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No fim de 2016, caiu no meu colo o livro Tudo Errado, do carioca Raphael Erichsen, e me pareceu uma ótima leitura para fechar o ano relaxando à beira da piscina. Caiu como uma luva. Devorei o livro em três dias.
Tudo Errado tem uma narrativa bem simples, em primeira pessoa, sobre a aventura do autor no Rali Mongol, considerada uma das experiências mais estúpidas do planeta, mas que tem um objetivo social por trás. A história já tinha passeado na minha timeline quando o Raphael ainda tentava viabilizar a publicação do livro através do Catarse. A odisseia vivida na estrada a bordo de um Ford Mondeo, último modelo que pensamos ver num rali, é contada de forma tão despretensiosa e íntima que, ao final do livro, você já se considera amigo do Raphael.
A aventura começa ainda nas motivações que o fizeram aceitar tal desafio. Ficar trinta dias a bordo de um carro dividindo-o com mais três pessoas por milhares de quilômetros não é para qualquer um. Mas pode ser uma intensa terapia sobre nós mesmos, a relação que temos com o próximo e também sobre a vida. É mais ou menos isso que o autor faz. Em meio à depressão causada pelo fim de seu casamento, ele recebe o convite de amigos, que tinham vendido o projeto para o Multishow, para realizar o rali em um mês, voltar, editar tudo e lançar o programa sobre a experiência.
Entre fossa, melancolia e a dificuldade de levantar da cama para as sessões de terapia, ele topou se jogar com o trio na história, que compreende uma viagem de 15 mil quilômetros, saindo da Inglaterra, atravessando a Europa, Turquia, Rússia, Cazaquistão, até chegar em Ulan Bator, capital da Mongólia. Um rolê que é melhor pensar bem antes de ir, porque não tem volta. Privações e perrengues são presentes o tempo todo e sentimos a agonia do Raphael em várias passagens. É o tipo de viagem que muda a vida, que a gente volta outro, volta mais forte e mais esperançoso. Não precisa fazê-la para saber disso. É ler o livro e sentir cada pedacinho da aventura como se estivesse nela.
O Raphael nos leva para viajar junto com ele pelo trajeto que o leva até um castelo medieval, em Klenova, na República Checa, onde acontece uma festa à fantasia oficial do rali. Com ele também vislumbramos uma estrada cheia de arco-íris duplos e campos de girassóis, enquanto ele segue para a Romênia. Chegando na fronteira, sentimos junto a tensão ao apresentar os documentos provisórios do carro. Nos apaixonamos lentamente pela bela Saskia e cantamos juntos com ele a música “Heroes”, do David Bowie.
E é assim, a cada página lida, num universo novo que senti cada alegria, tensão, cansaço e pequena conquista que o Rapha (ah, já me sinto íntima) faz ao longo dos 15 mil quilômetros. Em Istambul, ele me trouxe de volta as memórias que eu tenho da cidade. Enquanto no Cazaquistão, ele aumentou a vontade que tenho em conhecer o país. Ao chegar na Mongólia, me apaixonei pelo país junto com o autor e decidi que, por mais louca que pareça a empreitada, quero colocá-la em prática.
Tudo Errado é uma aventura fora de série. Com o Raphael eu não só viajei, mas também me inspirei e adorei todas as referências de cultura pop que o livro traz. Gosto de leituras que abrem horizontes e trazem vontades de nos desafiar. Difícil é ler o livro e não querer viver a mesma experiência. Duvido não sair correndo e querer ler tudo sobre o rali, assistir todos os episódios do programa no Multishow e, ainda, ficar uma semana falando sobre a loucura que é o Rali Mongol.
Leia um trecho do livro:
“O Rali Mongol é um evento que acontece todo ano desde 2004. Algumas centenas de carros saem da Inglaterra, cortam a Europa e a Ásia até chegarem a Ulan Bator, capital da Mongólia. Não existe uma rota definida, cada time faz o caminho que quiser e passa pelos países que bem entender. A única meta é chegar ao ponto de destino, seja lá de que maneira for. Quando se pensa em um rali, logo vem a imagem daqueles carros 4×4, cheios de lama, com pessoas vestidas de bege operando computadores de bordo — pelo menos eu imagino assim. Mas isso, definitivamente, não tem nada a ver com o Rali Mongol.
Nessa jornada, as pessoas dirigem os piores carros, quer dizer, os mais baratos. Normalmente, isso significa carros de 1.000 cilindradas com quase dez anos de vida, como aquele Fiat Uno velho parado na garagem da sua avó. Os times também gostam de fantasiar os automóveis. Pintam, enchem de adesivos, colocam uns enfeites, usam coisas que mais parecem alegorias de escola de samba. Há automóveis com banheiras no teto, carregando botes infláveis ou com touros mecânicos na carcaça. Tudo para dar personalidade ao carro e à equipe. Tenho certeza que se o Dick Vigarista e a Penélope Charmosa vissem a parafernália dos carros do Rali Mongol iam achar a corrida maluca uma coisa de iniciantes.
Além de atravessar metade do mundo, esse rali também é uma grande ação beneficente. É um jeito de levar carros ingleses para serem doados a uma instituição de caridade na Mongólia, a Lotus Charity, que cuida de crianças desamparadas. É o motivo humanitário por trás do evento, uma razão elevada que convida as pessoas a viver a maior aventura das suas vidas.
De alguma maneira até hoje meio obscura para mim, fui parar no meio desse circo. E, logo nos primeiros dias, senti uma vontade terrível de escrever. Assim como o rali, escrever este livro não foi planejado. Não pensava em escrever nada, só que a minha vida estava bem esquisita naquela época e escrever foi o jeito que encontrei de compreender aquilo tudo. Foi a minha válvula de escape. No fim das contas, este é um livro que não era para ter sido escrito sobre uma viagem que não era para ter sido feita.
por Raphael Erichsen”
Para comprar o livro na Punkshop ou, se preferir, a versão kindle na Amazon. Também rola comprá-lo online na Livraria Cultura (físico a partir de 23 de Março) e Livraria da Travessa (físico a partir de 17 de Março) ou o livro físico na Blooks Frei Caneca.
*Foto destaque: Raphael Erichsen
Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.