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Silent Green: um antigo crematório de Berlim que me ensinou a amar piano

Quem escreveu

Lalai Persson

Data

11 de August, 2021

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O Silent Green é hoje um dos espaços culturais e de música ao vivo mais vibrantes de Berlim, mas sua história começou há mais de um século quando foi construído o primeiro crematório de Berlim.

Nunca fui a um crematório. Nem mesmo ao da Vila Alpina, em São Paulo (o maior da América Latina), onde pessoas que conheço se despediram do nosso querido mas maltratado planeta. Jamais imaginei que um lugar como este, impregnado de melancolia, tristeza e saudade, poderia se tornar um espaço tão vibrante e inspirador.

Construído em 1911, o Silent Green foi o primeiro crematório de Berlim, localizado em Wedding, um bairro hip da capital alemã. O prédio original é tombado e passou por uma bela reforma antes de ser ressignificado. A sua imponência de outrora segue radiante. Sua chaminé, que no passado serviu para expelir almas para o céu, hoje ajuda o público a achar o lugar mais facilmente, além de manter seu ar dramático como sempre foi.

Silent Green, Wedding, Berlim. Foto: Lalai Persson
Silent Green, Wedding, Berlim. Foto: Lalai Persson

Em 2002 sua principal função como crematório foi encerrada. Não demorou para os criativos da cidade transformá-lo, em 2013, num incrível centro cultural privado, um kulturquartier, cheio de vida que ocupa hoje 6 mil metros quadrados de área.

Um grande jardim, bem cuidado e concorrido no verão, se estende como um grande tapete verde à sua frente. A lateral ganhou um novo prédio de arquitetura moderna, toda de concreto e paredes de vidro, contrastando com o edifício original aos fundos. O andar superior conta com uma extensa varanda que dá acesso ao Kulturcampus, uma área de estúdios onde uns cem profissionais da economia criativa das áreas da música, das artes visuais e vídeo trabalham.

A nova construção tem uma ampla sala de concertos no subsolo, a qual o acesso é feito através de uma rampa íngreme interna que desemboca num bar espaçoso, que também serve de corredor entre banheiros e palco.

A área do bar do Betonhalle, Silent Green, Berlim. Foto: Cordia Schlegelmilch/ Divulgação
A área do bar do Betonhalle, Silent Green, Berlim. Foto: Cordia Schlegelmilch/ Divulgação

O prédio foi inaugurado em 2019, quando eu tinha acabado de me mudar para Berlim. Foi neste ano, quando o mundo ainda não mostrava riscos que poderia acabar, que eu conheci o trabalho do produtor de música eletrônica Max Cooper num show que me deixou extasiada por dias. Foi nesta noite de 23 de outubro que eu me rendi de amores ao Silent Green, colocando-o na minha lista de lugares favoritos de Berlim.

O prédio novo do Silent Green, Berlim. Foto: Peter Lorenz / Divulgação
O prédio novo do Silent Green, Berlim. Foto: Peter Lorenz / Divulgação
Palco principal do Silent Green, Berlim. Foto: Lalai Persson
Christian Löffler no novo concert hall do Silent Green, Berlim. Foto: Lalai Persson

Aos fundos, o antigo crematório abriga uma sala menor com pé direito alto para shows mais intimistas, exibições de filmes e leituras. Foi nele que eu me vi em prantos quando o pianista e compositor ucraniano Lubomyr Melnyk pareceu engolir seu piano diante de tanta intensidade com que o tocava. Ali fui elevada para uma dimensão sagrada, onde o espaço e o tempo pararam. O lugar não poderia ser mais apropriado para a situação.

Palco do prédio antigo do Silent Green, Berlim. Foto: Lovis Ostenrik / Divulgação
Palco do prédio antigo do Silent Green, Berlim, onde outrora era a sala do crematório. Foto: Lovis Ostenrik / Divulgação

Além dos shows, filmes e outros eventos, o antigo crematório abriga o MARS, um simpático restaurante com vista para outro lugar bem inusitado como tudo por lá, um cemitério. Nos dias mais quentes, o jardim externo é bem concorrido com suas mesas espalhadas nos convidando para passar o dia por lá. É um ótimo lugar para preguiçar e trabalhar um pouco imerso num silêncio quase absoluto.

Fachada do Restaurante MARS, Silent Green. Foto: Lalai Persson
Fachada do Restaurante MARS, Silent Green. Foto: Lalai Persson

Foi também no Silent Green que, coincidentemente, eu vi o primeiro show após as duas grandes quarentenas que tivemos em Berlim. Em 2020 eu assisti um show do Christian Löffler, e no último dia 31 de julho eu fui com amigos a um Picnic Concert para assistir a pianista polonesa Hania Rani, que conheci numa das infinitas lives que têm rolado nos últimos tempos. O sábado chegou nublado e com muita ventania, ameaçando a nossa programação. Mas no início da noite o céu foi se abrindo, dando lugar a um pôr-do-sol inesperado. Vários quadrados brancos foram demarcados na grama para garantir o distanciamento social. Ganhamos um fone de ouvido na entrada muito mais potente do que parecia. Ocupamos nosso quadrado, pegamos nossa taça de vinho e esticamos nossas cangas no gramado.

Hania Rani e Dobrawa Czocher, Silent Green, Berlim. Foto: Lalai Persson

No palco, três pianos, um de costas para o público e dois nas laterais. Após o show de abertura, a Hania Rani entrou timidamente, se colocou no piano do meio (de costas para o público) e dedilhou os primeiros acordes de “No Goodbye” e cantou:

Love,
I will wait for better times
standing here and guiding your arms
tonight.

Now,
close your eyes
forget your sorrow
hold me tight
before we say goodbye, goodbye

Uma lágrima caiu, o sol apareceu, a ventania cessou. Foi aí que caiu a minha ficha no meio deste momento tão mágico que foi o Silent Green que me ensinou a amar piano.

Se você for a Berlim, não deixe de colocar esse lugar tão especial na sua lista para conhecer. Garanto que me escreverá agradecendo por tal achado.

Silent Green
Gerichtstraße 35, Wedding
13347 Berlin

Quem escreveu

Lalai Persson

Data

11 de August, 2021

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Lalai Persson

Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.

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