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São Paulo é referência nacional de gastronomia por conta da pluralidade de ofertas e a velocidade com que as novidades aparecem. O mercado de restaurantes pode ser bastante cruel, forçando muitos grandes nomes a fechar as portas precocemente por conta de dificuldades financeiras. Mas em um cenário tão dinâmico e competitivo, alguns estabelecimentos se mantêm firmes como marcos da história da cidade. São lugares que enfrentaram todo tipo de crise, golpes de estado, planos e mais planos econômicos, e continuam lá, firmes e fortes, servindo os pratos clássicos que são a cara de Sampa.
O jornalista Rafael Tonon se juntou à chef badalada Janaina Rueda para desvendar o que faz de um restaurante tão bom que ele dure por mais de 50 anos. O resultado dessa pesquisa virou o livro recém-lançado 50 Restaurantes com Mais de 50, que traz curiosidades e boas histórias sobre esses estabelecimentos, que com gestão cuidadosa e excelência em seus serviços, tornaram-se patrimônios incontestáveis da cidade. De cantinas italianas a restaurantes armênios, de feijoada a steak tartare, a obra ressalta a importância da imigração na formação do paladar do paulistano e dos brasileiros. E, como não poderia deixar de ser, o livro traz ainda uma receita icônica de cada casa. 50 Restaurantes com Mais de 50 é uma homenagem à boa comida com uma pitada de tradição: o tempero especial desta obra.
Batemos um papo com o Rafael para descobrir um pouco mais sobre o livro:
A ideia nasceu a partir de uma reflexão sobre a atual obsessão da gastronomia pelo numeral 50: a lista mais influente de restaurantes do momento, elaborada pela revista inglesa Restaurant, elege 50 deles ao redor do mundo. Mas os melhores restaurantes são aqueles que figuram em uma seleta (e impossível) lista de 50 ou os que há 50 anos continuam abertos, servindo bem sua fiel clientela? A partir desse pressuposto, começamos a levantar os restaurantes de SP que tinham 50 anos ou mais. Para nossa surpresa, nessa apuração (que reuniu leitura de guias antigos, jornais, conversas com donos de restaurantes…) encontramos mais de 50: era um sinal! A partir disso, começamos a visitar essas casas para comer e ficamos felizes com o que encontramos. Daí para o livro foi um passo (longo, é verdade, de três anos de trabalho). Nossa intenção era contar a história da gastronomia de São Paulo a partir da história de cada um desses 50 restaurantes que selecionamos. Eu brinco que o livro é um quebra-cabeça dessa história gastronômica da cidade (uma das mais representativas do mundo, aliás, quando falamos de comida): quando você termina de ler os 50 textos, tem uma boa ideia de como a restauração paulistana começou e se desenvolveu. Era esse nosso objetivo.
Pois é, vivemos em tempos que o que é mais valorizado é a novidade: o chef acabou de abrir e o restaurante enche logo nas primeiras semanas. Nas seguintes, nem sempre seguem com esse fluxo, o que é um problema grande para alguns – que não conseguem seguir adiante com a baixa de público, que invariavelmente acontece. Muitos fecham nos primeiros anos de vida. Do outro lado, São Paulo é uma cidade que preserva pouco sua memória, o que é uma pena. E isso acontece com os restaurantes também, claro. Acho que o que manteve esses restaurantes abertos por tanto tempo foi o fato de terem sua autenticidade muito bem representada, o que ajudou a conquistar os primeiros clientes e se propagar pelo boca a boca, ganhando mais clientes. Muitos deles são, mais do que antigos, restaurantes saudosos, um refúgio para comer de forma confortável, uma lembrança daquele nosso passado mais afetivo, quando sair para comer era mais um programa em torno da família e das pessoas do que dos pratos e de quem os cozinhou – embora a comida fosse importante. Sempre foi, e sempre vai ser, claro. Não era preciso chefs renomados, arquitetos assinando os ambientes, storytelling, conceitos. A comida era boa, o garçom sabia o nome do pai, a gente pagava a conta e ia embora, sempre satisfeitos. Eles seguem assim, ainda que muitos tenham buscado se atualizar aqui e ali. Os novos clientes são esses que querem essa sensação em detrimento aos “menus elaborados”, ao “gourmantismo” que tomou conta da gastronomia de uma maneira geral. Espero que o livro traga novos clientes para essas casas, que ainda continuam desconhecidas para muita gente.
Essa é uma questão, sim. Muitos deles ficaram muito presos a seus conceitos. Outros, como disse, tentaram se modernizar, atualizar algumas coisas, de olho nas mudanças dos tempos. Acho que a maioria das pessoas que vão a essas casas querem exatamente isso: tradição. Até mesmo os que se atualizara o fizeram seguindo esse pressuposto: manter as raízes acima de tudo. Acho que pode, sim, ser um problema para alguns, claro, mas vejo como uma boa característica para muitos.Tenho observado uma maior atenção a essas casas , por parte de clientes, da mídia especializada, das redes sociais. Defendo que estamos vivendo uma (re)valorização desses estabelecimentos mais tradicionais. Isso principalmente “lá fora”, em cidades como Paris, Nova York, etc. Eles voltaram a ser cool, atuais, interessantes: é só olhar para casas como o Katz’s Delicatessen e o Russ & Daughters, em Nova York, por exemplo – para ficarmos apenas numa rua de uma mesma cidade. São lugares que voltaram a ser ainda mais celebrados. E acho que vamos ter uma onda ainda prolongada desse movimento tradicionalista na gastronomia. Também torço por isso.
Nossa, são tantas, que é difícil compilar aqui. Gosto de uma boa de uma confeitaria da Mooca, a Di Cunto, cujo fundador, Donato, chegou aqui bem novo, e por engano. Saído da Itália, seu objetivo era parar em Montevideo, onde a mãe tinha parentes, e tentar ali na cidade uruguaia uma vida nova. A recomendação da mãe era que descesse no segundo ponto – o primeiro seria o porto de Santos. Mas um problema no navio obrigou a tripulação a fazer uma parada de emergência em Recife. Contando o segundo ponto, o garoto desceu em Santos para ficar. Quando se deu conta do equívoco, era tarde para voltar, e inclusive avisar a mãe. Teve que ficar e, no Brasil, começou uma história que passa de 80 anos. O livro tem vários exemplos assim, de imigrantes e empreendedores que começaram a vida aqui abrindo restaurantes. Há outras, mas cabe ao leitor ter que achar a que mais gosta (risos).
Outra pergunta difícil, impossível responder como definitiva. Tudo depende do clima, do que estou com vontade comer. Restaurante é assim, aliás: a gente vai naquele que a vontade está pedindo aquela hora, seja pra comer um prato específico, seja por um ambiente acolhedor. Agora, escolheria o Tatini, que reune essas duas coisas. Pediria um steak à Diana, o paillard de mignon flambado no conhaque e com molho caprichado feito pelo garçom na mesa, à vista do cliente, um show bonito e raro de se ver em outras casas em São Paulo. Mas isso hoje, amanhã talvez quisesse comer fusilli com braciola da Capuano, a cantina mais antiga do Bixiga, ou enfrentar um rodízio de delícias “árabes” no “Almanarão”, como é conhecido a matriz do Almanara no Centro da cidade… A vontade é que ia decidir por si. Eu, como sempre, só trataria de obedecê-la. Melhor não contrariar…
50 Restaurantes com mais de 50
De Janaina Rueda e Rafael Tonon
Fotografias de Helena de Castro
208 páginas
Preço sugerido: R$ 89,00
* Foto destaque: Di Cunto
Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.