Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Se esporte é bom, viajar para participar de competições é ainda melhor. Por isso, sempre me inscrevo no sorteio da Maratona de Nova York. Na pior das hipóteses, perco cinco dólares. Na melhor, passo um dia correndo pelos cinco distritos da cidade que nunca dorme. E da qual nunca me canso.
Tive o privilégio de correr essa prova duas vezes, em 2013 e 2015, e de visitar a cidade em outras ocasiões. As grandes maratonas se concentram na primavera e no outono gringos, porque a temperatura entre 10 a 15º C é a ideal para correr – ainda mais por tantos quilômetros. A NYC Marathon sempre acontece no primeiro domingo de novembro. Nos Estados Unidos, a data tem um bônus: o Halloween, que quase sempre coincide com a viagem e dá um clima de carnaval à Grande Maçã.
Os últimos trotinhos, para soltar as pernas da viagem de avião e preparar a musculatura para o grande dia, são sempre no High Line – às 7h, quando o parque abre, há mais corredores que turistas. Como chego na cidade com alguma antecedência, gosto de retirar o kit da inscrição no primeiro dia da Expo da Maratona. Se tem algo que americano entende, é de organização. Incrível como um evento para 50 mil participantes, família e torcida flui sem transtornos e com toda a segurança.
A Expo era mais interessante há alguns anos – um reflexo do câmbio mais vantajoso da época – mas anteriormente também havia maior distribuição de brindes e amostras de produtos. Ainda assim, é uma excelente oportunidade para conhecer os produtos do mercado de running mundial. Além da Expo, diversas lojas de esporte abraçam a maratona e dão descontos aos corredores e até almoço de massas gratuito. Quem disse que não existe almoço grátis?
Quero dizer: a cidade inteira abraça a maratona. Midtown fica repleta de cartazes nos estabelecimentos comerciais saudando os maratonistas e oferecendo promoções para o jantar, com menus por US$ 26,2 (a distância da prova, em milhas). Dois dias antes da corrida, meia Manhattan parece estar usando tênis e camisetas de finishers de provas anteriores.
A programação da semana, promovida pela organizadora da prova é intensa. Há corridas diárias no Central Park, Parada das Nações, queima de fogos, jantar de massas e toda a agenda de palestras e autógrafos da Expo. Sumidades como Spike Lee apadrinham a maratona e confraternizam com os atletas.
Na tarde da véspera da maratona costumo ficar em casa descansando, como o mar que recua antes do tsunami. O horário de verão americano normalmente termina no primeiro sábado de novembro e ganhamos uma hora de sono – muito necessária, pois acordamos em torno de 4h30 pra dar início à maratona dentro da maratona.
Dezenas de ônibus saem da biblioteca pública de Manhattan para o início do percurso, em Staten Island. Chega-se ao Fort Wadsworth antes das 7h – mas a largada é mais de três horas depois. A espera é extenuante – pelo desconforto e pelo nervosismo. O forte parece um campo de refugiados, repleto de corredores sentados um ao lado do outro para conservar o calor. A boa é levar jornais para forrar o chão, uma capa de chuva ou roupas velhas para descartar na largada, que são posteriormente recolhidas por voluntários e doadas ao Exército da Salvação. A sacola transparente com os pertences pessoais é deixada por lá e retirada 42 km depois. Como combustível da espera, há generosa distribuição de café, isotônicos, bagels e barras de cereais.
Às 9h47 (?!), uma soprano da Ópera de Nova York canta o Hino Nacional Americano, um tiro de canhão é disparado e os alto falantes tocam o que deveria ser o Hino Nacional da cidade: ‘New York, New York’, por Frank Sinatra.
Começamos a subir a ponte Verrazano Narrows, em direção ao Brooklyn, onde se passa quase metade da prova. Nesses primeiros quilômetros você já tem uma amostra do que é o percurso: vento, subidas, descidas e as calçadas tomadas por multidões torcendo nos cinco distritos. Toda essa animação ajuda a compensar o percurso duro. Por que tem que ventar tanto? Quem inventou uma ponte no quilômetro 27? E outra no quilômetro 33? E mesmo em Manhattan, há subidas e descidas ao longo da Primeira e da Quinta Avenidas.
Recomendo correr sem música, para melhor interagir com a galera nas ruas. E sem ela a maratona não seria o que é: as pessoas gritam os nomes dos participantes, cantam, brincam, acenam, dão high five, portam cartazes e bandeiras, oferecem comida, bebida, lenços. Torcem por familiares e amigos na mesma medida que torcem por desconhecidos. Há dezenas de bandas e DJs pelo caminho. A organização estima que dois milhões de novaiorquinos vão às ruas assistir à maratona.
A Pulaski Bridge marca a metade da prova e a entrada no Queens. Depois de 4 km nesse distrito, os atletas cruzam o East River na Queensboro Bridge e entram em Manhattan, com 28km de prova. Na ilha, o percurso cruza a Primeira Avenida e entra no Bronx por uma milha, retornando à Manhattan pela Madison Avenue Bridge. Daí se dirige ao sul cruzando o Harlem, entra na Quinta Avenida e no Central Park.
Quem espera sempre alcança. E até as ogras como eu não resistem a se emocionar ao entrar, nos metros finais, num Central Park deslumbrante, colorido pela folliage de outono.
Uma dica de quem tem nove maratonas nas costas: leve na sacola um relaxante muscular ou analgésico, uma camiseta limpa e um par de chinelos. Após 42km, terão o efeito de um spa – e você está minimamente apresentável para aquela cerveja comemorativa pós-prova. Sempre volto pra casa no fim da tarde, depois de fazer meia dúzia de novos amigos e aproveitar o máximo possível o dia da maratona, sempre tão especial.
A New York attitude – passos rápidos, frases curtas, e todo um excesso de objetividade que a nós, brasileiros, pode parecer grosseria – desaparece frente a um New York Marathon finisher. A organização da prova é composta quase inteiramente por voluntários de todas as idades. Na rua, os novaiorquinos parabenizam, perguntam da prova e deixam clara a admiração que têm por quem corre 42,195 km. É o mais próximo que me sinto de uma super heroína.
*Fotos: divulgação TCSNYC Marathon e Luciana Guilliod.
*Foto do destaque: New York City Marathon 2017. Benjamin Kanter/Mayoral Photo Office.
Carioca da Zona Norte, hoje mora na Zona Sul. Já foi da noite, da balada e da vida urbana. Hoje é do dia, da tranquilidade e da natureza. Prefere o slow travel, andar a pé, mala de mão e aluguel de apartamento. Se a comida do destino for boa, já vale a passagem.
Ver todos os posts???
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.