Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
“Como fica o artista?”, perguntou o curador-geral da Bienal, Gabriel Pérez-Barreiro, aos jornalistas presentes na coletiva de imprensa que anunciava a abertura da Bienal de São Paulo. Sob o título “Afinidades afetivas”, a 33ª edição abriu no último dia 7 de setembro, e espera receber mais de um milhão de visitantes até seu último dia, 9 de dezembro. A pergunta dele se refere ao processo de produção de exposições importantes que, para o espanhol, deixa o artista de lado. Ele teve a ideia de convidar sete artistas para serem curadores de mini mostras, com título, conceito e espaço próprios (eu contei um pouco a proposta nesse texto aqui). Apesar do receio de que ficasse uma grande salada sem sentido, comprei a ideia e estava bem animado para ver o resultado. Confesso que não saí do pavilhão tão empolgado quanto entrei.
Claro que entre as 600 obras tem coisas muito, muito legais. Nessa edição senti presença mais forte da videoarte, e alguns dos destaques são desse formato. Como “The Living Room”, do holandês Roderick Hietbrink, em que uma árvore de carvalho passa inteira por dentro de um apartamento suburbano, destruindo tudo com elegância e naturalidade em uma revolta tranquila. Ou a mostra individual do guatemalteco Aníbal López, na carne da violência no país da América Central com um vídeo em que um matador de aluguel de verdade responde a perguntas do público branco-europeu-limpinho na Documenta de Kassel.
As propostas dos artistas-curadores se saíram muito diferentes entre si, o que por um lado é bom, já que permite entrar no universo de pesquisa e interesse deles. Por outro, ficou um bocado confuso e faltou unidade, contribuindo pro nhé geral. Já que as comparações são inevitáveis, o núcleo chamado “sempre, nunca”, no segundo andar, de curadoria da americana de raízes nigerianas Natasha-Wura Ogunji, reúne trabalhos e performance muito potentes e bem amarrados. O da brasileira Sofía Borges, porém, não foi tão bem sucedido em seu recorte que, pelo menos para mim, pretendia coisas demais. Acabou cansativo.
As sutilezas e o ordinário que encantam Antonio Ballester Moreno se amalgamam por uma cola invisível de grande coerência. Ele disse fofamente que “A arte não produz mais nada, não há mais deuses, somos todos criadores”. Na mostra intitulada “Aos Nossos Pais”, o espanhol nos convida para um passeio no piso térreo que vai da Escuella de Vallecas, um movimento artístico contemporâneo aos surrealistas, a obras de seu avôzinho. Já a sueca Mamma Andersson, em cartaz no terceiro piso com a mostra “Stargazer II”, imprime um discurso tão eurocêntrico na sua seleção que aparece um pouco empoeirado no contexto. Ela, aliás, levou um chega-pra-lá de Natasha-Wura na coletiva de imprensa. Quando uma repórter perguntou se não havia um excesso de obras de homens, a sueca disse que achava a pergunta impertinente e que queria ser vista como uma artista independentemente de seu gênero. Natasha deu uma discreta voadora, reconhecendo a importância do questionamento e dizendo que para ela a arte tem que se posicionar sim. Da discordância pública se nota o problema de falta de sintonia da Bienal como um todo.
De maneira geral, essa edição pareceu papo de artista com artista para artista, um ônus da liberdade criativa que Barreiro quis experimentar. Mas por ser tão inovadora, e por enfileirar trabalhos que realmente merecem nosso tempo, a Bienal de Arte de São Paulo é sempre um must-see (nem que seja para sair com a sensação de que não deu tão certo quanto todo mundo gostaria).
33bienal/sp
afinidades afetivas
7 set – 9 dez, 2018
entrada gratuita
ter, qua, sex, dom e feriados: 9h – 19h (entrada até 18h)
qui, sáb: 9h – 22h (entrada até 21h)
fechado às segundas / entrada gratuita
Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Parque Ibirapuera
*Foto capa: The Living Room (A Sala de Estar) – 2011 – de Roderick Hietbrink. Cortesia do artista / Coleção Stedelijk Museum Amsterdã.
Excelente o artigo, parabéns! Acho que tanto Mamma Anderson quanto Wura, apesar de motivadas por questões diferentes, foram extremamente autênticas em suas propostas. Não me incomodou o fato das exposições não conversarem entre si. Na verdade, teria achado mais interessante se os artistas-curadores jogassem com ainda mais liberdade e distanciassem ainda mais as propostas umas das outras. Gostaria de saber a sua opinião sobre a exposição de Cesarco.
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.