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ADE – Amsterdam Dance Event 2019: como foi

Quem escreveu

Chicken or Pasta

Data

08 de November, 2019

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Esse texto foi escrito por Ana Carolina aka miuccia

Se preparar para um festival de música requer certo planejamento e flexibilidade (principalmente quando se vai acompanhado) para conseguir assistir shows em palcos diferentes, comer, dormir, economizar. O Amsterdam Dance Event, maior festival e conferência de música eletrônica do mundo, pode ser um tanto quanto assustador a princípio. São mais de 1.000 eventos, 200 locações diferentes e 2.000 artistas se apresentando em 5 dias de evento. Porém, a estrutura da cidade e o acolhimento dos locais são facilitadores para aproveitar o melhor do festival.

A primeira coisa que você aprende quando pisa em Amsterdã e começa a conversar com outros DJs e produtores, é que a cidade oferece bastante oportunidade para quem quer fazer da música eletrônica uma carreira. Mas também exige muito profissionalismo, pesquisa e conceito, um pacote completo no qual o que você oferece como serviço é o mais interessante, além do que você tem para adicionar à cidade e à cena. É um papo bem empreendedor. Nesse sentido, o ADE Conference e Pro oferece uma série de conversas, debates e painéis sobre a carreira na música, seja para artistas, empresários, publicitários, produtores, técnicos, engenheiros, marcas e demais atividades envolvidas em tecnologia, branding e relações públicas.

ADE – Amsterdam Dance Event – 2019. Foto: Mark Ritcher / Divulgação

Um aspecto bem interessante da conferência são os painéis sobre tendências de consumo. O que chamou atenção nessa edição foram os vários debates sobre o mercado chinês como o “Launch HOC Market Report” que apresentou um relatório sobre o crescimento da música e festas eletrônicas na China. Outro painel discutiu sobre os avanços tecnológicos no país tentando imaginar como será “festar” em 2030, o que é possível aprender com a China sobre o impacto ecológico numa perspectiva de expansão desse campo, entre outras coisas.

Haviam vários painéis sobre sustentabilidade e avanços tecnológicos promovendo a redução do impacto ambiental como o “Innofest: Seven Innovations That Will Change The Industry”, “DJs Against Climate Change” e também “What Does Clubbing Do to a City?” focado em discutir as problemáticas de crescer um negócio focado em festas ou festivais em cidades que, apesar de terem o potencial para abrigar esse tipo de empreendimento, também tem obstáculos ligados a população, estrutura, regulações e burocracias, por exemplo.

ADE Green é a parte da conferência com foco em sustentabilidade, inovação e mudanças sociais na indústria da música. Foto: ADE divulgação

Alguns eventos na conferência eram focados em temas de análise social como o “From 6-60: The Ever Expanding Electronic Demographic” para discutir o crescimento de uma faixa etária cada vez mais alta indo à festas e a demanda de espaços que sejam acessíveis às crianças. Ou o “Girls to the Front” que discutiu a necessidade de diversificação da cena hardcore, em alta na Holanda. O “ADE Country Focus” escolheu Chile e Canadá como lugares de discussão sobre suas contribuições e perspectivas na música. 

Para jovens produtores que queiram ingressar na carreira musical, a conferência ofereceu várias atividades como o “What’s Next” em que um produtor em começo de carreira e outro já consolidado conversavam sobre os primeiros passos e os erros comuns na profissão. Uma série de  imersões, ao longo dos três dias de conferência, sobre o método de trabalho de produtores específicos, com detalhes sobre hardware, setup e processo criativo de artistas que utilizam tecnologias novas, raras ou que simplesmente tem alguns segredos de como operar determinado instrumento. O que eu mais gostaria de ter visto foi o “The Flightcase of: Modeselektor, Richie Hawtin & SOPHIE”.

A série “Team Behind”  consistiu em um painel com a equipe e modo de trabalho por trás de grandes nomes e marcas  na cena da música eletrônica. Os painéis tiveram também agentes e empresários explicando em primeira mão como Oliver Heldens ou a Spinnin’ Records se tornaram sucesso. Rolou uma ótima conversa com José Woldring e Nick Sabine, fundadores do Resident Advisor, e outra sobre os limites do “sampling” depois da longa disputa que favoreceu Kraftwerk por um sampling de dois segundos, além de vários workshops de produção, composição e hardware, o contato com várias tecnologias novas da Pioneer, Moog, AKAI, era muita coisa para muitos poucos dias.

E ainda tinha o festival com tantas coisas e artistas para ver. Grandes nomes como David Guetta, Fedde le Grande, Peggy Gou, Daniel Avery, a brasileira Eli Iwasa, New Order e no meu orçamento mais limitado, resolvi fazer um recorte para conhecer um pouco mais da cena independente e hardcore do festival. Na quarta, fui ao Sexyland, na quinta ao festival da Thuishaven e no domingo, no festival de 24 horas de Amelie Lens. As festas são bem espalhadas pela cidade, no entanto, a maioria delas são pagas (e caras), justificável pela super estrutura oferecida dentro do espaço, o que dificulta (quando não impossibilita) que você vá a várias festas no mesmo dia. Minha estratégia foi escolher uma por dia e tirar o máximo proveito de cada uma.

Na primeira noite do festival, escolhi ir ao Muziekgebouw aan ‘t IJ, um teatro de música clássica contemporânea, que também abriga concertos de jazz e música eletrônica. Aberto em 2005 com uma arquitetura moderna e minimalista, o prédio se encontra acima do túnel IJ e no meio da baía IJ, o que significa uma vista incrível do porto, dos barcos, balsas e da parte central e norte da cidade, quando subimos ao terraço. A fachada e a borda do piso de vidro te jogam instantaneamente em um humor introspectivo, você só consegue ver o breu, o mar e as embarcações. O espaço também conta com um grande lounge com serviço de bar, um espaço bem aconchegante.

A série “The Rest is Noise” do festival, apresentou artistas que buscam extrapolar os limites da música eletrônica e contou com atos mais experimentais e sonoridades próximas do noise e ambient music. Para essa noite, no line-up teve a italiana Caterina Barbieri, que utiliza um sintetizador modular para fazer uma peça de música dentro da estrutura clássica, com uma textura polifônica, melódica um som bastante repetitivo, com sequências rígidas que se se alteram em amplitude, tons, ruídos. Acompanhada do artista visual Ruben Spini, a combinação se manifesta num sonho lúcido de texturas visuais e sônicas no conforto de uma sala de teatro. O headliner da noite, o canadense Tim Hecker, apresentou o trabalho de seu último e nono álbum ‘Konoyo’, em colaboração com membros do conjunto Tokyo Gagaku, um gênero tradicional de música clássica japonesa. O gagaku se caracteriza pela presença potente de instrumentos de sopro mas também utilizando cordas e percussão, incorporadas de maneira desconcertante e poderosa no trabalho de Hecker. É um som e uma experiência bem abstrata, o que te deixa vulnerável e sem muito o que fazer a não ser se afundar na cadeira, encarar o teto do teatro, as luzes e deixar que as emoções apenas fluam. É bem introspectivo e pode te levar para alguns lugares não muito felizes. Ainda assim, foi uma apresentação bem linear, com poucas surpresas.

Saindo do Muziekgebouw, eu segui pela baía para pegar uma balsa na Centraal Station. As balsas (ou ferries) não tem taxas em Amsterdã e durante o ADE elas estavam apinhadas de gente indo e voltando das festas. Me senti muito segura para fazer todos os trajetos utilizando o transporte público e o app 9292 que indicava as melhores rotas e quais transportes pegar para chegar no destino. Logo ao lado do meu ponto de chegada, eu encontrei o Sexyland, um pequeno club-bar, muito colorido com um grande letreiro em neon. Foi a festa mais baratinha em todo o ADE (dez euros), lembrando muito as casas da cena independente em São Paulo. A festa que rolava era do coletivo Symbyosys, um coletivo novo e com uma galera bem jovem à frente, consequentemente, o público, apesar de diverso, era bem mais jovem também. Cada um dos DJs que eu vi nessa noite tinha alguma particularidade muito marcante para fazer sua seleção, mas nenhum deles se prendia a um gênero fixo. Ouvi pop, ballroom-vogue, dancehall, electro, grime, trance, várias produções latina. A vibe parecia realmente fazer um blend de vários sons emergentes e pulsantes na cena eletrônica nos últimos dez anos, porém o “highlight” para mim foram as seleções mais hardcore e ver o quanto a galera se animava com elas. 

A Holanda é o ninho do Gabber e do hardstyle, gêneros muito fortes na cultura club local. O público não estranhava ou desanimava ao ouvir sons pesados, rápidos e quase não dançáveis. O hardstyle exige uma coordenação motora e muito condicionamento para dançar nos ‘high bpms’! Outro ponto legal dessa festa é como o line-up tava bem equilibrado em gênero. Das festas em que fui essa era a que tinha mais garotas no line-up.

O segundo dia de festival foi em Thuishaven, um grande espaço acomodando uma tenda de circo e um hangar que abrigou o “Thuishaven Thursday w/ Electric Deluxe” com os britânicos Clouds e Daniel Avery, como headliners. Foi uma noite de “big room techno” com uma atmosfera mais “rave” bem diferente da noite anterior. Muito mais gente e um público mais familiar com esse tipo de festa. Nessa noite eu cheguei bem tarde para uma festa que começou às 16hs e que ainda viraria a madrugada até às 06h. Na tenda, a cenografia e as luzes eram bem rebuscadas, muitos efeitos, globo de luz, letreiros iluminados. No galpão, a ambientação era mais industrial. Eu parei numa arquibancada no fundo da pista e pude aproveitar bem as luzes e ver a galera dançando lá embaixo, o que era bem peculiar para mim ver os holandeses dançando. Mais tarde eu fui para o front, na frente de um ventilador gigante atrás da mesa, que não adiantou muito, suei demais e dancei horrores também. O Clouds, que eu queria ver, é uma dupla que apesar de apresentar um som bastante industrial, pesado e mecânico, também traz elementos do drum’n bass e house de um jeito bem britânico e retrô. Eu me senti numa rave dos anos 90, ou como se estivesse numa espécie de realidade aumentada vendo em primeira mão os registros das pessoas dançando hardcore dos anos noventa, com a diferença de ver vários smartphones nas mãos das pessoas.

Depois de uma sessão de dança intensa na quinta, escolhi fazer algo mais leve no começo da sexta-feira. Fui na Soundcloud Creator Forum. Pelo nome fui levada a pensar que poderia ser uma conferência, mas na verdade era um espaço para conhecer e conversar com outros criadores e produtores que trabalham com o Soundcloud (apesar de não ter conhecido ninguém). O evento era totalmente gratuito e com cervejas grátis, o que pode ser uma ótima possibilidade também. Quem estiver por Amsterdã a fim de aproveitar o ADE com um orçamento mais limitado, pode fazer um cronograma com festas gratuitas. Todos os dias tinha algum evento ou festa que, além da gratuidade na entrada, oferecia as bebidas dos patrocinadores. Nesse dia, o highlight do line-up para mim foi a Object Blue, dj canadense que curte fazer sets com faixas bem fora do radar. Também curti a portuguesa Violet misturando house e breakbeat e o Olof Dreijer, do querido duo sueco The Knife, que fez um set repleto de funk (e muito atualizado, o que é um pouco raro quando os gringos tentam).

Às 22hs no Waterkant, um bar popular pela influência afro-caribenha começava o KD Soundsystem & Friends. Nesta noite convidaram a festa, coletivo e agora selo musical brasileiro Batekoo que levou Fresh Prince da Bahia e Glau Tavares para as pick-ups, além de um pocket show da lendária Deize Tigrona, uma das mcs mais ousadas e definitivas do funk carioca no começo dos anos 2000, agora agenciada pela Batekoo. 

O ADE conta com vários “Labs”, espaços onde você pode ter um primeiro contato, aprimorar ou até mesmo desenvolver alguma habilidade específica com diferentes tipos de equipamento e novas tecnologias. No entanto as vagas são muito limitadas e não muito acessíveis. Um espaço muito legal que tive oportunidade colar foi o ‘Moog’s Psychedelic Synthesizer Sanctuary”, uma “mostra” com vários modelos da empresa americana, alguns lançamentos, outros ligeiramente antigos e uma máquina modular dos anos 70. Tentei mexer em todos. As possibilidades são infinitas, principalmente se você já tem alguma intimidade com música ou formação musical, mas as máquinas também são muito intuitivas para mexer, tentar criar um som ou melodia. O espaço tinha uma cenografia inspirada em jogos e brinquedos dos anos 70 e 80 num ambiente bem “cozy” e agradável para passar a tarde inteira brincando como eu passei. É também uma ótima opção pra quem curte música eletrônica mas não necessariamente gosta de festas e lugares muito lotados.

ADE / Foto: Joris Raaijman – divulgação

Domingo foi o dia de finalmente ir a clássica “festa no galpão”, não muito diferente de outras festas de techno, com destaque para os visuais e a melhor infraestrutura entre as festas que eu colei, afinal era o último dia da programação do festival Awakenings com 24 horas de festa. No meu caso, eu pulei o evento em toda a parte da noite para dormir cedo, acordar, comer bastante no café e partir pra ver Airod, às 10h. No entanto, apesar do lounge não ser o mais confortável, o local tinha toda a estrutura para você conseguir passar 24 horas dançando. Os highlights dessa festa foram Fjaak, Volvox, Airod e Rebekah. Dark Techno e um soundsystem super potente. Eu, que amo ficar no front tive que dançar no meio da pista, o que me lembrou que protetores de ouvidos são super importantes.

O festival tem também preocupação com reciclagem, mas poderia ter um sistema de hidratação mais eficiente. O mínimo que você paga pelos tokens (fichas de bebida) são 15 euros, então quando você vai a uma festa fechada acaba gastando muito dinheiro e se hidratando bem pouco.

Guiar-se pelo ADE é uma ótima forma de conhecer Amsterdã se utilizando dos melhores recursos que uma cidade internacional e estruturada para receber bem seus turistas tem a oferecer. Fui a lugares que nem imaginava e passariam totalmente despercebidos em outras ocasiões, que me encheram os olhos e pude ir para diferentes cantos da cidade. Aprendi a me perder, recuperar o caminho, utilizar formas alternativas de viagem, conheci outros diversos turistas interessados em música, fiz contatinhos e consegui conversar com artistas que, se não fosse pelo ADE, só teria interagido online.Meu saldo final sobre o festival é que ele merece, de fato, dedicação exclusiva se você quiser/puder investir nos cinco dias em que acontece. Ainda assim, sempre vai parecer que você não fez nada, mas as memórias e a possibilidade de aproveitar uma curadoria e seleção mundial de artistas em seu auge vale muito a pena.

*Ana Carolina adotou o apelido “miuccia” para deixar de ser confundida quando começou a discotecar em 2016. O mistério do nome e da identidade é o que a motiva a viajar e se perder. Formada em psicologia, com uma forte predileção pela psicanálise, dissidências de gênero e resistências descoloniais, entende que observar o Outro da perspectiva do viajante é um privilégio e também uma experiência de constante construção e vulnerabilidade. Gosta de pista, cores, luzes e filmes de terror.

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Chicken or Pasta

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08 de November, 2019

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