Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Vinícius de Moraes dizia que o Carnaval no Brasil é ‘a festa onde os tabus perdem força e as permissões tornam-se hiperbólicas.’ Guardadas as devidas proporções, muitos outros lugares do mundo têm seus carnavais, quando a regra é quebrar as regras: Mardi Gras em New Orleans, a Oktoberfest na Alemanha, o Holi na Índia, St. Patrick’s Day na Irlanda, as festas juninas portuguesas, a Tomatina e as festas de San Firmín na Espanha, o Día de los Muertos no México, e tantas outras. Todas elas têm em comum o fato de serem festas feitas pelo povo, para o povo, e esse povo geralmente quer mesmo uma boa bagunça. É muito curioso para mim, então, pensar conceitualmente no King’s Day, uma festa popular criada por uma monarquia, e ainda mais com um povo tão calmo e ordeiro como os holandeses. Mas o contraste está só aí, no conceito.
Estive recentemente em Amsterdam a convite do Inner Circle, um aplicativo na cidade que conecta pessoas solteiras através de uma curadoria cuidadosa de afinidades e uma forte comunidade ligada a cultura e diversão. O objetivo dessa viagem era um só: desbravar esse tal de ‘Carnaval holandês’.
Para começar, um contexto: a celebração do aniversário do monarca do país já acontece desde o século 19 em todo o país. Na data, que muda de acordo com a pessoa no trono, a Holanda toda se veste de laranja em homenagem à dinastia da família real, os Orange-Nassau. Antes, o Queen’s Day era celebrado na data do aniversário da Rainha Juliana, em 30 de abril. Já sua sucessora, a Rainha Beatriz, soprava velinhas no alto inverno em janeiro, então ela manteve a grande festa no mesmo dia da mãe. Com a sua abdicação em 2013, subiu ao trono seu filho Willem-Alexander, taurino do dia 27 de abril. Assim, agora, o King’s Day acontece sempre nessa data e, claro, é um belo feriado. Várias cidades têm grandes celebrações, como Utrecht, Roterdã, Haia e Eindhoven, mas a maior e principal acontece sem dúvida no centro de Amsterdam.
Do mesmo jeito que nós em fevereiro, os holandeses também ficam com siricutico para a grande data. Mesmo sendo um evento oficial e protocolar, é nesse dia que o país todo se transforma, e (algumas) regras são quebradas. Primeiro que o dia do evento tem mais de 24h, porque começa já na noite anterior com o King’s Night. Bares, restaurantes e casas noturnas promovem festas que atravessam a madrugada, mas não vá com muita sede ao pote que é fácil queimar a largada bonito. Estamos falando de Amsterdam, afinal. Eu até fui conhecer o bar MADAM, no topo da A’DAM Tower, mas encerrei a noite cedo para não perder a festa principal.
Além disso, apenas no King’s Day, os holandeses podem tomar as ruas e vender absolutamente qualquer coisa, sem se preocupar com qualquer burocracia. Tanto é que dias antes você pode ver pedaços de calçadas marcados com silver tape e iniciais de gente reservando o espaço. E as pessoas se dedicam real a isso. Tem gente que abre o porão e tira todos os cacarecos para fazer umas garage sale, e tem gente vendendo comidinhas, bebida, discos, arte, tem gente fazendo música, show, gincana, qualquer coisa vale.
Chegado o grande dia, eu só posso te dar algumas dicas:
1. Ponha a roupa mais laranja que tiver. Se não tiver nada, compre qualquer coisa que as lojinhas de souvenir tem, como colares havaianos, gravatinhas, chapéus, etc. Aproveite e compre um bastãozinho de cera com as cores da bandeira dos Países Baixos para desenhar a bandeirinha no rosto. Se é para se divertir, melhor entrar na dança.
2. Use o tênis mais confortável que tiver. Nesse dia o transporte público não funciona em todo o centro, e as ruas ficam tão cheias que a bicicleta também não é uma boa alternativa. Então você vai andar muito, muito.
3. Leve dinheiro em espécie, porque muitas barracas de rua não tem maquininha de cartão. E comer e beber na rua são parte imprescindível da festa.
Tudo pronto, vamos lá!
Basicamente o King’s Day uma grande aglomeração por todos os lados, sem uma programação específica. O melhor é andar a esmo e ir curtindo o que aparece pela frente. Muitos holandeses formam grupos de 30-50 pessoas para alugar barcos que ficam desfilando pelos canais com o som no talo. A imagem é bonita de ver (fica ótima na foto), mas confesso que achei até um pouco irritante. Os barcos se aglomeram e disputam o espaço sonoro. Toca hits pop junto com eurodance, com psytrance, com techneira com o que mais for, e mal dá para distinguir uma das outras. O mais divertido é acompanhar as figuras que aparecem nesse cenário. Eu vi gente pelada dançando pelada nas janelas das casas em volta dos canais, gente fazendo xixi no canal com todo mundo olhando (algumas regras são quebradas mesmo), gente que pula do barco quando ele passa embaixo de uma ponte para fazer algo em terra firme, para pular de volta para o barco na ponte seguinte. É uma zona.
Saindo dos canais, encontrei algumas coisas acontecendo nas praças da cidade. Na Leidsplein vi um palco pequeno com shows de música acontecendo em frente ao famoso coffeeshop BullDog. Na Spui, parecia que acontecia uma quermesse com brincadeiras para ganhar prêmios. Em uma delas, se você ficasse pendurado em uma barra de ferro por 100 segundos, você levava 100 euros para casa. Soa muito mais fácil do que é. Em outro canto vi um lugar onde as pessoas atiravam ovos na cara de um sujeito dentro de um alvo, só pela diversão de vê-lo sujo mesmo.
O Vondelpark, maior parque dentro do centro da cidade, tem um clima todo próprio. Com mais espaço, fica melhor para circular sem se espremer, e os gramados são tomados por atividades. Lojinhas pessoais, comidinhas, brincadeiras, uma foto em tamanho real do rei com sua espora Máxima para você tirar uma ‘foto oficial’. Tem muita música também. Vi uma banda formada por garotos de não mais que 12 anos em que a atração principal era o menino desajeitado tocando ‘YMCA’ do Village People no saxofone, claramente ainda em fase de aprendizado. Em outro canto, um sujeito tocava uma guitarra enquanto 3 adolescentes cantavam (ou melhor, gritavam) a letra de ‘Man in the Mirror’ do Michael Jackson para quem tolerasse quisesse ouvir. E por lá ainda encontrei uma família vendendo brigadeiros, com uma placa em que se autodenominavam ‘Team Brasil’, sendo que nenhum deles era brasileiro, falava português ou sequer tinha visitado nosso país. Vale tudo para atrair a atenção dos passantes.
Em quesito animação, não dá para comparar os holandeses com os indianos. Em uma rua com alguns restaurantes típicos próximos ali por perto, a colônia se instalou, fechou a rua e rebolou até o chão ao som de hits em híndi num frenesi contagiante. Todo mundo cantava todas as músicas, e eu me contentei em sacudir junto com a galera. Na saída ainda aproveitei para forrar o estômago com duas samosas gordas compradas ali na rua mesmo.
Os indianos só não conseguiram bater, obviamente, os gays. Na Reguliersdwarsstraat, que concentra muitos bares LGBTQIA+, mal se podia transitar. Ali a preparação foi digna de festa brasileira, com um único sistema de som para toda a rua, camarotes organizados no primeiro andar de alguns prédios, e muita, muita gente. Todo mundo feliz, dançando, bebendo, fervendo, na maior paz e no maior aperto.
A bagunça vai noite a dentro, mas meus pés já reclamavam pelos 30km rodados até o começo da noite, então me contentei a dar uma volta rápida para achar um jantar pelo Red Light District que, pasme, estava quase vazio. Os canais começavam a esvaziar e as festas se transpunham aos poucos para ambientes internos, mas sem hora para acabar. Impressionante é que as ruas forradas de lixo por todos os lados às 18h já estavam quase limpas por volta das 22h. O jeitinho holandês que a gente devia aprender.
Dá para entender porque o King’s Day é aguardado por eles tanto quanto nosso Carnaval por nós. Uma sociedade tão regrada e certinha tem um dia livre para extravasar sem amarras, e eles tiram muito proveito disso. Tem muito xixi na rua, tem gente usando drogas livremente, mas eu vi pouquíssimos policiais circulando e um total de zero B.O.s – tirando o barco que afundou no canal. É uma festa alegre e divertida. Confesso que minha veia brasileira sentiu falta de algo mais estruturado pelo poder público, como uma agenda de shows, talvez. Ali é tudo no esquema faça-você-mesmo. Mas é impossível não ser infectado pela animação laranja. Só do rei mesmo que não ouvi falar: se ele deu as caras, não fiquei sabendo.
Encerro agradecendo de coração ao Inner Circle pelo convite para curtir o King’s Day em Amsterdam. O app, que conecta pessoas com gostos parecidos, mostrou que é capaz de oferecer experiências incríveis. O King’s Day, essa festa tão querida pelos holandeses, foi o cenário perfeito para sentir a essência do Inner Circle, onde a interação social, a diversão e a cultura se encontram. A viagem me permitiu não só conhecer melhor a cultura holandesa, mas também reforçou a importância de fazer conexões reais em um ambiente tão animado e festivo. Se quiser ver o vídeo dessa festa, dá uma olhada no nosso Instagram.
*Todas as imagens são do Renato Salles
Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.