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Esbalde-se por esse passeio por Crema e Mantova, duas pérolas ainda pouco conhecidas do lado mais próspero italiano, mas queridinhas da indústria do cinema. Depois desse giro, duvido que Milão ainda será sua cidade favorita da região
O jovem Elio está enfrentando outro verão preguiçoso na casa de seus pais na bela e lânguida paisagem italiana. Mas tudo muda com a chegada de Oliver, um acadêmico que veio ajudar a pesquisa de seu pai. Essa é a sinopse do filme Chama-me Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name), de Luca Guadagnino. Apesar do talento do diretor italiano e do carismático Timothée Chalamet, precisamos admitir que é Crema a estrela principal que deu um certo glamour à trama.
Se não fosse o sol da Lombardia que nos convida ao dolce far niente, ou mesmo a piazza característica de um vilarejo italiano, e o sabor autêntico do panorama lombardo, não haveria o burburinho em torno da história. Sim, são esses fatores também que me levaram a colocar Crema e Mantova no meu roteiro viajado da Itália. Veja bem, até seu nome já é uma delícia.
Assim como a chegada de Oliver mudou tudo, uma visita a essa cidade a poucos quilômetros da metropolitana Milão me transformou também. Primeiro que sua arquitetura, como é de se esperar, parece realmente saída de um set de filmagem. Você chega e não acredita que pode existir um lugar real, com pessoas reais, em tempo real, assim. Esse belisca-que-eu-tô-sonhando é constante por ali. Talvez você não tenha o mesmo encanto, mas para os apaixonados por encontrar lugares autênticos e observar a vida que se passa nas esquinas desse mundo, Crema é um prato cheio para admirar as tradições.
Há restaurantes de família que ainda levam aos paladares sabores de outrora, igrejas que ainda batem seus sinos a cada hora para uma lembrança do sagrado do tempo, o açougueiro que flerta com as senhoras de saia embaixo do joelho, vovós que saem com suas bicicletas com a liberdade da juventude, senhores que ainda sentam em bancos e observam o tempo passar e crianças que sorriem apenas com uma bola enorme de gelato na mão.
São essas simplicidades da vida que tornam Crema um prato cheio para a italianità. Claro, Roma, Firenze, Veneza nos proporcionam isso. Mas elas ainda são cercadas de um turismo que muitas vezes cansa. E observar esses detalhes ficam embaçados com tanto barulho em torno.
Não falo apenas de ver beleza, mas de sentir a beleza das coisas. Crema foi essa surpresa, esse inesperado, esse luxo muito além do luxo. Ela é pequena, mas oferece uma enorme alegria de ser. Mesmo a marca de Hollywood não deixou-a famosa. Enquanto estava no cabeleireiro, me perguntavam: “Você viu o filme? Eu que fiz o penteado dos atores!” Um orgulho doce, tolo, inocente. Não à toa Guadagnino cresceu ali. Eu também iria querer apresentar Crema ao mundo.
No mesmo cabeleireiro, a profissional perguntou a todas as clientes e funcionárias qual o melhor lugar para eu comer numa segunda-feira, dia de descanso da maioria das trattorias. E todas discutiam entre elas: será que no Botero, Tramvai ou no IMO? São essas coisas que me fazem voltar sempre à Itália.
Depois desse sonho realizado em Crema, peguei o trem e caí em Mantova. Após maratonar a série “O Processo”, na Netflix, meu faro sabia que eu teria boa experiência ali. Daquelas autênticas italianas.
A primeira boa-vinda quem me deu foi o Ristorante Hosteria Leon d’Oro, uma das bem mais avaliadas cozinhas desse pedaço da Lombardia. Praticamente uma sala de estar, o tapete aconchegante vem acompanhado de serviço generoso e prazeres da mesa como um ravióli com creme e pancetta e a battuta di fassona piemontese com nozes e queijo gorgonzola.
Para adoçar o paladar, caminhei alguns minutos e garanti duas bolas de gelato, uma de zabaione, outra de mascarpone, na tradicional e histórica Loggeta, na Piazza Broletto. Era hora de apreciar a arte por dentro dos muros, já que os prédios coloridos que caracterizam a arquitetura mantovese se traduzem mais como uma poesia a céu aberto.
O Palazzo Ducale, construído entre o século XIV e XVII pela nobre família dos Gonzaga como sua residência principal na capital do seu ducado, me presenteou com suas salas históricas em total silêncio. Parecia que o passado se fazia presente numa tranquilidade absoluta.
A sala mais impactante é a Camera degli Sposi, obra-prima absoluta do Renascimento, do pintor Andrea Mantegna, criada, com certa descontinuidade, durante cerca de nove anos (1465-1474). O artista coloca literalmente o visitante dentro da história, num episódio real da epopéia Gonzaga.
À prodigiosa galeria de retratos somam-se numerosas referências à antiguidade: os mitos de Hércules, Arione e Orfeu, as lunetas e as velas da abóbada, onde estão representados os doze imperadores.
Horas depois, sente-se certa embriaguez, tamanho delírio de arte. Pelas suas janelas, uma vista invencível do Rio Mincio e do Castelo de São Jorge, que mais parecem uma continuação das galerias de arte. Na saída, a frase que melhor descreve a experiência, de Aldous Huxley, em 1925: “Os Gonzagas gozam de um grau de imortalidade de dar inveja. Em nenhum lugar a solidão era tão carregada de recordações do esplendor do passado, o silêncio mais rico de ecos.”
Para finalizar o dia, caminhe mais um pouco pela cidade, tome um aperitivo no badalado centrinho da Piazza delle Erbe e abrace a noite italiana para mais um amanhecer repleto de italianità.
Guardo Crema e Mantova numa caixinha, assim como guardamos as joias. E apesar de amar Milão, hoje minha alma está mais alinhada com esse tipo de experiência. Como disse Huxley, o silêncio mais rico de ecos.
Foto da capa: Francesco Ungaro/Unplash
Colocou os pés em Londres pela primeira vez aos 17 e sabia que não pararia por ali. Depois de inúmeras visitas, entregou-se de vez a esse casamento britânico, que já dura sete anos. Agora tem mais motivos para ser feliz porque ouve o Mind the Gap todos os dias e pode se lambuzar com as delícias de um cacio e pepe em Trastevere em apenas 2 horas, pois acredita que viajar é papo sério e comer bem, mais ainda, além de ter certeza que um cappuccino bem tirado pode transformar o dia.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.