxofone ao vivo. A iluminação foi um show a parte e um dos mais bonitos que vi no Primavera Sound, tanto que ficamos até o final.
Sigur Rós é aquela banda que as pessoas adoram colocar numa playlist para pegar no sono. Portanto a expectativa da maior parte do nosso grupo era estender a canga, colocar o óculos e viajar por uma hora. E não poderia ter sido mais diferente do que isso, como eu já apostava. Afinal, sabia que Sigur Rós não decepcionaria. O show é tão épico que parece ter quebrado uma fenda na dimensão espaço-tempo: ou eles vieram de uma outra galáxia, ou de um futuro tão distante para aterrisar em plena grama ibérica, em 2016. E ainda nos brindaram com uma música nova, “Óveður”. É um show imperdível.
Saíamos com os pezinhos nas nuvens depois de um show tão lindo, já fazendo planos para vê-los ao vivo em breve. Era meu aniversário e eu mal podia acreditar no presente que tinha acabado de ganhar. De lá seguimos para celebrar meu novo ano com o Moderat, que fez um show potente e surpreendente. Foi “showzão” e eles seguraram o público no Palco Heineken, um dos dois principais, até o fim. Eu ganhei bolo, parabéns em português e em espanhol, abraços dos amigos e tenho certeza que foi um dos dia mais felizes da minha vida. Não tenho dúvida de que este Primavera Sound foi uma grande surpresa para mim, já que particularmente não sou grande fã de festivais deste porte. Mas nada como estar acompanhada de grandes amigos, do marido e ter um line-up impecável e uma locação tão incrível quanto o Parc del Fórum. Que venha o próximo festival.
**Este post teve colaboração da Vanessa Mathias, que estava presente lá com a gente, e o Ola Persson, que fotografou para o CoP.
*O Primavera Sound faz parte do projeto Volta ao Mundo em Festivais de Música, que tem patrocínio da KLM Brasil, que faz parte doSkyTeam, oferecendo voos para 1.052 destinos em 177 países. Vem comigo! #fly2fest
Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.