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Em agosto, corri uma maratona na Finlândia. Parte da empolgação em competir por lá era fazer o mais local dos programas antes e depois da corrida: relaxar numa sauna em Helsinki.
Reza a lenda que sauna foi a única palavra finlandesa a ganhar o mundo. Existem saunas em outras culturas, mas é no país escandinavo que frequentar sauna é paixão nacional. Em mil oitocentos e bolinha, era nesses lugares que moradores sem água corrente em casa podiam tomar um banho digno. Não é incomum conhecer gente que nasceu dentro de uma sauna – que desligada, é um local esterilizado, com bastante água e toalhas disponíveis.
Estima-se que existam três milhões de saunas na Finlândia para atender a uma população de 5,3 milhões de pessoas. Empresas, instituições públicas, condomínios residenciais e casinhas de campo têm saunas, que podem ser secas ou a vapor; com caldeiras ou elétricas.
Quis ter uma experiência variada: depois da maratona fui a uma sauna raiz e, na véspera, busquei uma sauna Nutella.
A Loyly (palavra finlandesa que significa o vapor que sai do aquecedor da sauna quando mais água é adicionada às pedras) é a sauna top of mind para os turistas. Não à toa: é possível reservar um horário por meio do site, em inglês, há um restaurante completo no local e a sauna não fica muito longe de algumas atrações turísticas de Helsinki (tinha japonês completamente vestido, do lado de fora, tirando foto da gente).
Ah, sim. A Loyly é lindíssima. A estrutura minimalista de madeira, com brises-soleils que escancaram a vista da paisagem ao mesmo tempo que preservam os frequentadores, é quase uma escultura em si. A construção deita-se languidamente em meio as pedras da orla do Mar Báltico. É a essência da arquitetura finlandesa e pago feliz 14 euros para ficar duas horas dentro daquele sopro de beleza.
Por incrível que pareça, reservar horário é essencial. São permitidas 20 pessoas a cada duas horas nas duas saunas do complexo e isso deixa o lugar mais cheio do que gostaria, embora não insuportável. O acesso ao restaurante é livre aos não banhistas.
‘Luciana, one person”, digo à mocinha do staff. Ganho uma chave para o armário, uma toalha de banho e um tecido – que chamarei de pano de bunda por falta de definição melhor – cuja serventia é proteger suas nádegas da madeira quente. Pega esse design thinking, Brasil!
Ao contrário dos lugares tradicionais, na Loyly usa-se roupas de banho e as saunas são mistas. Há redes, solário, uns livrinhos de design e bar interno onde o sucesso (ainda) é Aperol spritz. É possível reservar uma terceira sauna para grupos privados.
Há muitos turistas, mas também alguns locais, que são simpáticos ao interagir. É fácil saber quem é finlandês: estão dispostos a botar mais lenha na fogueira, digo, água no aquecedor, e se deliciam com as labaredas de Satanás que a ação produz. São também aqueles que encaram com mais naturalidade as águas geladas do Báltico e passam longos minutos dentro do mar, ao contrário dessa mocinha que mal largava o corrimão da escada na hora de fazer crioterapia da natureza.
Duas horas é a conta ideal para a Loyly: dá para percorrer saunas, solários, mar e chuveiros algumas vezes. Quando o programa começa a ficar maçante, é hora de pagar a conta do bar e tomar uma ducha no vestiário, que tem xampu, sabonete e secador de cabelos. Os chuveiros são dispostos um ao lado do outro, sem cabines individuais.
No dia seguinte, depois de correr mais de 42 quilômetros, preferi evitar a fadiga e me deslocar o mínimo possível. A solução foi o community center de Kontula, subúrbio de Helsinki que me acolheu por uma semana, onde crianças de seis anos vão sozinhas à escola e coelhos atravessam as calçadas. As instalações públicas da comunidade ficam nos arredores do metrô e custam menos de um terço da sauna Nutella do dia anterior.
Contrariando minhas expectativas, o lugar era impecável. Não mereceria a capa de uma revista de design, como a Loyly, mas não havia um fio de cabelo no chão ou um azulejo riscado – ao contrário do clube onde nado com a nata do triathlon carioca. Tudo era clean, funcional e organizado.
Tento achar a piscina, mas meu finlandês limitado me levou a adentrar o chuveiro masculino para a surpresa de zero homens, que ignoraram minha presença. Pictogramas avisam que é proibido se depilar na sauna e roupas de banho são vedadas. Na piscina são proibidas vestimentas com bolsos e bermudas para os homens – mas duas mulheres nadavam na piscina indoor com burka de banho – o burkini- e cintos de flutuação.
Tá sentindo falta do pano de bunda? Por menos de seis euros a entrada, na sauna comunitária ele é trazido pelos próprios banhistas.
Havia andadores à disposição para os idosos e a lixeira do complexo esportivo evidenciava a diversidade etária: lenços umedecidos infantis, algodões sujos de maquiagem e fraldas geriátricas.
Havia uma piscina infantil. Na adulta, raias separadas para natação e a maior parte era reservada a quem queria ficar de boa na lagoa. Uma piscina de hidromassagem – que pareceram as cataratas do Niágara – oferecia jatos intensos capazes de curar qualquer cansaço. O vestiário é bastante parecido com a da Loyly, com chuveiros dispostos lado a lado, lockers e secadores de cabelo disponíveis.
A vontade era entrar numa sauna de Helsinki por dia. Os reviews online indicam particularidades: a mais antiga da cidade, a maior de todas, a primeira sauna pública, uma das poucas remanescente a gás, sauna com rinque de patinação no inverno. Talvez essas diferenças façam sentido para os connoisseurs e sejam mais ou menos como os postos da praia são para os cariocas: atraem perfis diferentes de público e cada morador tem seu spot preferido, aquela na vizinhança, onde vai socializar com os amigos. Felizmente, esse coração carioca não precisa escolher entre o calor da praia e o da sauna, e fica com os dois.
*Imagem de destaque: Unsplash
Carioca da Zona Norte, hoje mora na Zona Sul. Já foi da noite, da balada e da vida urbana. Hoje é do dia, da tranquilidade e da natureza. Prefere o slow travel, andar a pé, mala de mão e aluguel de apartamento. Se a comida do destino for boa, já vale a passagem.
Ver todos os postsmuito clichê suas indicações, só impressiona quem não acessa os sites gringos, paga de alternas, mas é a mais blasé nas indicações, bem fraquinho.
Oi, Rafael! A ideia era a partir de um ponto de vista pessoal, comparar uma sauna cliché e turística com uma desconhecida e de bairro. Leia com atenção que deixamos isso bem claro e a ideia não era pagar de alterna. De qualquer forma, compartilhe com a gente sua dica de sauna em Helsinki. Não faltam motivos para a gente e os leitores quererem voltar.
Oi Rafael, novas dicas são super bem-vindas. Essa foi a experiência da Lu e se tem uma coisa que a Lu não faz é “pagar de alternas”. Ela apenas vai atrás das experiências que quer vivenciar e compartilha elas com a gente.
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.