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Wynwood – o que o Dória viu no bairro de Miami

Quem escreveu

Renato Salles

Data

01 de February, 2017

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A gestão do atual prefeito de São Paulo, João Dória, não tem nem um mês mas já coleciona polêmicas. Uma das maiores delas é a batalha que ele travou contra grafiteiros e pixadores com sua campanha Cidade Linda. O circo se montou nas redes sociais com a polarização radical da população. Parte da ação de Dória prevê a criação de ‘grafitódromos’, espaços dedicados exclusivamente ao trabalho de grafiteiros, ideia tirada de um bairro de Miami: ‘”Vamos ter como tem em Miami uma área da cidade chamada Wynwood, (…) para que essas pessoas possam expressar a sua arte de uma forma livre, expressiva, com uma área a ser determinada.” – disse em entrevista. Eu já estive lá visitando, e realmente é um lugar excepcional, interessantíssimo e cheio de vida. Resolvi então pesquisar para conhecer e entender melhor o bairro, e buscar assim as ideias que podem ser trazidas para a minha cidade pelo prefeito.

Entrada do Wynwood Walls, galeria de arte de rua a céu aberto em Miami - foto: Renato Salles
Entrada do Wynwood Walls, galeria de arte de rua a céu aberto em Miami – foto: Renato Salles

Wynwood era, até o começo do século 20, parte de uma fazenda afastada de Miami. A urbanização começou por lá com a compra do terreno em 1917, e criação de um parque na região. A partir da década de 20, famílias de operários se estabeleceram, junto com algumas fábricas, como a American Bakeries Company, a Coca-Cola e uma engarrafadora de suco de laranja. Com o tempo, o bairro passou a fazer parte do Garment District (algo como o distrito das roupas), e a partir dos anos 60, se tornou ponto de chegada de cubanos fugidos da Revolução, e porto-riquenhos que conseguiam emprego por ali.Aquela área chegou a ser conhecida como Little San Juan. Os anos 80 marcaram o auge dessa fase em Wynwood, com preços ficando muito altos, e as grandes fábricas e oficinas finalmente se mudando em busca de regiões mais baratas.

Faixas de pedestre grafitadas em Wynwood, Miami - foto: Renato Salles
Faixas de pedestre grafitadas em Wynwood, Miami – foto: Renato Salles

Já no fim dos anos 70, Wynwood virou uma grande mistura de imigrantes, somando grupos de colombianos, haitianos, dominicanos e outros. O bairro era considerado de classe média-baixa, e sofria com problemas graves de violência e tráfico de drogas. Mesmo os imigrantes que chegavam, ficavam o mínimo tempo possível antes de se mudarem para algum lugar melhor. A própria American Bakeries Co. saiu do seu galpão em 1981 e o largou abandonado por 4 anos.

Terreno baldio com muros grafitados, Wynwood - foto: Renato Salles
Terreno baldio com muros grafitados, Wynwood – foto: Renato Salles

A transformação de Wynwood de boca do lixo para um dos bairros mais trendy de Miami se deu em grande parte por dois fatos. O primeiro foi a compra do galpão da ABC por uma ONG formada por estudantes do South Florida Art Center, expulsos de Coconut Grove pela gentrificação. Chamado de Bakehouse, o edifício se tornou o maior ateliê de artistas da Florida, em funcionamento até hoje. Ela chamou a atenção de galeristas da cidade, que viram ali oportunidade de achar espaços grandes com bons preços. Entre as primeiras grandes galerias de arte a chegarem a Wynwood estão a Dorsch GalleryBernice Steinbaum Gallery, em 2000.

Grafite no muro de Wynwood, Miami - foto: Renato Salles
Grafite no muro de Wynwood, Miami – foto: Renato Salles

O segundo fato, que só foi acontecer em 2006, foi o interesse do bairro pelo figurão do mercado imobiliário Tony Goldman, um dos responsáveis pela recuperação de áreas como South Beach (Miami) e o Soho (NY). Goldman começou a comprar galpões, casas e terrenos abandonados no bairro em 2006. Em 2009, ele aproveitou a abertura do festival Art Basel para inaugurar um dos seus projetos mais arrojados até então: Wynwood Walls. Esse pequeno miolo de quadra, esmagado entre os muros dos vizinhos, que seria entregue a artistas para que fosse completamente grafitado. A ideia de Goldman era que toda a vizinhança, até então decrépita, cheia de galpões fechados sem janela, se tornasse uma enorme tela para a arte de rua, e que a partir disso o bairro se tornasse um centro artístico a ser explorado por pedestres – uma enorme galeria de arte gratuita a céu aberto.

Grafite das Tartarugas Ninja no bueiro de Wynwood, Miami - foto: Renato Salles
Grafite das Tartarugas Ninja no bueiro de Wynwood, Miami – foto: Renato Salles

Deu certo. Nos últimos 8 anos, Wynwood viveu uma explosão de arte, cultura, entretenimento e, claro, preços. Estabelecimentos recém-chegados ofereceram suas fachadas para artistas reconhecidos e novos, enchendo as ruas de cor e de gente. Por lá já passou gente do calibre de osgêmeos, Kenny Scharf, Ron English, Invader e Obey (aquele do poster azul do Obama escrito “HOPE”). O bairro hoje conta com mais de 70 galerias, coleções e museus, além de restaurantes, cafés, bares, casas noturnas, lojas elegantes e mais. Todo segundo sábado do mês acontece o Wynwood Artwalk, um evento público em que monitores caminham pelas ruas para mostrar o melhor da arte e do grafite da região.

Varanda do Panther Coffee em Wynwood, Miami - foto: Renato Salles
Varanda do Panther Coffee em Wynwood, Miami – foto: Renato Salles

Wynwood é um exemplo claro de que arte de rua tem valor, e muito. O grafite é a melhor interface que existe hoje entre a arte ‘superior’ que vive fechada em museus e o cidadão comum, que tem pouco tempo para dispor para apreciá-la. É a arte mais democrática, que está disponível gratuitamente todo o tempo. Nos muros, nos portões, na calçada, no asfalto. Ela acontece espontaneamente, conversa com os elementos urbanos. E as pessoas sabem disso, e a valorizam. Construir ‘grafitódromos’, na minha opinião, é uma ilusão pouco exequível. O grafite nasce da vitalidade da rua, da espontaneidade do lugar. Encarcerá-la em espaços fechados designados para isso tem o mesmo efeito de assistir os pobres animais selvagens em zoológicos. Você tira o ambiente natural do objeto, e isso o desconfigura completamente. Você vê o leão triste no fundo da jaula, e compra um deprimente suvenir na saída.

Rua com grafites em Wynwood, Miami- foto: Renato Salles
Rua com grafites em Wynwood, Miami- foto: Renato Salles

No meio da polêmica com o prefeito Dória, um canteiro no Largo da Batata foi pixado com os dizeres: “Não dê vexame, São Paulo não é Miami“. A contar pela história de Wynwood, eu acharia lindo ver São Paulo se espelhar por Miami. Lá a arte de rua foi oferecida à cidade, e a cidade saudou sua beleza. Aqui temos alguns poucos (e felizes) casos de grafites bem recebidos. Vexame é acabar com o pouco de temos.

Arte de rua nos muros do Wynwood Walls, Miami - foto: Renato Salles
Arte de rua nos muros do Wynwood Walls, Miami – foto: Renato Salles

Update: Lembrei da requalificação da Quinta do Mocho, na periferia de Lisboa, através de grafites.

*Foto do destaque – Renato Salles

Quem escreveu

Renato Salles

Data

01 de February, 2017

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Renato Salles

Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.

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    Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.