Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Tem hora que você está no escuro total, sem enxergar um palmo à frente do nariz, dançando um electrofunk 140 BPMs do lado de uma turma ucraniana saída da rave de Kiev. Mas aí cinco minutos depois você está debaixo de um sol de 30ºC ouvindo Barbatuques (sim, aquele Barbatuques), cercado de Gen-Zs britânicos alucinados com a “Baianá” da Selva Discos, e se perguntando “WTF está acontecendo?”. Transitar pelo Dekmantel 2018 em Amsterdã foi mais ou menos assim.
Esse ano o Dekmantel chegou à sua sexta edição e, para quem já conhecia o rolê, foi como entrar numa máquina do tempo e acelerar um ano. Quando chegamos ao parque Amsterdamse Bos, onde o evento sempre ocorre, parecia que nada tinha saído do lugar. A tenda redonda do palco principal, já característica dos anos anteriores, continuava lá, intacta. A decoração descolex do palco Selectors e a cobertura do Boiler Room idem.
Além de manter sua mesma estrutura, o festival holandês mais uma vez fez também jus à fama: de um evento extremamente bem organizado, de fácil acesso, sem filas e ofertas justas de comidas e bebidas. Deu tranquilo pra transitar entre os palcos, fazer aquela pausa pra descansar e beber a água de graça disponível nas torneiras do banheiro. Nem mesmo o calor insuportável (eu disse in-su-por-tá-vel) killou a vibe de quem estava por lá.
Tudo isso com um lineup absurdo de artistas e DJs tastemakers pra todo tipo de gosto. Vamos aos highlights?
O Dekmantel começou com o pé na porta já na quarta-feira com os shows de abertura no Muziekgebouw aan ‘t IJ. A sala de concerto recebeu dois gigantes, em settings bem diferentes. Primeiro, o “cedo e sentado” do Tangerine Dreams, intenso e ao mesmo tempo calmante. E depois o live solo do Four Tet, que entrou no palco e conduziu o público a um transe musical, porém com a leveza de como se estivesse tocando numa escrivaninha, dentro do próprio quarto.
A programação diurna de quinta-feira também valeu muito a pena acompanhar. Dica pro próximo ano – pra quem quiser um rolê mais sussa antes do festival em si, vale colar no EYE Filmmuseum pra acompanhar os debates e entrevistas organizados pelo Dekmantel em parceria com o Resident Advisor. Depois de ter visto o Robert Hood ano passado, fiquei na pira de ir de novo e não me decepcionei. É uma vibe meio conferência, mas só com nerds de música e aspirantes a DJ. Teve conversas com John Talabot, Sassy J e Hieroglyphic Being, falando sobre a arte do DJ e marketing pessoal para artistas.
Chegando no Amsterdamse Bos na sexta (avisamos que ia ser difícil fazer as escolhas), a correria começou logo cedo com Shanti Celeste e Ricardo Villalobos (apenas) no palco principal, intercalando com John Talabot e Palms Trax na Greenhouse, e o berlinense Rødhåd no UFO. Mas confesso que de tanto vaivém, ganhou a minha atenção o set da italiana Elena Colombi no UFO II, fazendo um EBM implacável. Fechando a noite, teve o americano Matrixxman descendo a lenha no Boiler Room.
Depois do pesadão de sexta, sábado foi dia de baixar o BPM e investir num rolê mais sussa (na medida do possível). Não deu pra perder, por exemplo, os menines da Selvagem no Selectors mandando aquele Trio Ternura que a gente não cansa de dançar… E um pedacinho Bariş K, making Turkish disco great again no Red Light Radio… Um pulo no set do DJ Bone, pai de todos nós, tocando Detroit no vinil sem medo do crossfader.
O destaque master do sábado (e talvez de todo festival) foi a brilhante Carista, no Boiler Room, fazendo um dos sets de house mais true que vi recentemente. Anotem esse nome, porque ele vai aparecer muuuito em festivais do mundo todo daqui em diante. Sem contar o Four Tet fechando o palco principal, fazendo uma mistureba fdp, ora caindo pra Destiny’s Child, ora pro Fugazi. Na hora eu só conseguia pensar: “me leva pra onde você quiser que eu vou.”
Domingo foi dia de pedir desculpas para o Young Marco, pra Helena Hauff, pro Goldie, pro DVS1, pro Parrish Smith e pra Courtesy (entre muitos outros). Isso porque não deu pra sair do Selectors. Apenas NÃO deu. O dia começou cedo com Jamie xx abrindo – sim, abrindo – o palco com um set de 4 horas (de synth pop 80’s a reggae). Seguido dele veio o Daphni, esse daddy de papete que eu não sei lidar. E pra fechar o festival, toda a nonsense, o repertório e a fofura do Floating Points, que tocou de um tudo – Novos Baianos, Aretha Franklin, Floorplan, Gil Scott-Heron, Trio Ternura (teve muito Trio Ternura) e por aí vai.
Vida longa ao Dekmantel – e que venha logo a terceira edição de São Paulo!
*Foto destaque: Dekmantel 2018 por Bart Heemskerk
Pra fugir do clichê "jornalista ataca de DJ", Goos é um DJ que sem querer virou jornalista. Na Vogue, Harper's Bazaar e iG, entrevistou nomes como Afrika Bambaataa, The Black Madonna e Fatboy Slim. Depois de passar por muitas pistas em 13 anos de discotecagem, ancorou na Peixaria Mitsugi. Por lá, segue na luta, making house music gay again.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.