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O mundo atualmente tem que alimentar 7 bilhões de pessoas, e estima-se que até 2050 serão 9 bilhões. Pra dar conta de alimentar toda essa gentarada, nada mais nada menos que 50 milhões de quilômetros quadrados são dedicados à agricultura (cerca de 40% da superfície do planeta). Talvez ainda mais importante, a irrigação agrícola consome 70% da água tratada no planeta[1]. Com tantos recursos dedicados a produzir alimentos, é razoável esperar que haja um esforço para se evitar ao máximo o desperdício de alimentos.
Ledo engano. De acordo com a FAO, estima-se que até um terço dos alimentos produzidos são desperdiçados ao longo da cadeia produtiva. Isso inclui frutas e verduras que nunca são colhidas e que acabam por apodrecer, aquelas que literalmente ficam pelo caminho, vítimas de logísticas de transporte e armazenamento falhas, as consideradas esteticamente indesejáveis (e portanto não-comercializáveis) que são dispensadas, e finalmente aquelas que são compradas e muitas vezes preparadas mas que acabam nos lixos domésticos e de restaurantes, e portanto nunca consumidas. Ou seja, um enorme investimento de tempo, dinheiro e recursos naturais que é literalmente jogado fora todos os dias pelo mundo todo, ao mesmo tempo que em que aproximadamente 800 milhões de pessoas passam fome todos os dias.
Felizmente algumas pessoas estão abrindo os olhos para esse tipo de desperdício e estão tentando remediar a situação. São iniciativas pequenas, pontuais, mas que podem fazer a diferença no plano local.
Em Portugal, há dois projetos interessantes: o Refood angaria sobras de restaurantes e cafeterias e distribui para famílias carentes. A ação é dividida em 3 etapas. Existem os voluntários que recolhem os alimentos que não foram vendidos no dia e que não podem ser comercializados no dia posterior, por exemplo a sobra do cardápio do almoço ou os pães e doces que restaram nos cafés. Outros grupos se encarregam de processar e redividir essas sobras, montando “marmitas”, que são então recolhidas pelas famílias previamente cadastradas. O projeto tem crescido com muita velocidade, e hoje quase todos os bairros de Lisboa e as maiores cidades portuguesas já tem núcleos.
Já o Fruta Feia faz a ponte entre o produtores rurais e consumidores urbanos, garantindo aos últimos preços acessíveis e aos primeiros o escoamento de produtos que não teriam valor comercial simplesmente por serem, bem, feias. Seu mote: “gente bonita come fruta feia”.
Na Itália, o atual chef número um do mundo, Massimo Bottura, montou o Refettorio Ambrosiano, que alia combate ao desperdício com ação social: usando seu prestígio, Bottura leva grandes chefs para cozinhar gratuitamente para a população carente, usando como matéria prima insumos que seriam descartados por restaurantes, cozinhas industriais e mercados da cidade. Vale lembrar que Bottura, em parceria com a Gastromotiva, abriu uma filial do Refettorio no Rio de Janeiro durante as Olimpíadas, que também leva chefs famosos a cozinhar para populações carentes, embora no Brasil, por questões legais, não sejam utilizadas sobras de alimentos (aqui tem o relato da Kamille Viola sobre como é ser voluntário no Refettorio).
A questão de utilização de sobras é polêmica em várias partes do mundo, e opõe quem ache que a prática é um perigo para a segurança alimentar com outros que apontam para a imoralidade em jogar fora alimentos perfeitamente comíveis simplesmente por conta de uma legislação. Talvez o caso mais extremo dessa posição seja a do pessoal do The Real Junk Food Project.
A filosofia do TRJFP se baseia em dois paradigmas: os clientes pagam quanto quiserem, e a matéria prima são alimentos que seriam jogados fora – seu lema é “alimente barrigas, e não lixeiras”. O que começou com o chef Adam Smith em Leeds, na Inglaterra, em 2013, virou um movimento global, que hoje conta com 125 cafés pelo mundo, indo de Israel à Austrália. Somente em Leeds são 30 cafés, que processam diariamente entre 2 e 10 toneladas de alimentos que seriam desperdiçados, vindos de restaurantes, supermercados, bancos de comidas e outros.
O que talvez diferencie o TRJFP de outras iniciativas é o desprezo com que Smith trata a data de validade dos alimentos. Para ele, a necessidade de todo alimento comercializado ter necessariamente uma data de validade, definida muitas vezes de forma arbitrária, faz com que muitos alimentos perfeitamente saudáveis sejam jogados no lixo todos os dias. Assim, o TRJFP simplesmente ignora a validade e se vale da boa e velha avaliação tátil – se cheira bem e tem boa aparência, então está bom – na hora de decidir o que vai ser aproveitado. Smith tem plena consciência que servir alimentos fora da validade é ilegal, mas ele conscientemente afronta essa lei a fim de gerar um debate sobre sua real necessidade.
Finalmente, temos que mencionar o movimento dos dumpsters divers. O termo em inglês designa aquelas pessoas, normalmente jovens de países desenvolvidos, que fuçam o lixo de restaurantes e supermercados atrás de alimentos não por necessidade, mas como uma afirmação política contra a sociedade do desperdício e do consumismo.
E você, o que acha do tema? Será que não vale a pena verificar seus hábitos de consumo para garantir que não está desperdiçando bons alimentos? Seu bolso (e o planeta) agradecem!
[1] Todos os dados tem como fonte a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – FAO.
*Foto do destaque: Love Food Hate Waste NZ – Creative Commons
Paraense radicado em Lisboa. Engenheiro, cozinheiro e cervejeiro, sem ordem específica de preferência. Viajante de vocação.
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