Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
É muito estranho pensar em como era fazer uma viagem longa até os anos 90, numa era pré-internet. Eu lembro muito bem dos traveler checks guardados numa pochetinha interna dentro da calça, da passagem de avião preenchida a mão que valia a sua vida, e a dificuldade – e o preço exorbitante – que era ligar para casa para dar notícias mínimas. O tempo passou, já passamos pelo email, Skype, e agora temos Whatsapp para contar tudo que está acontecendo para a família toda em tempo real. Acabou aquele isolamento gostoso de pegar o avião e deixar a vida em casa, para trás mesmo.
Esses dias, fazendo aquela limpa anual no armário, achei uma caixa de lembranças de viagem daquela época, cheia de uma das coisas mais legais que tinha em viajar que hoje praticamente morreu: o cartão postal. São dezenas deles vindos de vários cantos do mundo. A maioria foi minha mãe que me mandou, alguns são endereçados aos meus irmãos, alguns vieram de amigos, outros nem texto tem pois chegaram na mala. Eu os colecionava avidamente.
Acho que foi através deles que minha mãe me ensinou o prazer de por a mala nas costas e correr o mundo. Vendo meu fascínio com as imagens dos lugares que visitava, ela sempre dava um jeito de me mandar um postal de onde quer que estivesse, contando de forma extremamente resumida o que era estar ali (para os novinhos entenderem: era como resumir um textão de Facebook em um twit de 140 caracteres). A nostalgia bateu forte, não pensando nos lugares ainda desconhecidos, muitos dos quais eu tive a chance de conhecer ao vivo depois de adulto. Mas sim vendo como a D. Nonô conseguia provocar a minha imaginação em tão poucas palavras, e como eu fui mordido pelo bichinho da viagem muito tempo antes de pisar em um avião pela primeira vez. Fiz uma seleção dos melhores postais que valem por férias dando a volta ao mundo:
21/08/93 – ‘Rê, passei a noite neste hotel porque o Glória de Caxambú estava lotado até domingo. Esta cidade, Pouso Alto, é um lugar histórico pois foi pouso dos bandeirantes, como Fernão Dias e Borba Gato. Beijos para todos, Mamãe.’
23/08/93 – ‘Filhão, lembra do Hotel Glória? Estou hospedada nele mesmo. Espero voltar sempre porque gosto muito daqui. Fizemos ótimos passeios de bicicleta, além de tomar montes de água mineral no Parque. Mil beijos, Mamãe.’
Sem data – ‘Queridos filhos, este é o hotel em que estou hospedada. Fica numa praça linda, bem em frente ao Palácio do Governo. A cidade é muito bonita, muito civilizada e o povo muito bonito e educado. As frutas aqui são sensacionais. Beijos, Mamãe.’
05/06/92 – ‘Queridos filhos, este é o Museu de História Natural, que eu nunca havia visitado. Fiquei impressionada! Tem bichos empalhados de todo o mundo que você jura que são de verdade! Bem na entrada fica este esqueleto de dinossauro que vocês vêem na foto. Algum dia vocês também vão a este museu, vale a pena. Beijos, Mamãe.’
05/06/92 – ‘Di, Fê e Rê, aproveitei muito NY. Peguei dias lindos, vi a Estátua da Liberdade, fui três vezes ao teatro. Mas o ponto alto foi a visita ao Metropolitan, este museu da foto. Ele é enorme, e muito completo. Não deu para ver tudo, vou ter que voltar a NY só para isso. Beijos, Mamãe.’
19/09/94 – ‘Hi, boys! Passei uma noite em Santa Barbara, que é mesmo bárbara: para morar ou passar férias. É lindinha, toda em arquitetura mediterrânea espanhola. Não é grande demais nem de menos. E riquíssima! Depois eu conto mais. Beijos, Mamãe.’
14/09/94 – ‘Renato, foi difícil selecionar o que há de mais típico para te mandar um postal: os bairros vitorianos, Chinatown, ou a zona à beira-mar, chamada Fisherman’s Wharf. Escolhi os ‘cable cars’, mas mando os outros para seus irmãos e você pode pegar para colecionar. Beijinho, Mamãe.’
12/09/94 – ‘Oi, Fê! Você iria adorar descer de bicicleta por esta rua cheia de curvas. É radical! Beijão, Mamãe.’
15/06/92 – ‘Queridos filhos, Esta é uma vista de Corpus Christi, onde se realizou o campeonato de bridge, este hotel bem à direita da foto. Não ganhei nada, mas me diverti muito. O duro é a comida, toda baseada em cozinha mexicana, cheia de pimenta. O Texas já fez parte do México, sabiam? Beijos, Mamãe.’
12/05/95 – ‘Renato, esta é a Vila Olímpica construída para as Olimpíadas de 76. Veja o detalhe da “maior torre inclinada do mundo”. Esta cidade é uma maravilha: tem o que há de melhor da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos. Um lugar magnífico para morar! Beijos, Mamãe.’
17/05/95 – ‘Oi meninos! Toronto é um São Paulo muito melhorado, cheio de programas. Vou voltar com vocês um dia. Beijos, Mamãe.
15/05/95 – ‘Fernando, você iria adorar Québec, está cheia de gente tocando instrumentos na rua (e ganhando algum dinheirinho com isso). Beijos, Mamãe.’
29/08/90 – ‘Fê, essa é a famosa Torre Eiffel. De lá de cima vê-se toda Paris. Já comprei a miniatura da torre para você e para o Rê. Um beijão, Mamãe.’
29/08/90 – ‘Di, Paris à noite é toda iluminada, não admira que seja chamada de Cidade-Luz. Estou adorando tudo! Um beijão, Mamãe.’
29/08/90 – ‘Rê, assim é a Pirâmide do Louvre por dentro. É a entrada do museu. Espero algum dia voltar aqui para mostrar tudo para você. Você vai adorar! Mil beijos, Mamãe.’
08/09/90 – ‘Di, Fê e Rê, esta é Veneza, uma cidade medieval (de mais ou menos 800 anos) entre canais. Aqui o ônibus é uma lancha! Na foto do meio, vocês podem ver a famosa Praça de São Marcos, com a Catedral de São Marcos ao fundo. Tinha tanto turista que eu mal consegui andar nela! Beijos, Mamãe.’
27/08/92 – ‘Di, Fê e Rê, é nesta cidade que está se realizando o campeonato de bridge. Como é uma Olimpíada, todos os países estão representados, só que o Brasil não está indo muito bem. A cidade é uma estação de águas, tipo Caxambú, só que muito mais bonita. Beijos, Mamãe.’
15/10/97 – ‘Querido Rê, aí vai mais um postal para sua coleção. Madrid é linda, limpa, arrumada, animada. Tem vários museus importantes. Estamos adorando. Beijos, Mamãe.’
22/10/97 – ‘Oi Rê, você iria adorar Barcelona. É uma cidade onde o antigo e o moderno se misturam. Muito animada, cheia de gente jovem. Beijos, Mamãe.’
22/10/97 – ‘Querido filho, aí está Toledo, um dos exemplos mais conservados de cidade medieval, com influências de vários povos que a dominaram pelos séculos afora. Beijos, Mamãe.’
15/10/97 – ‘Querido Fê, este é um quadro do Miró, um dos mais importantes artistas da Espanha. Ele é de Barcelona e sua pintura é toda assim, alegre e colorida. Beijos, Mamãe.’
06/09/91 – ‘Di, Fê e Rê, esta é a Praça do Relógio em Genebra. É um relógio de verdade, todo feito de flores! Genebra é uma das cidades que mais tem áreas verdes que eu já conheci. É tudo muito limpinho e organizado. Bem se vê que se está na Suíça. Beijos, Mamãe.’
12/10/96 – ‘Querido filho, Rodes é uma cidade fascinante! O núcleo é uma cidade medieval com muralhas, castelos e tudo, e em volta uma cidade balneária moderníssima! Eu nunca vi uma cor de água do mar tão linda, meio turquesa-claro. Existe aqui uma mistura dos dois mundos: o oriental e o ocidental, o árabe e o cristão, o antigo e o moderno. Me apaixonei por esta cidade! Beijos, Mamãe.’
05/11/97 – ‘Di, Fê e Rê, em Hammamet é tudo muito diferente, exótico. O lugar é calmo, bom para jogar bridge. Beijos, Mamãe.’
Bonus Track – Esse postal maravilhoso de Israel foi enviado por amigos para a minha mãe, durante o campeonato de bridge no país: ‘Querida Nonô, os Cruzados Novos não conseguiram nada junto ao Santo Sepulcro. Os outros infiéis estão com a ajuda do demônio, entortando as finesses certas. Para reclamar, temos o muro. Beijão, Lydia e Alex.’
Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.