Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Texto escrito por Juliana Aquino*
Dar de cara com um gorila, de uns dois metros de altura, dentro de uma floresta quase vertical na Uganda, onde mal dá para ficar de pé, foi de longe uma das experiências mais emocionantes da minha vida. Foi ali que me apaixonei por um macho alfa.
Os relatos a seguir são pessoais, mas absolutamente transferíveis. Tudo depende do quanto você valoriza uma aventura de verdade.
Não sou a louca dos animais, nem estava nos meus planos ir ao Parque Nacional Impenetrável de Bwindi, em Uganda, uma reserva biológica, cenário desse encontro inesquecível. Mas fui convencida por uma amiga de que ver um gorila em Uganda seria a maior peripécia selvagem das nossas vidas. Provocada, aceitei o desafio. Estávamos em três, viajando há mais ou menos dois meses num período sabático pelo mundo. A travessia de Ruanda a Uganda, de ônibus, sacolejando por estradas esburacadas já mostrou que nada seria ‘nutella’ naquela viagem. Na fronteira, tivemos que sair do ônibus para fazer a imigração. Logo adiante, fomos deixados numa calçada na cidade de Kabale, o ponto mais próximo de uma das entradas do Parque Impenetrável de Bwindi. Pouco depois, chegava nosso motorista indicado pelo hostel para nos resgatar.
No dia seguinte, ainda de madrugada, foi Abdul, o motorista boa-praça, que nos levou ao parque numa viagem que durou pouco mais de uma hora. Porém, dependendo das condições da estrada ou do tempo, pode chegar a duas.
Contratar um motorista é essencial para conseguir se locomover pela cidade. Nós poderíamos ter reservado todo o passeio com uma agência. O pacote inclui traslados do hotel ao parque e a volta, além de permissão para a visita. Mas preferimos fazer tudo por conta própria e economizar. Dos três países africanos que ainda têm gorilas da montanha, Uganda nos pareceu a melhor relação custo-benefício. Em Ruanda, só a permissão custava mil e quinhentos dólares. Em Uganda, pagamos seiscentos porque perdemos o período promocional. É bom dar uma olhada no site do parque, antes de marcar a viagem. O Congo também tem uma expedição, mas consideramos mais perigosa, porque além dos constantes conflitos armados, ainda havia um número grande de casos de ebola. Então, entramos em contato diretamente com o Uganda Wildlife Authority e fizemos a reserva.
Ao amanhecer do nosso segundo dia em Uganda, levados por Abdul, chegamos à reserva biológica. Lá, pagamos as permissões reservadas. Os visitantes são encaminhados para uma área em frente à sede, onde recebem as primeiras orientações sobre a expedição. Homens fardados seriam os nossos guias. Aprendemos que a distância mínima permitida entre o homem e o gorila é de sete metros. Pode chover bastante dentro da mata, uma floresta tropical. A dica é alugar uma luva para se proteger durante o percurso, o que viemos a descobrir tarde mais. Ah, é bem possível que apareçam cobras e outras bichos também.
Alguns guias carregavam espingardas para caso de algum contratempo. Poderíamos levar de alguns minutos a oito horas para encontrar um gorila. Ou poderia acontecer de não encontrarmos nenhum. As chances são de 80%.
Fomos divididos em grupos. Nossos parceiros eram um grupo de agentes de turismo e integrantes do governo chinês e o cônsul de Uganda na China. Não tinha dúvidas de que estávamos na melhor companhia possível. É claro que o cônsul não poderia sair dali sem ver um gorila, vai!
Fomos de carro até uma das entradas da floresta e começamos nossa caminhada. Não posso deixar de contar do porter, o cara ou a garota que você pode contratar para carregar seus objetos, como mochila, água e te ajudar nas andanças. Na hora, não curti esse lance de ter uma pessoa carregando minhas coisas. Achei muito colonialista. Não pagaria de jeito nenhum pra ter alguém atrás de mim.
Depois de uma curta caminhada por um campo de folhas de chá, a mata fechada deu às caras, bem densa. Começamos a descida enquanto o guia ia abrindo caminho com uma foice. Não havia trilha. Entendemos ali o porquê do Impenetrável. A descida ia ficando muito íngreme e escorregadia. Não demoramos para perceber que a luva, oferecida na recepção, teria sido uma grande ajuda para se manter de pé. Foi impossível agarrar as árvores cheias de espinhos, sem machucar as mãos e difícil ficar de pé e caminhar sem se agarrar em nada. Aos trancos, barrancos e inúmeros tombos, continuamos descendo morro abaixo. A mata ficava cada vez mais fechada e escura. Tinha que segurar o celular, a câmera pendurada no pescoço, mochila nas costas e tentar ficar de pé.
Quarenta minutos depois, o primeiro encontro. Dia dos Namorados! Meu date estava bem ali, sentado, tranquilão. Ficamos cara a cara. Eu era a primeira do grupo. Não tirava os olhos dele e ele também me olhava um tanto pensativo, desconfiado. Nosso bando se agitava e tirava fotos sem parar. O guia explicou que o gorila era um macho alfa, porque tinha uma mancha cinza nas costas. De repente, ele resolveu mostrar sua macheza. Deu uns soquinhos no peito pra delírio da plateia e saiu apressado pela mata. Nós atrás, porque sabíamos que ele poderia nos levar ao restante da família.
Dito e feito! Eles começaram a surgir do nada aos montes. Mães, bebês, avós e outros garotões. Como são parecidos com a gente! Nos gestos, principalmente. Quando se assustavam com a nossa proximidade – ninguém respeitou a orientação dos sete metros de distância, ficamos a dois metros em vários momentos – eles nos jogavam folhas para que nos afastássemos. Não éramos tão estranhos para eles, já que as expedições são feitas há tempos, mas ainda assim poderíamos ser uma ameaça. E eles sabem disso. Uma pessoa gripada com febre pode contaminar e matar alguns deles. Restam apenas 800 gorilas da montanha no mundo. Estávamos diante de uma família inteira. Por um bom tempo, totalmente fascinada, esqueci de fotografar e gravar. Só conseguia seguir atrás deles, que se movimentavam rápida e constantemente. Encontramos a mãe que embalava o bebê recém-nascido e o escondia dos olhares curiosos. A anciã, que dava cobertura e casais que se acariciavam. Os machos sempre se exibindo, corriam, pulavam e tentavam chamar nossa atenção, talvez, para dar mais privacidade às fêmeas. Era a casa deles. Nós entramos sem sermos convidados. Mas eles até que foram bacanas com os visitantes curiosos.
Depois de duas ou três horas, nesse balé, pique-pega, brincadeira de estátua que encenamos com os nossos parentes mais afastados, nos despedimos com uma certa relutância. A subida de volta foi longa. Nesse momento descobrimos que o porter pode salvar vidas. Meu amigo precisou da ajuda de muitos para conseguir voltar ao topo. Sem o reboque, acho que ele teria ficado por lá com os primos. Foram quatro horas de descidas e subidas e o encontro mais surreal da minha vida. Nem lembro mais como foi nossa volta ao hostel. O meu filme terminou ali, com a imagem dos não-humanos mais humanos que já conheci e com a certeza de que essa foi uma das maiores aventuras da minha vida.
*Juliana Aquino é roteirista, jornalista e, essencialmente, viajante. Descobriu que viajar sem muitos planos é uma das coisas que mais gosta de fazer na vida. Depois dos 40, pediu as contas, fez uma malinha e foi rodar o mundo por 1 ano. Imprevistos e atalhos viraram melhores companheiros de viagem, além de dois grandes amigos que toparam a loucura. Acredita que compartilhar essas e outras experiências Brasil afora pode encorajar quem também tem vontade de sair por aí sem lenço e sem documento.
Foto capa: Gorila em Uganda por Francesco Ungaro / Unsplash
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.