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Recebemos um e-mail com um convite interessante para um jantar especial organizado pelo chef Dário Costa do restaurante Madê, que prometia revelar os sabores e a cultura de Santos junto os chefs Lisiane Arouca e Fabrício Lemos, do restaurante Origem, bem conhecido lá em Salvador. Um convite daqueles que não dava pra recusar. Afinal, teríamos uma oportunidade de explorar os sabores e a cultura de uma cidade litorânea que fazia tempo que não visitavámos.
Topamos na hora e partimos pra essa aventura.
Dário Costa, filho de um mergulhador profissional e de uma costureira, começou a cozinhar em 2008, aos 19 anos, na Nova Zelândia, após a morte do pai. Sua jornada incluiu experiências na Itália e Indonésia, onde descobriu sua paixão pela gastronomia. Ficou em terceiro lugar no MasterChef Profissionais em 2016 e venceu o Mestre do Sabor em 2020.
Ele é conhecido por sua abordagem inovadora da gastronomia e pela valorização dos ingredientes locais do litoral do Brasil. Aos 36 anos, ele lidera seis restaurantes, incluindo o Madê Cozinha, Paru Restaurante, Açouque do Mar em Santos (SP), Deus Ex Machina Brasil, Churrascada do Mar em São Paulo (SP) e Benedita Cozinha Afetiva em Fernando de Noronha (PE).
Contextualizando os leitores fora de São Paulo, o litoral paulistano é uma região pouco explorada por pautas e veículos de gastronomia, viagens e cultura no Brasil, principalmente o Sul. No entanto, Santos é uma cidade que carrega influências de diversas culturas, como a portuguesa, italiana e indígena, o que se reflete em sua rica culinária, oferecendo uma variedade de sabores e pratos únicos. Relembrando minhas viagens à cidade de infância, a curiosidade em redescobrir Santos foi instantânea, motivando-nos a aceitar o convite para conhecer melhor a cidade e desfrutar o Madê e Paru. Convite feito e viagem agendada para domingo 20 de abril.
Em uma manhã ensolarada do dia 20, embarcamos rumo a Santos com Leo, o motorista que foi nos buscar em São Paulo pela rodovia Imigrantes. Chegando à cidade, nos hospedamos no bairro Gonzaga, no Novotel Santos Gonzaga, com mimos do Madê, incluindo a primeira coisa especial que comemos na cidade: um macarron de manjericão que está no cardápio do Madê – antes de nos aventurarmos pelo cenário culinário local.
Na sequência fomos direto para um passeio na orla da praia. Desfrutamos de água de coco no quiosque mais antigo da cidade, o Zé do Coco, e caminhamos até a ponta da Praia. Lá fomos almoçar no Paru restaurante, segundo restaurante do chef Dário Costa, dentro do Mercado do Peixe de Santos. Almoço esse com a família do chef Dário e com os chefs de Salvador.
Explorando o Mercado do Peixe de Santos, vi já de cara a forma como o pescado é tratado. Além do restaurante, no mesmo espaço dentro do Mercado do Peixe de Santos, está o Açougue do Mar, uma peixaria que traz o melhor dos peixes brasileiros, de forma cuidadosa, preocupada, com padrões de qualidade e procedência para os peixes e frutos do mar. Todos os produtos são escolhidos na peixaria, entregues embalados a vácuo, temperados (se for o caso) e enviados para cozinhar para os clientes de uma maneira prática. Ela também é a fornecedora das proteínas dos restaurantes Madê e Paru.
No Açougue do Mar, os peixes ficam pendurados em ganchos, dentro de uma câmara de maturação, com temperatura interna que varia entre 0º e -1º, em vez de ficarem armazenados no gelo. Segundo o chef Dário, esse processo, que utiliza a força da gravidade, ajuda os peixes a perderem o excesso de água e sangue, influenciando na maturação e mantendo o sabor característico.
Dário introduziu novas técnicas, cortes e apresentações semelhantes às usadas com carnes bovinas, como parte da mudança cultural em seu trabalho com os peixes. Isso inclui trabalhar com espécies menos conhecidas ou menos valorizadas, como Guaiuba, Pampo e Betara, de maneira criativa, expandindo o consumo local além do tradicional “filé” de peixe, que muitas vezes se limitava a preparações básicas como filés e postas de espécies populares como salmão, atum e robalo.
No almoço, desfrutamos de um verdadeiro banquete no Paru Restaurante, explorando quase todo o seu variado cardápio, que ao mesmo tempo lembra um ‘Fast Food’, mas é totalmente preparado no forno e na brasa. Começamos com refrescantes opções de bebidas, como o revigorante “Santista” com suco de abacaxi, chá mate e limão (R$ 13), o suco de limão siciliano mate e mel (R$ 13) e a irresistível combinação de melancia com limão (R$ 13). Em seguida, mergulhamos em uma seleção de pratos frescos, incluindo o tartar de peixe do dia com a batata frita da casa (R$ 56), o niguiri de peixe do dia (R$ 12), o refrescante ceviche tradicional (R$ 55) e os deliciosos frutos do mar ao vinagrete, acompanhados dos pães frescos da casa (R$ 63).
Passando para os pratos crocantes e fritos, desde o generoso Fritto di Mare com legumes (R$ 86) até o clássico fish and chips (R$ 60) e o surpreendente Tuna Katsu (R$ 55). Não podemos esquecer das irresistíveis croquettas de atum, uma explosão de sabor em cada mordida (R$ 14).
Para uma experiência mais descontraída, nos deliciamos com os Sandubas do Mar, como o original e icônico “Mc.Fish”, acompanhado de batatas fritas (R$ 54). Para os amantes de grelhados, o Paru não decepciona, oferecendo uma variedade de pratos na brasa, desde o peixe do dia inteiro (R$ 60) até o suculento filé de peixe do dia (R$ 58). Optamos por compartilhar o peixe do dia espalmado (foto), uma verdadeira festa de sabores (R$ 146), além de saborear o tenro polvo (R$ 104), os suculentos camarões rosa (R$ 95) e as delicadas lulas grelhadas (R$ 60). E quase me esqueço da sobremesa especial chamada “Cannoli de Biju” (R$ 9), criada pelo chef Dário durante suas idas e vindas da balsa, onde a queijadinha e o coco ralado eram super presentes.
Cada prato foi uma celebração de sabor, proporcionando uma experiência que certamente já mudou a forma como encarávamos o consumo de carne branca e recomendamos a visita!
Voltamos para o hotel para um breve descanso e, no jantar, fomos conhecer o restaurante libanês com influência árabe favorito do chef Dário: o Al Kabir. Experimentamos o rodízio caprichado com uma variedade de pratos. Entre os pratos frios, destacam-se o babaganouch, coalhada seca, homus, kibe cru e tabule. Enquanto isso, entre os pratos quentes, desfrutamos do arroz libanês mjadara, arroz com aletria, kafta ao forno, charuto de folha de uva e charuto de repolho. Também experimentamos a opção vegetariana, que inclui os pratos frios: babaganouch, coalhada seca, homus, mhamara e tabule, além dos pratos quentes: esfiha de escarola, esfiha de queijo, esfiha de zaatar e falafel mjadara.
Na manhã de segunda-feira, acordamos cedo, atravessamos de balsa, e fomos visitar o ponto de “descargo” (conhecido popularmente) no Guarujá, ou “desembarque” (como chamado pelos biólogos), na Franzese Pesca. Empresa com 39 anos de experiência no mercado pesqueiro, reconhecida por sua dedicação à pesca artesanal, seguindo os moldes tradicionais de arrasto e captura de frutos do mar, como camarões, mexilhões, mariscos e uma variedade de peixes.
A área de pesca na qual a empresa opera se estende desde os mares da costa do Rio Grande do Sul até Macaé, no Rio de Janeiro. Suas embarcações, compostas por uma frota de 14 barcos, podem permanecer no mar por períodos que variam de 9 a 10 dias para pesca de peixes e até 40 dias para a captura de camarões, com tripulações especializadas em diferentes áreas, como pesca de camarão, polvo, entre outros. Atualmente, a empresa alcança uma média de 100 toneladas de captura anualmente e é uma das distribuidoras dos restaurantes do chef Dário.
“O chef Dário trouxe um novo olhar para o peixe do dia. Ele utilizou peixes de menor custo e elevou o valor agregado dos mesmos.” diz Cintia Miyaji, bióloga e consultora em pesca sustentável.
Desde o início de seus trabalhos em 2008, ela tem dedicado-se ao incentivo do consumo responsável de pescado no litoral de São Paulo e do Brasil. Esse compromisso despertou a necessidade contínua de expandir, pesquisar em outros estados, e aprofundar a abordagem sobre a pesca sustentável no país. Ao longo desse período, ela tem trabalhado arduamente na busca por soluções coletivas de menor impacto, colaborando estreitamente com pequenos empreendedores locais e com a cadeia de pescadores, donos de restaurantes, como Dário.
No noite de segunda-feira, fomos conhecer o Madê, e o menu com os chefs convidados do restaurante Origem, de Salvador. Com um menu de sete tempos, construído a seis mãos pelo chef Dário, chef Fabrício, e a chef pâtissière Lisiane trouxe duas sobremesas, e o vinho branco “Cão Perdigueiro Trebbiano”, vinícola Cão Perdigueiro localizada na cidade de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha para acompanhar os pratos.
“O menu degustação foi uma mistura da cozinha do Origem com a do Madê, priorizando o uso de alguns ingredientes nossos aqui do sudeste. Nosso trabalho tem total sinergia com o deles, pois tanto nós, aqui no litoral de São Paulo, quanto eles, lá na Bahia, temos como bandeira o uso de ingredientes locais e sazonais e bastante ênfase no preparo de peixes e frutos do mar da nossa costa brasileira”, destaca Dário Costa.
Começamos com as entradas deliciosas:
Caldinho de lambreta, Crispy de milho com peixe, avocado e aji com coco e Sonho de Vatapá
pampo cru mais cacau
taioba com limão, cravo e vieira
Passamos para os pratos principais, incluindo o maravilhoso e inesquecível:
mini arroz kirimurê com camarão e aioli de dendê
carne de sol com pirão de leite, cebola brûlée e farofa de cuscuz
E para finalizar, desfrutamos de sobremesas bem elaboradas e com sabores imperdíveis, da chef Lisiane Arouca:
sorbet de umbucajá, creme inglês com cachaça e gel de hibisco
Curau, Sorvete de Canela, Milho Cozido, Calda de Laranja e Bolo de Milho Crioulo”
E analisando o cardápio e sabores, entendemos de onde vem a veia criativa, talentosa, força nordestina que mostra o tempero dos chefs Fabrício Lemos e Lisiane Arouca, em um menu apresentado e degustado de lamber os beiços, como diria nossas avós. Mostrando o porque eles são um dos restaurantes e chefs brasileiros mais importantes do Brasil, a frente dos restaurantes Ori Salvador, Restaurante Origem, Mini Bar Gem, Segreto Ristorantino e Omi Restaurante, dentro do Fera Hotel Salvador onde eles são responsáveis pela alimentação do hotel dos hospédes.
A terça-feira começou com café da manhã paulistano típico no Pastel do Akira, com pastéis de feira deliciosos, incluindo o favorito do chef Dário, de camarão com queijo. Em seguida, tivemos um dia de praia no Guarujá completo com passeio de lancha, churrasco e pesca em alto mar. À noite foi a vez de experimentar o menu degustação do Madê (Menu Degustação Clássico R$ 368 e Menu Degustação Plus R$ 668), que trabalhou na composição do menu com os peixes frescos da pesca do dia.
O menu teve início com o crudo de peixe do dia (R$ 56), servido com água de carambola e pimenta de cheiro, proporcionando uma experiência refrescante. Em seguida, saboreamos o temaki de peixe do dia (R$ 44), apresentado em cones de nori crocante, com peixe do dia marinado e acompanhado de coalhada seca de wasabi e gengibre agridoce. O trio de casquinha de siri (R$ 48), feito com massa de biju, carne de siri cremosa e palmito pupunha, foi uma delícia. A croqueta de peixe (R$ 36), confitada e servida com geleia de pimenta, também encantou o paladar. O sonho de polvo (R$ 49), com massa tradicional recheada de polvo e acompanhado de vinagrete de pimenta de cheiro e pimenta fermentada, trouxe uma combinação de sabores única.
Outros destaques incluíram o camarão mole (R$ 78), frito e servido com kimchi de pupunha, o arroz de lula com mariscos (R$ 104), um arroz caldoso de frutos do mar com aioli de alho assado e crocante de arroz, e o peixe do dia com escamas de banana (R$ 108), preparado ao molho de vinho branco com vôngoles e pupunha, uma combinação inesquecível. Não podemos esquecer da delicada harmonia de sabores no marisco e mandioca (R$ 62), com molho hollandaise dos próprios mariscos e mandioca, e da especialidade tuna Wellington (R$ 132), um lombo de atum assado na massa folhada, acompanhado de purê de pupunha e molho de catuaba, surpreendente.
Para a sobremesa, fomos presenteados com o famoso cannoli de biju (R$ 18), recheado na hora com queijadinha e coco ralado na hora, e o bolo quente (R$ 32), com chocolate cremoso, creme inglês e mousse de chocolate, finalizando essa experiência gastronômica inolvidável.
Na manhã de quarta-feira, desfrutamos do nosso último café no Novotel Santos Gonzaga, expressando nossos agradecimentos à equipe pela hospitalidade antes de fazer o check-out e retornar a São Paulo.
A nossa estadia em Santos revelou o lado positivo da cidade; encontramos a cidade limpa e acolhedora, especialmente nos bairros que visitei. Infelizmente não tivemos tempo para explorar mais a fundo os movimentos culturais da cidade atualmente. Afinal, comida e cultura andam de mãos dadas. Abaixo tem o serviço e mini guia dos lugares que vivenciamos em Santos.
Quanto à comida, tudo estava impecável, desde a forma como fomos recebidos até o serviço e tratamento em todos os restaurantes que visitamos. No entanto, ao refletir sobre o contexto nacional, percebo o quanto sou privilegiado por poder ter essa experiência. Reconheço que não é algo acessível a todos, dada a realidade financeira e a desigualdade social. Essa consciência é limitante, pois nem todo mundo têm recursos para desfrutar desse tipo de experiência.
“O Brasil tem águas tropicais que se caracterizam por uma variedade muito grande de espécies, mas com menores volumes de produção. A cadeia produtiva da pesca extrativa que vai da produção primária até o consumidor final precisa entender os diversos momentos do ciclo de vida dos animais para poder extrair os melhores sabores de maneira sustentável e consciente.” diz Roberto Kikuo Imai, Consultor na área de pescados.
A falta de dados detalhados sobre a cadeia pesqueira brasileira, tanto artesanal quanto industrial, é um obstáculo à gestão sustentável do setor. Essa carência dificulta a formulação de políticas públicas adequadas, o combate à pesca ilegal e a preservação dos recursos pesqueiros. Para solucionar esse problema, é necessário investir na melhoria da coleta de dados, na maior transparência, na cooperação entre diferentes níveis de governo e no envolvimento da sociedade civil.
Dário, com sua abordagem moderna e respeitosa pelos insumos locais, não apenas transforma apenas a culinária de Santos, mas também influencia a cultura alimentar e nossa percepção da gastronomia brasileira como um todo. Com um espírito surfista e saudável, incorpora em sua jornada a exploração dos sabores e a celebração de um estilo de vida que reflete a identidade local caiçara do século XXI. Sua filosofia convida-nos a repensar nossa relação com a sustentabilidade, a comida e as comunidades que alimentamos.
Paru Restaurante
Endereço: Av. Governador Mário Covas Júnior, 3.050
Ponta da Praia, Santos (dentro do Mercado de Peixes)
Horário de funcionamento: Terça a sábado, das 9h às 18h;
domingo, das 9h às 17h Informações: (13) 3261-4055
@parurestaurante
Açougue do Mar
Unidade 1: Mercado do Peixe, Ponta da Praia,
Santos, Litoral de São Paulo (compartilhando espaço com Paru)
Endereço: Av. Governador Mário Covas Júnior, 3.050 – Ponta da Praia, Santos
Horário de funcionamento: Terça a sábado, das 9h às 18h; domingo, das 9h às 17h Informações: (13) 3261-4055 www.acouguedomar.com.br @acouguedomar
Madê Cozinha
Endereço: R. Minas Gerais, 93 – Boqueirão
Horário de funcionamento: Terça a quinta, das 12h às 22h30;
sexta e sábado, das 12h às 23h; domingo, das 12h às 17h
Informações: (13) 3288.2434 Reservas via WhatsApp: (13) 99115.1913
@madecozinha
Serviço dos lugares visitados e agradecimentos ao:
Novotel Gonzaga Santos: Avenida Ana Costa, 473 – Gonzaga, Santos – SP
Zé do Coco: Altura da Avenida Coronel Joaquim Montenegro, Avenida Bartholomeu de Gusmão, S/N – Ponta da Praia, Santos – SP
Al Kabir: Rua Jorge Tibiriçá, 28 – Gonzaga, Santos – SP
Franzese Pesca: Rua Joel Nascimento dos Santos, 48 – Jardim Santa Maria, Guarujá
Pastel do Akira: Rua Vereador Henrique Soler, 286 – Ponta da Praia
*Foto Destaque: Mar de Santos – Foto: Fabio Allves
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.