Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
A excitação corria solta pela alma no primeiro dia do Sónar Reykjavik. Ao se aproximar da Harpa, onde aconteceu o festival, já veio o primeiro impacto. Ela surgia com projeções de luzes coloridas em sua fachada e a escuridão provocada pelo mar ao fundo garantia uma visão impressionante. É com certeza uma das locações mais bonitas do Sónar ao redor do mundo. O espaço parece ter sido projetado sob medida para o festival, já que, em seus três andares, abriga diversas salas e um pequeno auditório, totalizando cinco palcos com estilos bem definidos: SonarClub, SonarLab, SonarPub, SonarHall e SonarComplex. O grande hall de entrada no primeiro andar manteve-se aberto ao público em geral e as entradas para os shows ficavam na ponta das escadas, trazendo curiosos ao festival. Às 3h rola o “toque de recolher”, o que pode parecer estranho quando estamos em um festival como o Sónar.
Apesar dos graus negativos e da nevasca que rolou no primeiro dia, a maior parte da galera estava super produzida. O público é animadíssimo, como poucas vezes vi. Dança, canta todas as músicas, pula, faz performance e não para. Eles tem rodinhas nos pés. Também são atentos às novidades e à música experimental. Eles me pareceram fãs devotos que apreciam bastante a produção musical local. Todos os shows de bandas islandesas que eu peguei estavam sempre lotados e com todos cantando em coro.
Fiz uma lista prévia do que eu gostaria de ver, mas ela caiu por terra ao passar na frente dos palcos e ouvir sonoridades intrigantes. A minha grande surpresa foi de fato com artistas locais que eu não conhecia.
A cena musical na Islândia está dominada pelo hip-hop e pela música (extremamente) experimental e também pelo pop. O SonarLab acontecia na garagem da Harpa e era o palco mais frio (literalmente) de todos, mas foi lá que o techno dominou e aqueceu a pista nos três dias de festival, com destaques para Ellen Allien, Rødhåd, Ben UFO, The Black Madonna, Recondit, Bjarki e Óðinn. A sensação por lá era a de um eterno after-hours mesmo que ainda fossem 8h da noite. Havia um clima um pouco diferente dos demais palcos, trazendo à tona uma atmosfera mais de rave, numa pista escura iluminada por colares néon que galera usava.
O SonarComplex foi um dos mais disputados e, para mim, a grande surpresa do festival, com artistas extremamente experimentais e cabeçudos. O palco ficou num pequeno auditório com acústica perfeita, que também serviu como momento para descansar e curtir um show sem pressa, enquanto alongava as pernas depois de tantas subidas e descidas de escadas. O primeiro show que assisti por lá foi o do trio islandês East of my Mouth, que fez um bom concerto, apresentando um electro pop melódico e bem produzido. Por ali me impressionou ainda Dorian Concept, compositor e produtor austríaco, que cria sua música a partir de composições de free jazz, piano clássico e hip-hop. É impressionante vê-lo tocar e dominar o palco sozinho com seu microkorg. Ele já tocou como tecladista do Flying Lotus e também já colaborou com o Cinematic Orchestra. O irlandês Koreless foi outro que me impressionou pela sua precisão técnica na hora de tocar ao vivo. Seu som maduro e sofisticado, com batidas graves, mostrou que ainda vamos ouvir falar muito sobre ele, já que ele faz parte da nova geração de produtores que estão ascendendo rapidamente.
O SonarHall foi dedicado ao hip-hop, enquanto o SonarClub recebeu os grandes nomes da música eletrônica. O SonarPub era o único ininterrupto e ficava num dos lugares mais bonitos do festival, num canto no corredor da Harpa, em que era possível avistar sua fachada da pista, que teve uma curadoria impecável de DJs locais. Foi um ótimo lugar para ir e vir a noite toda, quando nenhum show me segurava no palco.
Quem me impressionou no SonarHall foi a dupla Úlfur Úlfur, que fez um show enérgico e lotou o palco com seu rap islandês. A dupla tem aparentemente um público de peso no país e deixou a inglesa Annie Mac e a pista ao lado quase vazia.
Foi no SonarClub que vi os shows de que mais gostei. Na primeira noite, me diverti um bocado com a animada banda Reykjavikurdætur, que foi provavelmente a melhor e mais divertida apresentação da quinta-feira, um dia morno na programação. Eram 20 mulheres no palco, incluindo 2 MCs cantando (muito bem) em islandês. Todas elas trajadas em cuecões e camisetas brancas, cabelos propositadamente desarrumados e todas lindas. Foi divertido ver os meninos boquiabertos e estáticos olhando incrédulos para elas.
Foi nesse mesmo palco que vi na sexta-feira o Apparat Organ Quartet, quarteto formado no fim dos anos 1990 em Reykjavik, e que se apresenta muito raramente nos dias atuais, mas que conta com uma legião de fãs fervorosos de todas as idades. São 3 tocando órgão (um deles tem formação profissional em órgão de igreja) e 1 na bateria produzindo um post-rock único, com um toque de Kraftwerk misturado às vozes robóticas do Daft Punk. Eu saí apaixonada pela banda. O som é estranho e bom.
Floating Points, que se apresentou com banda ao vivo e causou uma alta expectativa coletiva, definitivamente não rolou para mim e nem para a maioria ali presente. Visualmente o show deve ter sido um dos mais bonitos do festival, mas a apresentação não segurou o público. Foi como se a música não decolasse em nenhum momento e, numa determinada altura, as pessoas queriam dançar. Quem compensou foi a dupla Kiasmos, formada por Ólafur Arnalds e Janus Rasmussen, que entrou na sequência fazendo jus ao atual sucesso (não deixem de ouvi-los!). Não chega a ser um show excepcional, mas além de um belo espetáculo de luzes, colocou todo mundo para dançar. Eu fiquei quase o show inteiro aprendendo a dançar e a fazer performance com os islandeses.
No sábado, eu fui conferir o show do Presidente Bongo & The Emotional Carpenters por curiosidade, primeiro pelo nome, segundo porque o líder da banda é um dos fundadores do Gus Gus, o Stephan Stephensen. No ano passado, ele deixou o Gus Gus para se dedicar à carreira solo. O show de seu álbum “Serengeti” evoca a África no palco. Ninguém canta. Sons de bongô, guitarra, teclado e outros instrumentos de percussão formam uma grande jam session no palco. A projeção traz belas imagens de africanos em trajes tradicionais dançando e rindo, formando um bonito show. Valeu tanto a pena que vi o show na íntegra.
Dei uma espiada na rapper americana Angel Haze, de apenas 23 anos, rapidamente e me arrependi um pouco de não ter dado mais atenção. Ela foi, para muitos, a grande atração do dia, mas acabei mesmo me rendendo à Ellen Allien,em nome dos velhos tempos, com seu set de techno impecável de sempre, botando lenha na pista.
Senti falta foi de um grande headliner. Nesta edição, os maiores nomes eram Boys Noize, que fechou a última noite do festival com seu empolgante set, mas sem grandes novidades, e Hudson Mohawke, que fez um show preciso, performático e um dos mais esperados do Sónar, mas sem ir ao encontro das minhas expectativas por (talvez) não ser exatamente o estilo de música de que eu goste. A entrada dos dois foi catártica, mas não me convenceram a ficar até o fim (acho que anteciparam a catarse…).
O resumo da ópera para mim: foi bom, mas não convenceu tanto os dois amigos que estavam me acompanhando, tanto que um deles sequer retornou ao festival no último dia. Valeu como experiência para ver o Sónar acontecendo dentro de um lugar tão icônico quanto a Harpa, conhecer novos artistas que talvez eu nunca ouviria falar, entender um pouco como os islandeses se divertem, se vestem, se comportam. Tinha um público internacional também, que provavelmente foi para o festival, parecer ser minoria. Não é a edição do Sónar Reykjavik capaz de fazer você atravessar o Atlântico para ir, mas a junção de três coisas: música boa, acontecer na Harpa e ser na Islândia, já é desculpa para ir.
*A Volta ao Mundo em Festivais de Música é um projeto patrocinado pela KLM Brasil, que faz parte do SkyTeam, oferecendo voos para 1.052 destinos em 177 países. Vem comigo! #fly2fest
Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.
Ver todos os postsQue demais, Lalai! Acompanhei pelos insta, mas ler a materia toda me levou indiretamente pro festival rsrsrs. O Melt Festival, em julho, está nos planos desse projeto?!? Espero que sim ?
hey hey! acho que não vou ao Melt. Junho, julho e agosto são os meses mais difíceis, porque tem coisa demais… e ainda estou montando a agenda que começa no primavera barcelona, tem o opener (polonia) e way out west (suécia de novo)… vc vai pro melt?
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.