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O Monte Kilimanjaro, na Tanzânia, é a maior montanha independente do mundo, com 5895m de altura. O ‘Teto da África’ é uma das principais atrações do continente e ganhou, recentemente, mais uma via de ascensão: a Northern Route ou Circuito Norte. Foi essa a minha escolha para o último réveillon.
O Circuito Norte tem 96km de extensão. Por dar uma volta de 270 graus na montanha, desvela uma grande variedade de paisagens em seus oito dias de trekking. A Northern Route é a mais longa das rotas do Kilimanjaro, oferecendo mais dias de aclimatação e, consequentemente, o maio índice de sucesso ao cume, de 85%.
A desvantagem de se optar por uma rota mais longa é que o preço é proporcional ao número de dias. Mas preços altos afastam as pessoas e, por seis dias, tivemos as trilhas e acampamentos restritos ao nosso grupo e mais um. Essa é uma expedição que você fará apenas uma vez na vida, então vale a pena pagar um pouco mais por expertise e qualidade. Acredite: apelidamos os acampamentos maiores, onde outros grupos estavam hospedados, de “Serra Pelada” e mesmo com a fome de quem estava caminhando há 12 horas, não consegui ter apetite para o almoço ali oferecido.
Ganho um total de zero reais pela indicação, mas recomendo a Morgado Expedições, com quem viajei em dezembro. O grupo contava com 15 turistas, 9 guias, 2 cozinheiros, 3 garçons e 66 staffs: gente que leva a sua comida, água, barraca, saco de dormir, isolante térmico, gás de cozinha, duffel bag, banheiro e até seus excrementos (já pensou nisso? Portanto dê uma boa gorjeta pra essa galera).
Os oito dias no trekking pela Northern Route do Kilimanjaro tinham uma dinâmica parecida: éramos despertados com chá, café e uma bacia de água quente nas barracas às 6h, o café da manhã era servido às 7h (no grande luxo que era ter uma barraca refeitório com mesa, cadeiras e até florezinhas decorativas) e às 8h partíamos para a trilha, levando apenas a mochila de ataque. No acampamento, a barraca refeitório era o grande ponto de encontro e de calor humano do grupo. Por volta das 14h almoçávamos, mais tarde era servido um chá e o jantar era às 19h. Às 21h estávamos prontos para dormir. A frequência cardíaca e índice de oxigênio de cada um eram monitorados duas vezes ao dia.
Essa expedição contou com um privilégio: banho quente de chuveiro ao quinto dia. Dei meu jeito de passar uma água corrente no corpo diariamente, nem que água corrente significasse uma bacia. Os banheiros eram portáteis e os excrementos carregados até os acampamentos maiores, onde passavam a ser responsabilidade do Parque Nacional.
Primeiro dia: 5,2 km
Subida acumulada – 480 m
Descida acumulada – 100 m
O percurso de Arusha, onde estávamos hospedados, até a entrada Lemosho do Parque Nacional Kilimanjaro, a 2028 m de altitude, levou quatro horas. Por lá nos registramos, almoçamos e partiu montanha! O trekking começa com uma caminhada por uma bela floresta equatorial, onde podem ser vistos macacos Colobus e outros animais. Levamos umas três horas tranquilas até chegarmos ao Big Tree Camp, a 2785m.
Segundo dia: 9 km
Subida acumulada – 900 m
Descida acumulada – 180 m
Bem-vindos à alta montanha! Conforme subimos, a paisagem verde e densa deu lugar à vegetação rasteira, até ficarmos acima das nuvens. Contornamos as encostas nortes do Shira Ridge, o pouco conhecido terceiro cume do Kilimanjaro. Levamos cerca de seis horas até a o acampamento Shira One, a 3504m.
Terceiro dia: 10,5 km
Subida acumulada – 690 m
Descida acumulada – 30 m
As árvores baixas da savana dão lugar a uma paisagem mais desértica do Shira Plateau. Contemplamos o Kilimanjaro por boa parte do dia, com nosso prêmio se mostrando maior e mais perto a cada passo. Dormimos no Moir Huts, a 4161m. Os efeitos da altitude já se fazem presentes e o ritmo da caminhada diminui. Quem teve energia fez ainda uma caminhada de aclimatação de uma hora. Preferi o lounge, quero dizer, a barraca refeitório e o bate papo com a outra parte do grupo.
Quarto dia: 10,8 km
Subida acumulada – 440 m
Descida acumulada – 600 m
Mas tem que descer o vale para poder subir o vale? Por que não fazem logo uma ponte? (contém ironia). Para colaborar no processo de aclimatação, neste dia e no seguinte dormimos em altitudes inferiores às do acampamento do dia anterior. A paisagem é cinza, desértica – lunar, eu diria – e os rios intermitentes estão secos. Dormimos a 4033 m.
Quinto dia: 6,5 km
Subida acumulada – 210 metros
Descida acumulada – 260 metros
Quando os efeitos da altitude se fazem sentir até mesmo nos corpos mais casca grossa, o quinto dia chega com duas boas notícias: a caminhada é mais curta que as dos dias anteriores, em torno de quatro horas, e temos banho quente! A regra de ‘climb high and sleep low’ traz um dia de muitas pequenas subidas e descidas atravessando vales separados por pequenas cristas. Como prêmio, temos vistas deslumbrantes do primeiro e segundo cumes do Kilimanjaro, Kibo e Mawenzi. Nosso acampamento está a 3936 m e nesta altitude, cada centímetro conta.
Foi o último dia do ano e, ao fim do jantar, ou seja, às 20h30, fizemos uma contagem regressiva porque já era meia noite em algum lugar do mundo. O brinde foi com água, mas ao menos estávamos de banho tomado aos nos abraçarmos. A rotina de dormir cedo se manteve: a champanhe e os fogos de artifício ficam para a cidade grande.
Sexto dia: 4,4km
Subida acumulada – 760 metros
Descida acumulada – 0 metros
Acordamos com algo melhor que um brunch para combater a ressaca de réveillon: uma pequena festa com bolo, música e danças africanas performadas pela equipe que vem tão gentilmente nos acompanhando na montanha.
Após dois dias atravessando as encostas do norte do Kilimanjaro, voltamos a ganhar altitude e iniciar a última fase do caminho rumo ao topo da África. Chegamos por volta do meio-dia ao School Hut, a 4700m. Depois do almoço, preparamos a mochila de ataque, dormimos, jantamos e dormimos mais um pouco. Às 23h acordamos para um leve café da manhã, estocando calorias para o desafio que se seguirá.
Visto três camadas de roupa no tronco, braço e pernas e duas nos pés, mãos e cabeça. Levo dois litros de água. Deixo no acampamento uma coisa: o orgulho, pois aceito a oferta dos guias de levarem a mochila de ataque. À meia noite de 1º de janeiro de 2024, partimos em direção ao cume do Kilimanjaro.
Sétimo dia: 16,5km
Subida acumulada – 1220 m
Descida acumulada – 2100 m
São seis horas de caminhada até o Gilman’s Point a 5685 m, o primeiro ponto da borda do vulcão que é o Kilimajaro. São seis horas de uma íngreme subida, cuidando para que a distância entre um passo e outro não seja maior que uma passada e a respiração não se acelere. Perna direita, inspira, perna esquerda, expira. São seis horas lidando com a neve e o vento, que nos esperam a doze graus negativos lá em cima. São seis horas no escuro, com a estreita trilha iluminada apenas por nossas lanternas. Após dias sem ver outras pessoas que não fossem as do nosso grupo, nosso caminho se cruza com outra e a quantidade de pontos luminosos aumenta, até se confundirem com as estrelas. Vemos o sol nascer, tingindo de dourado as neves eternas do Kilimanjaro.
Descansamos um pouco e seguimos pela borda da cratera até o Uhuru Peak, o verdadeiro cume do Kilimanjaro, a 5895m. É um dia lindo no teto da África. Fotos, choro e uma dancinha (me julguem) depois, iniciamos nossa descida.
Fico feliz pelo ataque ter sido à noite, porque o caminho é duro, com enormes pedras e grande desnível. Vê-lo à luz do dia seria desanimador. Foi um dia extenuante, que começou à meia noite e terminou às 15h. Dormimos – ou desmaiamos- no Millenium Camp a 3825m.
Oitavo dia: 13km
Subida acumulada – 10 metros
Descida acumulada – 2100 metros
Para baixo nem todo santo ajuda, pois estávamos moídos dos dias anteriores e todos os passos eram dolorosos. Vemos a paisagem ganhar cor, densidade, altura e animais a cada passo que descemos. Uma chuva torrencial nos acompanha nos últimos quilômetros, relembrando a sorte que tivemos com o tempo por todo o trekking. Levamos seis horas para chegar ao Mweka Gate e volta à civilização é registrada na sede do Parque Nacional, mas comemorada com uma cerveja Kilimanjaro gelada.
A caminho do hotel em Arusha, paramos em Moshi para, junto com toda a equipe – carregadores, cozinheiros e guias – almoçarmos e recebermos nossos certificados de escalada ao Kilimajaro, expedidos pelo Parque Nacional. Para minha alegria, teve mais dança, canto e cerveja. Foram oito dias desafiando os limites do corpo, vivendo numa sociedade autossuficiente, convivendo com pessoas de continentes diferentes. Oito dias de aprendizados e experiências que levaremos para uma vida inteira.
Carioca da Zona Norte, hoje mora na Zona Sul. Já foi da noite, da balada e da vida urbana. Hoje é do dia, da tranquilidade e da natureza. Prefere o slow travel, andar a pé, mala de mão e aluguel de apartamento. Se a comida do destino for boa, já vale a passagem.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.