Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
O SXSW 2022 chegou ao fim deixando saudades, reflexões, inspirações e muito o que pensar. Nessa mudança de era cheia de transformações orquestradas pela tecnologia, o valor humano assume a função de leme, de bússola e de âncora. Sim, âncora. Afinal, a fim de que para nós, pessoas, o céu seja o limite, todo o resto precisa do freio da ética. Isso foi algo recorrente ao longo do evento, e alguns dos destaques dos últimos dias do festival ilustram muito bem a questão.
“Os avanços proporcionados pela inteligência artificial trazem a reboque desafios éticos na forma como integramos a tecnologia ao cotidiano da sociedade, mitigando riscos e fricções.”
Elizabeth Bramson-Boudreau, CEO e editora da MIT Technology Review
A IA está ficando cada vez mais parecida com a nossa. Ela já é capaz de, por exemplo, surpreender com a fidelidade com que replica textos escritos por humanos. Da mesma forma, sua capacidade de resolver problemas, adaptar-se e reagir a situações desconhecidas cresceu bastante. Mas, provavelmente, o maior destaque fica por conta dos avanços na compreensão das emoções humanas e estados cognitivos. Tudo isso é resultado de novas tecnologias, como GPT-3, IA multiqualificada e Emotion AI. À medida que elas se desenvolvem, os desafios éticos agigantam-se.
Rana el Kaliouby desenvolve estudos que visam tornar a IA emocionalmente mais inteligente. Em sua empresa, Affectiva, ela desenvolveu uma tecnologia de reconhecimento de emoções. O resultado é uma IA que pode identificar se o motorista de um carro está bêbado, se um aluno está entediado na aula etc. Os riscos aí implícitos são uma preocupação para Rana, que, no SXSW 2022, enfatizou que o objetivo é ajudar as pessoas. Nesse sentido, no caso do estudante, por exemplo, ele não pode ser punido por causa do diagnóstico que o sistema apresentar, ao contrário, a medida imediata é aplicar soluções que o estimulem. Só vamos nos beneficiar do potencial positivo da IA se este tipo de raciocínio – favorecer o indivíduo no centro da questão – entrar em nosso mindset de uma vez por todas.
Quando o olhar para as tecnologias busca o benefício das pessoas, até dos terrenos mais complexos é possível extrair oportunidades. No SXSW 2022, gente sentiu isso na sessão Ocean Vibe Shift: Changing Tides for Ocean Conservation, que mostrou IA e meio ambiente juntinhos, na mesma página. A Dra. Deborah Brosnan e John Paul DeJoria levaram um diálogo cheio de harmonia, em que a troca entre os dois reproduziu a dança que está rolando entre tecnologia e natureza neste exato momento. Ficou a impressão de que, se a gente mergulhasse na vibe deles, o cenário otimista de Amy Webb para a inteligência artificial ultrapassaria o degrau dos 20%.
Embora essa tenha sido a ideia geral, a sessão foi motivada por iniciativas que usam tecnologia na preservação de corais e recifes. Acontece que os oceanos são essenciais para a nossa sobrevivência, e eles dependem muito desses organismos, que, por sua vez, influem o movimento das ondas, a areia na praia, a qualidade da água… Só que, hoje, perdemos mais corais em um dia do que podemos restaurar em uma década. Nesse contexto, a inteligência artificial tem sido uma aliada e tanto. Ela vem sendo aplicada para nos ajudar a entender a relação da vida marinha com os corais. Esse suporte já resultou em projetos onde o crescimento desses organismos pode ser acelerado. Outra contribuição importante é o apoio da IA na compreensão dos motivos que levam alguns corais a sobreviver ao aquecimento global, e outros não.
Enquanto a gente aposta no meio ambiente, a economia verde cresce e os moradores de praias distantes conquistam renda. Foi exatamente o que John Paul DeJoria entendeu quando viu cerca de ⅓ dos moradores da Ilha de Bermudas empregados em torno da preservação de tartarugas marinhas. A ideia de uma corrente de trocas cheias de benefícios é a cara do Southby, e Sit Swan trouxe isso em sua apresentação no SXSW 2022:
“Sempre que você aprender algo novo e legal, vá e conte para cinco pessoas, e elas têm que ser pessoas que não ajam, soem ou se pareçam com você.”
Sit Swan
A ênfase que ela coloca no compartilhamento de informações com quem é diferente de você é estratégico para tornar o conhecimento acessível e bem distribuído. Diante de uma novidade – como a web3, por exemplo – nossa tendência é confiar em quem se parece, age e soa como nós mesmos. Mas isso não viraliza o conhecimento. Podemos falar horas sobre o potencial da nova fase da internet, no entanto, se continuarmos a construí-la na mesma matriz da web2 – “um bando de homens brancos que se saíram muito bem”, como Sit define – esqueça.
Se nossa missão é viralizar o conhecimento, vamos a uma questão prática, mais precisamente, a última pergunta no painel One Year Later: How NFTs Are Changing The World: como explicar NFT para nossos avós?
Os quatro painelistas trouxeram diversas explicações mas, cá entre nós, vovó dificilmente entenderia alguma. Porém, se ela estivesse no SXSW 2022 e ouvisse essa conversa, saberia que, em síntese, trata-se de uma solução técnica para resolver algumas questões que, geralmente, são tidas como subjetivas. Só que, do alto de sua experiência, vovó diria que estamos diante de um recém-nascido, ainda com cara de joelho. Assim sendo, mais importante que o conceito é saber que ele tem saúde o bastante para se desenvolver. É uma tela em branco que vem sendo explorada, sobretudo, por quem trabalha com arte. Vários modelos de negócios estão sendo testados e, com toda liberdade que o desconhecido permite, estamos aprendendo como e onde o NFT funciona melhor. Contudo, nesse sentido, já sabemos que ele deve assumir um papel crucial na web3. Isso porque a produção de conteúdo deve se transformar quando a imersão começar a fazer parte da internet, e – pelo menos por enquanto – ele é o melhor caminho para resolver o problema da remuneração, além de também contribuir com o sentido de comunidade, que deve ser identitária na 3a fase da web.
O SXSW 2022 chegou ao fim. Suas provocações, por outro lado, ainda devem reverberar por um bom tempo. É hora de se aprofundar, refletir e questionar as ideias que brilharam por lá, afinal, os últimos dez dias deixaram poucas certezas e muito espaço para quem estiver disposto a um mergulho sincero nas possibilidades que temos à nossa frente. A gente te faz companhia! Aliás, aproveite para ler os outros destaques do Southby esse ano (aqui e aqui).
Texto em parceria – Renata Lea e Vanessa Mathias
Seu exacerbado entusiasmo pela cultura, fauna e flora dos mais diversos locais, renderam no currículo, além de experiências incríveis, MUITAS dicas úteis adquiridas arduamente em visitas a embaixadas, hospitais, delegacias e atendimento em companhias aéreas. Nas horas vagas, estuda e atua com pesquisa de tendências e inovação para instituições e marcas.
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