Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Dez anos de história, quatro palcos, uma nova área com cinema, palco para bate-papos com Henry Rollins como um dos convidados e um restaurante estrelado servindo menu degustação. No line-up Morrissey, PJ Harvey, The Libertines, Grace Jones. Esse é o Way Out West, provavelmente um dos festivais mais hipster do mundo.
O Way Out West foi meu 10º festival de música do ano. A pergunta que eu mais ouço é: qual seu festival favorito até o momento? E o melhor show? Duas perguntas bem difíceis de serem respondidas, pois festival é uma junção de coisas, do line-up às pessoas com quem você está, da locação à organização. São vários fatores que compõem um bom festival e o que eu posso dizer após essa 10ª experiência é que o Way Out West está na lista dos melhores em que estive em 2016. E choveu. E não foi pouco.
O Way Out West coleciona motivos para visitá-lo. É extremamente bem organizado, apostas em artistas pop e outros dos quais você nunca ouviu falar (mas você vai gostar deles), os palcos são cercados por grandes árvores, ousa ao optar em ser 100% vegetariano, é um festival verde, sustentável, abraça cinema e agora passou a ter talks, que trouxeram discussões sobre refugiados, meio ambiente, Cowspiracy, bike, produção musical e feminismo.
Nenhuma marca assina seus palcos, afinal a curadoria é deles, mas o festival ajuda a criar uma presença que faça diferença para o público (ou esse parece ser o briefing). O jornal Metro distribuía capas de chuva, a companhia de energia elétrica disponibilizou carregamento de bateria de celular, a Samsung colocou um celular gigantesco com a agenda atualizada, além de oferecer experiências de realidade virtual, e a SJ, empresa de trem, distribuiu café quentinho.
O Way Out West acontece no imenso parque Slottsskogen, no meio de Gotemburgo, a segunda maior cidade sueca. Isso significa que ele pode crescer bastante ainda. Não tem camping, então as pessoas aparecem todas lindas, estilosas, maquiadas, cabelo perfeito e montadas como se não tivesse feito nenhum esforço, carregando a tradicional mochila Kånken. Metade do festival tinha uma nas costas, incluindo eu.
A estreia da nova série do Netflix, The Get Down, foi feita no festival com transmissão do primeiro episódio, acompanhada de uma festa de arromba no nível da série. As lendas do hip-hop De La Soul e Talib Kweli e o beatboxer Reeps One foram os convidados de honra. Se você já veio na Suécia, deve saber quanto o hip hop é popular por aqui. Então tente imaginar quanto essa festa foi épica. Quem se aventurou pelas telas do festival, pode assistir “Born to Blue”, com Ethan Hawke, que conta a história de vida trágica do Chet Baker, e até o documentário brasileiro Waiting for B., filme que mostra o dia-a-dia dos fãs da Beyonce, que acamparam por dois meses em frente ao estádio onde ela se apresentaria.
O primeiro dia do festival chegou ensolarado, surpreendendo os suecos, que reclamavam que o verão foi bem meia-boca esse ano. E constatação: os suecos são de fato maioria no festival. Quase 90%. Ou mais. Raramente se ouve outro idioma que não o sueco.
Uma ampla área de alimentação com opções mexicana, tailandesa, coreana, japonesa, francesa, italiana, sueca e, claro, muito hambúrguer, mas todos vegetarianos. Hambúrguer de milho, de lentilha e outros ingredientes. Inclusive, os vegetais confundiram meu amigo, que achou que tinha comido uma carne suculenta, e passou um dia em choque ao descobrir que tinha mesmo ingerido um bom veggie burger. A rede MAX, uma espécie de McDonald’s sueco, tinha a maior lanchonete do festival. Atendimento feito em terminais eletrônicos, onde você poderia escolher sua opção de hambúrguer vegetariana ou vegana. Barato, saboroso e concorrido. E ainda tinha uma marca que distribuía gratuitamente milho assado com maionese. Entrei na fila 3x. O único problema, como bem sinalizou meu amigo João, era você ter sempre a impressão que não pegou a melhor opção porque não sabe ler sueco. A fila do café era sempre maior do que o da cerveja. A segunda fila mais concorrida era a de churros. A terceira era para dar um tapa no visual na tenda da Asos.
O restaurante Agrikultur, baseado em Estocolmo, montou uma tenda com uma bela churrasqueira com legumes na brasa disponíveis para quem quisesse pegar. Já quem quisesse experimentar sua cozinha, era necessário reservar uma mesa com antecedência para degustar 5 pratos, todos vegetarianos. Como sugere o nome, o restaurante é baseado em ingredientes orgânicos, sustentáveis e somente de produtores locais.
Sucos naturais, sucos à base de leite ou soja, café expresso, café coado como opções para quem não queria algo não alcóolico. Água é distribuída gratuitamente. Era só ir num container, pegar sua garrafa e enchê-la à vontade. Já quem queria mesmo ser abduzido pelo álcool, as opções eram generosas (mas nada baratas). Além da cerveja patrocinadora do festival, um bar de cervejas artesanais, vinhos tinto e branco extraídos diretamente de uma torneira, e um bar exclusivo de coquetéis e outro de cava. Era só ir lá, escolher sua garrafa, pegar as taças e ir ostentar com os amigos deitados em almofadões gigantes espalhados pela grama em volta da pista de música eletrônica, a única que permitia entrada de drinks.
Diferentemente de vários festivais, o Way Out West não vende ingresso “vip” (afinal vip não se vende, não é mesmo?), mas tem uma área vip de fazer inveja pra muita gente. A tal área, chamada de vip, só dava acesso à convidados e imprensa (só por isso eu estava lá), foi montada em volta de um lago cercado de mesas, cadeiras e sofás, contornando-o de ponta a ponta. Por ali se misturavam celebridades, sub-celebridades, artistas que tocariam no festival e jornalistas. A área não dava acesso a nenhum palco a não ser o dela mesmo, onde um DJ animava a pista durante o dia todo. Como tivemos dois dias de chuva, a área vip ficou lotada na maior parte do tempo. De repente, você estava pegando uma cerveja e ao seu lado estava o José Gonzalez ou a banda do The Tallest Man on Earth.
O grande problema do Way Out West é conseguir guardar energia para sua ótima programação noturna, o Stay Out West. Fomos capazes apenas esticar para ver Bob Moses. Nos dias seguintes perdemos uma lista interminável, que contou com show do Tim Hecker, William Basinski e Hauschka numa igreja, além de Talib Kweli, The Internet e Aluna George.
Nos palcos, um bom mix de estilos. No primeiro dia tivemos o animado M83, que tocou músicas de seu novo álbum Junk, incluindo as 3 canções com a cantora Mai Lan ao vivo, e seus grandes hits do álbum Hurry Up, We’re Dreaming. Já o rock’n roll do The Last Shadow Puppets sofreu um pouco com Alex Turner, que parecia estar em outro planeta, que não o mesmo onde estávamos. Salva de palmas para o Miles Kanes, que segurou bem o show até o final para uma plateia murcha. Chvrches, que eu nunca tinha assistido ao vivo, surpreendeu com a presença marcante (e segura) de Lauren Mayberry. Ela tem um ótimo senso de humor e tirou várias risadas do público ao longo do show. A sensação ao final foi “por que eu nunca prestei atenção neles?”, mas a resposta veio rápida “eles são bons em estúdio, mas ao vivo, são muito mais incríveis”.
Quem esperava por um bom show da banda Daughter também não se decepcionou, mas o palco Line, onde ela tocou, foi mesmo de Chelsea Wolf, que parecia uma musa gótica saída da Família Adams. Fez um show de impacto com suas melodias soturnas, que se misturam às vezes com guitarras pesadas e sussurros ao fundo, num verdadeiro espetáculo neo-gótico. Ao nosso lado, alguns metaleiros batiam o cabelo. Foi a surpresa do dia! Por favor, ouçam Chelsea Wolf e, se puderem, vão ao show dela. O grande headliner foi Morrissey, que provavelmente se sentiu em casa por estar num festival completamente vegetariano, soltou alguns discursos, tocou “Meat is Murder” e “What She Said”, do Smiths e agradou aos fãs presentes.
Já o segundo dia chegou com o prenúncio de chuva da abertura ao fechamento dos portões. Mesmo tendo ido à vários festivais, esse foi o meu primeiro na lama. Mas descobri que nada como investir em boas galochas e uma ótima capa de chuva. Foram os R$ 400 mais bem gastos da minha vida. Se tem uma coisa que sueco faz bem é esbanjar estilo, então feio não dava para passar. O dia começou com o José González tocando praticamente em casa, mas no menor palco do festival. E os suecos amam ele. Às 12h uma fila imensa de pelo menos 20 minutos de espera enchia a entrada do parque para vê-lo. Lotou, todo mundo cantou junto, se emocionou. Literalmente “prata da casa”. E é bonito ver esse amor pelo que é “nosso”.
Um dos maiores destaques do dia foi o show de Kamasi Washington e sua jazz band. Que show! Oito pessoas no palco e plateia lotada. Uma hora de animação cheia de groove & funk. É o cara que faz jazz até para quem não gosta de jazz. O Floating Points nos surpreendeu num show no meio da chuva, que não inibiu o público, acompanhado de uma banda completa. Grace Jones deixou o público impaciente com um atraso de vinte minutos, que se dissipou com sua entrada majestosa trajada numa máscara dourada de caveira. A musa de 68 anos continua poderosa, sexy e provocante. Eu queria dar apenas uma espiada, mas não conseguia sair.
The Tallest Man of Earth é uma grande estrela em seu país e é merecido. Fez um show lindo de morrer em horário nobre antes do The Libertines, que se apresentaria na quinta, mas teve o show postergado para sexta (alguma surpresa até aí?). É bem claro que a banda voltou por grana e era por ela que estava no palco. O rock’n roll rolou solto, mas sem a força de outrora. Pete, com grandes olheiras vermelhas, pulou de um lado pro outro, jogou um violão no público, mas não convenceu. Preferi ir guardar um lugar no gargalo para ver a PJ Harvey, que para mim fez o show mais bonito e intenso de todo o festival. Esse foi seu 3º show que assisti nos últimos 3 meses, mas o primeiro de perto, com completo silêncio à minha volta e foi surreal. Que o show é lindo, todo mundo já sabe, mas impossível não assistir e pensar na trajetória dela e ver onde ela chegou como artista. Das 11 músicas do álbum The Hope Six Demolition Project, ela tocou 10. Das antigas, o brinde veio com Down the Water (onde estávamos literalmente) e To Bring You My Love. É com certeza um dos melhores shows que vi este ano. Saí completamente emocionada.
A chuva parecia ter dado uma trégua no terceiro dia, pelo menos no início dele. A agenda estava concorrida e foi um corre pra cá e pra lá. Começamos com o islandês Ardur, num show de r&b com um bom apelo pop. A conclusão que chegamos é: esse cara vai estourar. No mesmo palco vimos também a inglesa Nao, que promove um encontro entre o soul e a música eletrônica, com uma presença de palco poderosa. É outra que tem tudo para estourar.
A surpresa veio com o multi-instrumentista, cantor e compositor Jack Garratt, que colocou a galera no colo ao fazer tudo ao mesmo tempo durante uma hora de show. Já o Descendents tinha uma grande plateia à sua frente, mas tiveram azar do baixo quebrar logo no início do show, provocando uma longa espera. Quando finalmente resolveram o problema, mostraram uma energia absurda no palco, como se a banda tivesse parado no tempo. Foi o show perfeito para curtir em roda, bater cabelo e dançar.
O Jamie XX transformou um dos palcos principais em uma grande pista de dança. Mas esse foi o dia de Massive Attack, que fez um show denso, abrindo com United Snakes e fechando com Safe from Harm, a única tocada do aclamado álbum Blue Lines. O show é marcado por um suntuoso projeto de luz num grande telão de led aos fundos do palco. O ativismo está presente quase o tempo todo. Young Fathers entra no meio do show para três músicas, mas a emoção vem mesmo com a lenda Horace Andy cantando a bela Angel. Não consegui manter minha atenção na S.I.A., que fez um show totalmente plástico com suas bailarinas perfeitas dançando como em seus clipes, enquanto a cantora fica o tempo todo num canto como se fosse uma escultura. O soco no estômago já tinha vido com o Massive Attack e era a hora de juntar os cacos que restaram para retornar para casa.
Não teve lama e perrengue que tenha tirado qualquer brilho do festival. Quem curte um festival extremamente organizado, bonito, line-up escolhido a dedo, pode colocar o Way Out West 2017 na agenda, pois ele vale cada centavo de coroa gasta.
*Foto capa: PJ Harvey por Annika Berglund / Way Out West
**O Way Out West foi um dos escolhidos para projeto Volta ao Mundo em Festivais de Música, patrocinado pela KLM Brasil, que faz parte do SkyTeam e oferece voos para 1.052 destinos em 177 países. #fly2fest
Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.