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Uma crônica sobre as histórias que as fotos de viagem nos contam
Eu praticamente não uso mais Facebook. Considerei, por diversas vezes deletar meu perfil por lá, afinal pra quê tanta rede social e tanta exposição? Porém, todas as vezes que pensei em excluir minha conta, sempre esbarrei na mesma questão: e as memórias que ainda se mantinham vivas ali? Garanto que para cada notificação que pipoca dizendo “há tantos anos atrás…” sinto uma emoção diferente aflorar em mim. Às vezes é de vergonha, por olhar uma versão minha do passado e pensar “que mico, eu era mesmo assim?”. Às vezes é de saudade, de um momento feliz com a família, dos meus sobrinhos pequenos, ou da época de escola onde tudo era tão simples e a gente nem sabia. As fotos de viagens, então, são sempre motivo de ativar uma doce parte da minha memória e são das minhas preferidas, sem dúvida.
Porém, tem uma em especial que desperta em mim algo profundo que a imagem não é capaz de traduzir e que, toda vez que ela aparece, me faz repensar muitas coisas. A foto em si nem parece nada demais – é uma foto minha, de costas, sentada na caçamba da pickup, admirando de longe um pôr-do-sol na praia. Para quem me conhece, sabe que essa é das cenas mais batidas da minha vida, uma vez que assistir o sol se pôr é das minhas terapias preferidas e momentos assim já foram registrados várias vezes. Mas a questão ali é o que essa imagem me faz recordar.
Naquele dia, eu estava em Santa Bárbara, na Califórnia, onde morei por alguns anos. Eu tinha acabado de voltar de uma viagem de 15 dias no Brasil, quando fui visitar aqueles que amo, matar as saudades e aproveitar para passar as festas. Me lembro que sair do Brasil de novo e voltar pra Califórnia foi das coisas mais difíceis que já fiz. Foi como viver a despedida de novo, como da primeira vez, ou talvez até mais dolorido. Lembro nitidamente de, no vôo de SP para LA, encarar por horas a telinha da poltrona na minha frente, ver o aviãozinho no mapa se afastar cada vez mais da minha casa, da minha família, do meu noivo, do meu lar… e me questionar: “o que eu estou fazendo da minha vida? porque mesmo eu preciso ir pra longe?”. Nenhuma resposta me vinha em mente durante aquelas perguntas, mas as lágrimas brotavam sem parar em meus olhos.
Entre aeroportos, cansaço da viagem e jetlag, minha cabeça estava a milhão. Me lembro de ter chegado, trabalhado e, assim que deu o fim do dia, peguei o carro e corri pra ver um por-do-sol do meu canto favorito. Quase uma coisa automática, sabe? Daquelas que você faz sem pensar muito, por rotina. Quando estacionei o carro e desci pra olhar a vista depois das últimas 24h turbulentas, olhei em volta, respirei fundo e pensei: “agora sim, estou em casa”. Esse pensamento me assustou. Como assim eu estava em casa? Eu tinha acabado de sofrer tanto justamente por que meu lar não era ali, questionar minhas escolhas durante toda a viagem… como poderia ser? Fiquei em estado de choque. Mas esse pensamento foi súbito demais para não ser sincero.
E foi ali, a partir dele, que eu compreendi que talvez nunca mais eu tivesse apenas um lar no mundo. Foi ali, sentindo o vento gelado do inverno californiano, vendo o sol se pôr no Oceano Pacífico e as palmeiras compondo o cenário, que eu entendi que meu coração também pertencia a aquele lugar. Que talvez ninguém nunca compreendesse o sentimento de pertencer que eu encontrava ali, mesmo a milhares de milhas daqueles que amo. Você deve estar se perguntando em que momento dessa minha reflexão de vida eu resolvi parar e posar para uma foto e, essa parte, pra mim, é a mais curiosa e coroa toda a beleza e significado dessa memória.
Parada ali, imersa no que potencialmente seria uma das maiores questões da minha existência, alguém me cutucou e me trouxe de volta a realidade. Era uma moça que eu não conhecia, falando que me vendo ali, reflexiva olhando o céu e a praia, tinha tirado uma foto desse momento e queria compartilhar comigo. Ela me passou a foto e eu agradeci, meio sem jeito e ainda surpresa com a situação. Nunca mais vi essa pessoa, na verdade nem sei o nome dela. Mas o fato é que ela nem imagina o valor que essa foto tem para mim. Toda vez que eu a vejo, eu me lembro perfeitamente do que estava sentindo naquele momento. Lembro do cheiro do mar, da sensação de paz daquele meu canto favorito e do céu colorido que, a cada por-do-sol, me completava em vazios internos que eu nem sabia que existiam. É como se eu me teletransportasse para lá e para toda a reflexão que aquele momento me trouxe.
De certa forma, eu acredito que essa pessoa estranha ter registrado esse momento e escolhido me enviar, sem nem me conhecer, é um recado do universo para que eu nunca me esqueça do que senti ali, naquele dia. A memória da gente é falha, e tende a esconder tudo aquilo que é desafiador ou o que não sabemos a resposta. Cinco anos se passaram desde esse dia e eu ainda não sei dizer exatamente onde é o meu destino, se cá ou lá. Mas acho que a mesma voz aqui de dentro, que me disse que eu estava em casa ali, fala comigo toda vez que a lembrança desse dia aparece no Facebook. É quase que como um conselho para mim mesma, que sussurra: “não esquece desse sentimento… um dia você vai compreender o por quê”.
Jornalista de formação e viajante por vocação, traz desde criança essa necessidade de ir para o mundo, de vivenciar o novo de perto e ver com os próprios olhos os lugares que admirava nas revistas e na internet. Para ela, nada paga a emoção de pisar em um lugar pela primeira vez, respirar novos ares, ter contato com culturas diferentes. Ela é do tipo que não se aquieta: sua lista de sonhos, parece mais uma lista só com nomes de países, pois viajar é sua prioridade número um. Tem a alma livre - afinal, aquarianos e a palavra liberdade são praticamente sinônimos - mas, ao mesmo tempo, faz malabarismo para equilibrar todo o amor pela família e pelo companheiro de vida que ficam no Brasil e, apesar de encorajarem todos seus vôos, nem sempre conseguem acompanhá-la. E é assim que ela leva a vida, tentando conciliar os impulsos pra voar e as razões para ficar, compartilhando suas experiências com todos aqueles que, como ela, têm sede de sentir o mundo sem abrir mão do amor.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.