Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Se outros festivais “de rock” acabam resvalando para o pop ou ritmos eletrônicos/étnicos/folks, o NOS Alive mostrou em sua 12ª edição que continua firme as raízes: aqui o que manda mesmo é o Rock. Basta olhar pro lineup desse ano: Artic Monkeys, Queens of the Stone Age e Pearl Jam lideraram uma escalação que incluiu ainda Nine Inch Nails, Jack White, Franz Ferdinand, The National, MGMT e muito mais. Aqui, definitivamente, não há espaço para Ivete Sangalo.
Devido a problemas pessoais e imprevistos de viagem, acabei perdendo o primeiro dia do festival. Azar, queria muito ter visto o Artic Monkeys, show inédito para mim. Não foi dessa vez, e de acordo com os relatos a apresentação do sexteto de Sheffield foi um bocado fria (reflexo, talvez, do novo e taciturno álbum , Tranquility Base Hotel & Casino). A noite, ao que parece, foi mesmo do potente rock industrial de Trent Reznor e seu Nine Inch Nails. Paciência.
No segundo dia, aí sim, marquei presença em Algés. Já disse isso mas não custa repetir: é uma maravilha participar de um festival desse porte e ao mesmo tempo tão fácil de aproveitar. Fiquei lembrando da verdadeira odisséia que era prestigiar o Rock in Rio no Brasil, que envolvia sair do centro da capital carioca no meio da tarde e encarar algumas boas horas de trânsito até a longínqua, quase inalcançável Jacarepaguá, numa verdadeira operação de guerra. Para o NOS, é só pegar um trem do Cais do Sodré, centro de Lisboa, e em 20 minutos vocês está em Algés, ao lado do festival – fácil, prático e barato.
O Festival tem também uma ótima estrutura, com vários pontos de venda de comidas e bebidas (acho que nunca vi tantas barraquinhas de comida num festival, literalmente para todos os gostos), além de stands de patrocinadores e outros passatempos para quem não está tão ligado assim na música. De maneira geral, a circulação era fácil e a brisa constante que batia, aliada ao verão ameno, resultou num clima gostoso e tranquilo, com aquele jeitão de domingo no parque. A única reclamação que ouvi foi em relação ao tamanho das filas do banheiro.
Esse ano o NOS tinha 4 palcos: o próprio palco NOS, onde se apresentaram as maiores bandas. O Palco Sagres, reduto indie e de bandas emergentes, o NOS Clubbing, de vertente mais dançante e eletrônica, enquanto o Palco Coreto, para shows menores e mais intimistas. Fora isso havia um quinto palco menor dedicado ao fado e até mesmo um espaço meio incongruente para stand up comedy (ou isso é alguma nova tendência de festivais da qual não estou sabendo?).
Cheguei em Algés a tempo de ver o Black Rebel Motorcycle Club subindo no palco. Com um show curto, certeiro, apresentando músicas do álbum Wrong Creatures (lançado em janeiro desse ano) junto a hits como Spread your Love, Beat the Devil’s Tattoo e Whatever happened to my Rock’n’Roll. O rock cru e bluseiro do BRMC funcionou bem, ainda que não tenha empolgado muito o público que apenas começava a chegar ao festival.
Encerrado o show no palco principal, uma corridinha para o Sagres para conferir o Eels. O projeto de Mark Oliver Everet, também conhecido simplesmente como E, aposta no rock simples, de pegada retrô, e no carisma do frontman para conquistar o público. E funcionou: tanto a platéia quanto o cantor pareciam estar tendo um tempo ótimo, e o show foi bastante elogiado. Uma bela surpresa. Já o veterano Yo la Tengo, que ocupou o Sagres em seguida, foi no caminho contrário: apesar de ser uma banda pela qual nutro um carinho especial, sua apresentação em Portugal simplesmente não funcionou, e o distanciamento da platéia podia ser sentido pela quantidade de pessoas batendo papo ou checando o celular enquanto Ira Kaplan & cia teciam suas aventuras sonoras.
Um festival é sempre feito de escolhas, e esse período no Palco Sagres fez com que perdesse o show dos britânicos do Blossoms, escalados de última hora para substituir os The Kooks. Mas voltei para o Palco NOS a tempo de pegar o excelente concerto do The National. Texturas de guitarras e sintetizadores serviram de cenário para a voz poderosa de Matt Berninger (ainda que essa voz tenha falhado em alguns pontos, o que não teve importância pra absolutamente ninguém). O The National é a comprovação de que a melancolia também pode ser muito sedutora e levar o público a cantar em uníssono “the day I die/where will we be?“.
O que me esperava em seguida era uma verdadeira injeção de adrenalina: o Portugal, The Man simplesmente subiu no Palco Principal e mostrou que poderia muito bem ter sido escalado para o palco principal. Depois de uma boa luta com a multidão pra conseguir adentrar a tenda, entendi o motivo da empolgação: ao vivo a banda americana tem um peso que as gravações de estúdio não apontam. É um pouco como se o Primal Scream, Mars Volta e My Morning Jacket tivessem um filho: muita guitarra, muita psicodelia (auxiliada pelas ótimas projeções) e o hit Feel it still garantiram a maior surpresa da noite e um dos melhores shows do festival. Portugal. The Country loves Portugal. The man, e vice-versa (aliás, num golpe de mestre de propaganda, a banda foi contratada pelo governo português para ajudar a divulgar o turismo no país).
De alma lavada, retorno ao Palco NOS para a principal atração da noite: Queens of the Stone Age. Sobre esse show, temos que falar algumas verdades: Villains, o último disco do QOTSA, não é de seus álbuns mais inspirados. Além disso a banda não tem mais aquela energia do início dos anos 2000, que incluía shows com integrantes muito à vontade no palco. E, para completar, o sistema de som falhou em diversos momentos durante sua apresentação, com um volume baixo e som embolado. Resultado: nem o carisma inegável da Josh Homme, nem a ótima estrutura de palco, foram suficientes para empolgar, a não ser na hora de No One Knows e Make it Wit Chu. De resto, uma apresentação morna e aquém do que a banda já provou ser capaz de entregar.
A noite fechou com o indie dançante do Two Doors Down Cinema Club e o electropop do Future Islands.
O sábado começou saudosista com o Alice in Chains ocupando o palco principal, tocando para um público que já dava sinais que seria bem maior que o do dia anterior. Embora tenha a idade certa, a verdade é que o AiC não faz parte das minhas memórias afetivas da adolescência, mas a banda entrega um show honesto e competente. Em seguida o som deu um salto de uma década, indo dos anos 1990 direto para o início dos anos 2000 com os escoceses do Franz Ferdinand. Embora hits como The Dark of the Matinee, Take me Out e This Fire, todas do primeiro álbum, tenham uma força inegável e ponham o público para pular, as canções dos discos posteriores não são tão empolgantes assim e o show só não esfriou porque foi curto. É inegável reconhecer que uma das principais bandas da década passada já passou do seu auge.
Corridinha rápida para verificar o Palco Sagres, e no caminho a quantidade de pessoas com camisetas do Pearl Jam não deixava dúvidas sobre qual era a atração mais esperada da noite. O Clap Your Hands Say Yeah é uma banda que fez um certo barulho com seu álbum de estréia em 2005, na esteira da explosão dos Strokes, Yeah Yeah Yeahs e outras bandas indies nova-iorquinas, mas que nunca conseguiu realmente atingir o grande público. Prova disso era que a audiência estava bastante vazia, e mesmo chegando no meio da apresentação foi fácil colar no palco. Uma pena, porque a banda entrega um show intenso e altamente dançante.
A próxima atração do Palco Sagres era a brazuquinha Mallu Magalhães, presença constante em terras portuguesas e que já havia feito um “show surpresa” curtinho no primeiro dia. Mas preferi retornar ao Palco NOS para primeira das grandes atrações da noite: Jack White confirmou porque é provavelmente o maior guitar hero em atividade no rock hoje, misturando músicas da carreira solo (ele acabou de lançar o 3º álbum em seu nome) com outras das diversas bandas pelas quais passou, incluindo Steady as she Goes dos Racounteurs e a apoteótica Seven Nation Army dos White Stripes. Um rock bluseiro e certeiro que acendeu o público, que nesse momento já lotava o palco principal à espera da estrela maior, Eddie Vedder.
É difícil minimizar a importância do Pearl Jam para o Nos Alive. A banda foi a principal atração da primeira edição do festival, em 2007, ajudando a confirmar a posição do festival no verão europeu, e voltou ainda em 2010. Assim, após 8 anos, era grande a expectativa para um novo concerto dos rapazes de Seattle – tanto que o anúncio da participação da banda, ainda em dezembro do ano passado, fez com que os ingressos para o sábado se esgotassem em apenas 4 dias. Para aumentar ainda mais a ansiedade dos fãs, o cancelamento de uma apresentação do PJ em Londres em junho, devido a problemas vocais de Eddie Vedder, levantou dúvidas sobre a participação deles no festival de Algés.
E graças a todos os deuses do rock, a garganta de Eddie se recuperou a tempo, porque o Pearl Jam confirmou todas as expectativas e entregou o melhor show do festival, de longe. Uma banda extremamente afinada, com um frontman super carismático (que durante o show tomou vinho, pulou pelo palco, arriscou algumas frases em português e defendeu os direitos das mulheres), um repertório que daria para vários shows inteiros só de hits e uma platéia totalmente entregue, atendendo a todos os comandos do maestro, fizeram uma noite memorável. Mais do que isso, após tantos anos de estrada o Pearl Jam ainda consegue passar uma sensação de frescor e tesão com a música que fazem, como se ainda fossem uns moleques tocando em alguma garagem de Seattle e não a maior banda do mundo lotando estádios por onde passam.
O setlist incluiu sucessos como Do the Evolution, Corduroy, Better Man, Black e Jeremy, e fechou com minha música favorita deles (e que nunca os tinha visto tocando ao vivo), Rearviewmirror. Uma pequena pausa, e o melhor ainda estava por vir: Vedder retorna ao palco para uma versão voz-e-violão de Imagine, de John Lennon, cantada em coro por toda a platéia, seguida da não menos poderosa Confortably Numb do Pink Floyd. Mais dois petardos de autoria própria, Porch e Alive, e um fechamento comum em seus shows com Rockin’ in the Free World do veterano Neil Young, mas incluindo uma participação especialíssima de Jack White nos solos. Um final catártico e que deixou todos no Passeio Marítimo de Algés sorrindo como bobos.
Dando a noite ganha, boa parte do público se despediu do festival por ali mesmo, mas quem ficou ainda pôde curtir apresentações do At the Drive In e do MGMT.
No meio da última noite o diretor do festival, Álvaro Covões, deu uma curta coletiva de imprensa em que foi anunciado um protocolo com a prefeitura de Oeiras que garante a realização do festival no Passeio Marítimo de Algés pelos próximos 5 anos. De acordo com Álvaro e o presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Isaltino Morais, a estabilidade trazida por esse protocolo vai permitir à organização do evento investir em mobilidade, acessibilidade, segurança e numa maior integração com o rio Tejo. Por tudo que as 165 mil pessoas presentes ao longo desse final de semana em Algés pudemos presenciar, só nos resta desejar longa vida ao NOS Alive. (E caso queira garantir seu ingresso pro ano que vem, corre porque as vendas já se iniciaram!)
Paraense radicado em Lisboa. Engenheiro, cozinheiro e cervejeiro, sem ordem específica de preferência. Viajante de vocação.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.