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A Venezuela, infelizmente, está passando por um período muito difícil. Não importa pra que lado do espectro político você tenda, é difícil negar a situação trágica em que se encontra o país. Essa crise já transborda para os países vizinhos, e os últimos meses viram cenas bastante chocantes, desde hordas de imigrantes venezuelanos buscando abrigo no estado vizinho de Roraima, até esses mesmos refugiados sendo expulsos da região por brasileiros mais exaltados.
Sem querer me alongar mais no cenário político atual (com toda a polêmica que isso pode trazer), as últimas notícias me trouxeram à memória a lembrança da única visita que fiz à região, felizmente em tempos bem menos extremos. Na fronteira do estado de Roraima com a Venezuela, fica um dos lugares mais incríveis do continente, e talvez do mundo, mas ainda assim desconhecido pra maioria dos brasileiros. Uma montanha isolada e cercada de lendas e mistérios, o lar de Makunaima: o Monte Roraima.
Antes de mais nada, quero deixar uma coisa bem clara: esse é o relato da expedição que fiz em 2012. Foi uma viagem inesquecível e recomendo fortemente a experiência, mas dadas as condições atuais acho que qualquer viagem à Venezuela no momento é algo extremamente temerário, pra dizer o mínimo. Vamos torcer pra que a alguma normalidade possa voltar logo aquele país e que mais pessoas possam assim visitar o Monte Roraima.
Voltando a 2012, eu estava atrás de um lugar diferente pra passar o final de ano. Sabia que queria um lugar isolado para curtir a natureza, no máximo com a companhia de alguns amigos. O Monte Roraima sempre esteve no fundo da minha mente, aquele lugar misterioso, que pouquíssimas pessoas conhecem, um desafio físico e mental. Por que não? Alistei minha fiel companheira de aventuras, minha esposa Marina, mais alguns amigos que toparam a empreitada, e na madrugada de 28 de dezembro desembarcamos no aeroporto de Boa Vista com muita disposição e sede de aventura – o aeroporto mais próximo do Monte é o da capital roraimense.
O esquema em Boa Vista funciona bem: mesmo chegando de madrugada, com o dia ainda escuro, um táxi nos levou à rodoviária, onde outros táxis esperavam, num esquema lotação, pra levar os aventureiros até a fronteira com a Venezuela, uma viagem de cerca de uma hora e meia. No caminho, muitas plantações de soja até a chegada à alfândega. Migração é sempre um teste de paciência, e migração num posto marginal como era esse, um literal fim de mundo, é mais chato ainda. Levou um bom tempo numa fila debaixo do sol inclemente até que finalmente pudemos adentrar em território venezuelano, e outra curta viagem de táxi nos deixou no hotel em Santa Elena de Uayrén – que como toda boa cidade de fronteira tem aquele ar de velho-oeste sem lei.
Tiramos o restante do dia pra descansar e acertar os últimos detalhes com a agência contratada. No outro dia saímos por volta da hora do almoço com destino a Paraitepuy: uma pequena aldeia indígena, e ponto de partida de nossa caminhada.
O nível de condicionamento físico exigido pelo Monte Roraima depende da sua vontade e do seu bolso: embora na teoria você até possa fazer o trekking de forma independente, na prática todos contratam alguma agência pra ter o mínimo de segurança e organização. Mas mesmo entre as agências a experiência varia bastante. Num extremo, você pode até pular toda a caminhada e pegar um helicóptero pro alto do Monte (mas qual é a graça nisso?) No outro, você vai ter um guia e pouco mais que isso. No geral a excursão vai incluir, além do guia, a alimentação durante o trajeto. Se quiser, você pode contratar porters: carregadores pros seus bens pessoais, como barraca e mochila, garantindo que você faça a caminhada o mais leve possível. Depende do que você quer e, claro, do seu preparo – não se engane, a caminhada é longa e cansativa, especialmente nas excursões mais longas.
As excursões ao Roraima começam e terminam da mesma forma: um dia e meio pra subir, um dia pra descer. O que muda é a quantidade de tempo que se passa no topo. As mais céleres oferecem apenas uma tarde e uma noite no topo, e não valem a pena: não dá pra aproveitar quase nada nesse intervalo. Tente fazer pelo menos a excursão de 5 dias, ou, se possível, a mais longa, de 8 dias, que percorre todo o platô: foi essa que fizemos.
No primeiro dia, a caminhada é curta e dorme-se próximo ao Rio Tek. Já no segundo dia são 12km de savana para vencer, até o acampamento base, já bem próximo ao paredão. Finalmente, na manhã do terceiro começa a subida em si. A escalada não tem nada de técnica: basta vontade e disposição, e aos poucos a savana vai ficando pra trás. Um ponto especial é o Paso de Las Lagrimas, uma enorme cascata que refresca os viajantes. Após cerca de 6 horas de esforço vem a recompensa: estamos no topo do Roraima!
O Monte Roraima é uma formação conhecida na região como tepuy ou tepui (e na América do Norte como mesa): montanhas de topo plano. A palavra tepuy vem do idioma pemon e significa morada dos deuses – para os índios da região, essas montanhas são sagradas, e o Roraima é a morada de Makunaima – essa lenda foi a base pro Macunaíma de Oswald de Andrade. O Roraima é flanqueado por outros tepuys, como o Kukenan e o Yuruani, e se destaca por seu tamanho e imponência: tem 2810m de altura e nada menos que 31km2 de área.
O Roraima foi escalado pela primeira vez por ocidentais em 1884, pelo explorador britânico Everard Ferdinand, e ganhou fama ao servir de inspiração para a obra ‘O Mundo Perdido’ de Arthur Conan Doyle. Na história do pai do Sherlock Holmes, um platô perdido na floresta amazônica esconde animais considerados extintos, como dinossauros. Exageros a parte, o isolamento do Roraima fez com que tenha uma fauna e flora endêmica, totalmente distintas dos habitantes da floresta tropical da região. O exemplar mais famoso de animal é sem dúvida a pequena rã (la ranita del Roraima), do tamanho de um grão de feijão.
Os tepuys são algumas das formações geológicas mais antigas do planeta, e percorrer o topo do Monte Roraima é quase como explorar um planeta alienígena: formações rochosas esculpidas nas formas mais improváveis pela ação dos elementos ao longo de milênios, plantas diferentes de tudo que você já possa ter visto e muitos cristais. O Monte Roraima é tão grande que, quando você se afasta das bordas, você perde a visão da terras baixas e a impressão que se tem é de percorrer uma enorme planície rochosa.
Lá em cima, as principais atrações são:
Não há nenhum tipo de estrutura no topo: as excursões levam tudo que vão precisar, e não podem deixar nada lá em cima – nem mesmo excrementos. Funciona assim: a cada acampamento os guias montam um “banheiro”, e todos fazem suas necessidades dentro de um balde, que são cobertas de cal pra secarem e não exalarem mal cheiro. E existe um carregador que tem a ingrata missão de transportar todos esses dejetos de volta pra aldeia.
A grande variável em relação ao Monte Roraima é o tempo: o clima no topo é muito diferente da base, com temperaturas bem baixas e muita chuva e umidade. Neblinas são muito comuns, e podem afetar fortemente a visibilidade. No fundo é uma questão de sorte: na excursão que fiz, tivemos céu aberto durante quase todo o tempo, com apenas um dia nublado. Não por acaso, na véspera desse dia alguns turistas tinham se banhado no Lago Gladys, e segundo nosso guia o tempo ruim era sinal da desaprovação de Makunaima. Na dúvida, é melhor respeitar os deuses da montanha!
*Foto do destaque: Pedro Ivo
Paraense radicado em Lisboa. Engenheiro, cozinheiro e cervejeiro, sem ordem específica de preferência. Viajante de vocação.
Ver todos os postsBoa tarde, Pedro!
Primeiro, parabéns pelo relato e mais ainda pelas fotos.
Vou para o Roraima em Dezembro/19, você se lembra qual a lente usou?
Obrigado.
Oi Everton, tudo bem? Obrigado pelo elogio. Usei uma Nikon D40 com a lente do kit, uma 18-55mm. A paisagem ajuda bastante com as fotos! Quando retornar conta pra gente como tá a situação por lá agora? E boa viagem!
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