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Cheguei em Miami na véspera da passagem do furacão Irma. Foram dias tensos e mergulhados em reflexão. Compartilho com vocês um breve diário que fiz dos meus dias e de como me senti em cada um deles.
Por volta das cinco da tarde, aterrissei em Miami no último voo que vinha da Europa. Depois da chegada do nosso voo, o aeroporto seria fechado e só voltaria a funcionar depois da passagem do furacão Irma. Eu olhava em volta e não via ninguém com o “modo férias ON” no rosto. Conversa aqui, conversa ali… descobri que o casal idoso na fila do embarque era inglês e ia ao encontro da filha, e o senhor sentado ao meu lado tinha a esposa com o parto marcado e o esperava no hospital. Isso reforçou a minha impressão de que não havia turistas a bordo.
Chegando em Miami, encontrei um cenário fantasmagórico. O aeroporto completamente vazio e no controle de passaporte apenas dois agentes e um policial federal para o controle de bagagens. Um ou dois táxis no desembarque e um silêncio constrangedor. Fui recebida pelo meu marido e filho, com quem vivo em Miami.
No caminho do aeroporto para casa, em um trajeto que dura aproximadamente quinze minutos, já se notava o clima tenso. De cara lá estavam dois acidentes de carro. Os últimos supermercados, fast food e lojas de conveniência encerrariam as atividades depois das 20h. E só recomeçariam…?? Ninguém sabe. Detalhe: há dias que não havia água nas prateleiras dos supermercados e gasolina nos postos. A preocupação no rosto dos que ficaram era visível.
Não somos viciados nesse tipo de adrenalina, e a decisão de ficar não foi baseada em aventura. Foram os fatores práticos que pesaram na hora de decidir. Por estarmos em uma área alta da cidade, bastante arborizada (o que diminui o impacto dos ventos) e o nosso condomínio ser certificado contra furacões, fez mais sentido ficar.
O kit conservas, o kit água, geladeira cheia de gelo, power banks, jogos, velas já estavam preparados.
Chegando em casa, assistimos ao canal da previsão do tempo. Fizemos piada do nosso vizinho que não guardou nada do jardim. Nos debatemos com a questão de que se ele seria sossegado ou experiente. Já sentíamos o nervosismo do clima. Fomos dormir.
8h da manhã
Acordamos com o jornal confirmando que Irma estava em Cuba e aos poucos se aproximava de Miami. Sua proximidade já havia desalojado famílias em Miami Beach e Brickell. Os primeiros pingos começaram a cair por volta das 6h da manhã e rapidamente se transformaram em gotas gordas, pesadas e barulhentas. Toda a manhã foi acompanhada por chuva forte e ventos que oscilavam. O vizinho finalmente resolveu proteger o barco e recolheu suas cadeiras e mesas do jardim. O vento ficava mais forte a cada hora e fazia as árvores dançarem sincronizadas.
Do tamanho da França, e com ventos entre 150-220km/h, o Irma chegou. Enorme e furioso, soprava todo o seu desconforto relativo ao desrespeito com que os oceanos e o ar são tratados por nós. O barulho do vento era muito assustador, parecia alguém muito poderoso tentando falar algo. Levou o telhado do nosso outro vizinho, derrubou fios de alta tensão e expulsou os pássaros e roedores das árvores e o ritmo das árvores dava lugar à violência que as chacoalhava. Isso continuou pelas doze horas seguintes.
Nós claramente subestimamos a proporção da força da natureza. Acordamos com a dúvida ingênua se já havia passado e que com sorte iríamos até a praia. No jornal informavam que Miami Beach, Brickell e Centro estavam completamente inundados e sem eletricidade. Nesse momento entendi o tamanho da nossa sorte: até então tínhamos eletricidade e internet, para tranquilizar familiares e amigos e saber o que estava acontecendo. O vento seguiu extremamente forte e a chuva contínua. Após vinte e quatro horas sem sair de casa, as opções para manter uma criança de 4 anos feliz já não são muitas.
Irma atingiu seu pico na nossa vizinhança e deixou o nosso bairro sem eletricidade pelas dezesseis horas seguintes. Internet também já era. Ficamos os três incomunicáveis, recém imigrados, e tentando não entrar em pânico. Dois adultos e uma criança que, na verdade, passam a ter o mesmo tamanho: a vulnerabilidade se impõe a todos da mesma maneira. Foi um momento difícil mas muito educativo.
Acordamos e já não havia chuva nem vento. Irma passou. Ainda sem eletricidade e internet em casa, resolvemos sair caminhando pelo bairro. Muitas árvores foram arrancadas pela raiz, interditando boa parte das ruas. Todos os comércios estavam fechados e as poucas pessoas que tiveram a mesma idéia que nós olhavam com um certo desânimo para a conta que o maior furacão dos últimos noventa anos teria deixado. Na caminhada fomos surpreendidos por uma brisa muito fresca com cheiro de madeira e natureza, e gerou uma sensação muito boa apesar da percepção da fragilidade. Olhando para o que foi destruído, Irma mostrou uma fotografia real da mudança climática. O furacão foi muito específico com o que veio comunicar: precisamos assumir o planeta e nos responsabilizar pela natureza.
*Foto capa por Time.
A Priscilla escolheu como mantra a frase de Amyr Klink: "Pior que não terminar uma viagem é nunca partir". Adora mapas e detesta malas. Não perde uma promoção ou um código de desconto e coleciona cartões de fidelidade. Nas horas vagas é diretora de arte, produtora de festas, dj e coletora de lixo nas ruas de Amsterdã. Escreve aqui e no www.almostlocals.com
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.