Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Quando chamamos a Gaía para colaborar com o CoP, sabíamos que ela tinha muito mais a oferecer que boas histórias. Ela sempre foi uma grande fonte de inspiração: entende tudo de música, conhece metade do mundo, tem opiniões fortes e sensatas sobre assuntos espinhudos, e é uma simpatia que não acaba. Com uma bagagem dessas, mal conseguia me conter para ver sua nova empreitada. Nasceu na semana passada seu primeiro livro ‘Mas você vai sozinha?‘.
O próprio título já entrega que o assunto não é fácil. Encarar o mundo sendo mulher, em tempos tão complicados como os atuais, não é tarefa para qualquer uma. Mas a Gaía é uma eterna destemida, e colhe de cada viagem dela uma história nova, das mais divertidas às mais íntimas e doloridas. É difícil não se envolver com suas andanças, e não desejar ver o mundo com os olhos dela, tão observadores e sensíveis. A gente aproveitou o lançamento do livro para bater um papo com ela:
1- Todas as histórias você viveu em passados recentes ou mais distantes, mas imagino que a maioria, quando aconteceu você nem tinha expectativa de colocá-las em um livro. Agora, revivendo cada uma de forma tão intensa, você acha que teu entendimento delas muda? E acha que as próximas vão ter um outro olhar e uma outra forma de experimentá-las?
Ah, muda sim! A ideia do livro era coletar as histórias que já tenho, algumas publicadas e outras não. Eu achei que ia usar umas cinquenta histórias (juro), mas encontrar as histórias que funcionam no livro, as histórias com as quais a leitora ou o leitor vão se identificar, isso foi mais difícil. Teve história que caiu em cima da hora porque escrevendo eu não conseguia dar sentido. Tem muita historinha que funciona bem como anedota de bar, ou como reportagem, ou post de blog, mas não funciona no livro. A gente (eu e a editora) também queria que houvesse um recorte comum, pro livro ter sentido mesmo quando não estou viajando sozinha, então todas as histórias são essencialmente sobre o que se passa comigo em determinada situação ou lugar. Uma outra coisa importante é que ter outras pessoas mexendo nas histórias comigo (editora, revisoras, ilustradora) foi um exercício e tanto, porque nem sempre o que você escreve é o que o outro entende e isso me fez ver as histórias pelo olhar delas.
2- Você fala muito que viajar sozinha é uma forma de adquirir auto-conhecimento. Mas hoje, com internet, instagram, skype, é bem difícil estar realmente sozinho. Acha que é possível ainda viver esse aprendizado tão precioso? Como fazer para dosar a solidão com o contato digital 24/7?
Cortando o contato com o digital 24/7. Não tem outro jeito. Tem que parar para olhar em volta, respirar. O tal do ócio criativo. Não só na viagem, mas no dia a dia. A gente vive de uma forma que não consegue mais concentrar para ler um livro inteiro! Eu faço esse exercício de desligar sempre, não durmo com telefone no quarto, não entro na neurose de ter que ter plano de dados a cada viagem. Agora, sharing is caring, e também é muito legal, quando estamos na estrada sem companhia, ter a pessoa amada, ou a família ou os amigos, a uma tela de distância. Como tudo na vida, tem que dosar. Um jeito de pensar se você está exagerando na conectividade é tentar lembrar do que você viu ao longo do dia. Se suas lembranças são as mesmas que você postou no Instagram, talvez seja hora de desligar um pouco e ir olhar a paisagem sem pensar na foto.
3- O livro fala bastante sobre a mulher sozinha em vários lugares do mundo, com diferentes culturas. E no mesmo ano que estamos discutindo tanto do papel da mulher na sociedade, também temos notícias horríveis como as turistas argentinas assassinadas no Equador. Além da segurança física, existem outros aspectos a se programar para uma mulher viajar sozinha? O que se pode fazer para que as mulheres desbravem o mundo em pé de igualdade com os homens no futuro?
Uma coisa importante é lembrar que esse pé de igualdade está muito mais longe em algumas culturas do que em outras. O principal (e falo isso sempre) é se informar, prestar atenção. Onde você está indo? Como é por lá? Do que você vai precisar? Uma mulher bem informada e atenta é uma mulher preparada pra enfrentar possíveis perrengues. Não sei se um dia a gente vai estar em pé de igualdade com os homens em todo o mundo, acho que não na minha geração, mas penso que uma forma de avançarmos é enxergando e assumindo quais são nossos problemas hoje. Porque os problemas de uma também são problemas da outra. Quando mulher se junta é imediato: todas têm uma história pra compartilhar. E quando a gente entende isso, que a gente não está sozinha no mundo, existe um poder. Viajando eu entendi que mulher se ajuda, mulher tá junta. Então viajar sozinha pode parecer algo fútil perto de tantos outros problemas diários e reais que a mulher enfrenta, mas se isso nos ajuda entender e assumir seu lugar no mundo, já vale.
4- Tuas histórias são tão ricas e envolventes justamente porque não envolvem necessariamente cenários paradisíacos, gastos nababescos e eventos extraordinários. Contam experiências reais, com pessoas comuns em situações cotidianas. Você acha que esse exibicionismo maluco que vivemos pode estragar o prazer de viajar?
O exibicionismo está em várias coisas, viagem é só mais uma delas. Mas cada um exibe o que quiser, né? Eu sou livre pra não seguir, ainda bem! O que acho que tira o prazer se viajar é a necessidade de julgar tudo e competir em tudo. Isso é um saco na vida e na viagem também. Agora, essas experiências reais que você falou, é um pouco o que me fez querer escrever. Tudo bem que literatura é escapismo, mas travel writing é não-ficção e ao ler alguns dos meus escritores de viagem preferidos (como o Paul Theroux) sempre me deixa com aquela sensação de que “porra, isso nunca vai acontecer comigo” porque sou mulher, e viajar como mulher é diferente de viajar como homem.
5 – Inevitável perguntar isso: quais são os lugares e histórias que você guarda com mais carinho?
A do xamã peruano, em Cusco, que escrevi no avião voltando pra casa. É a história que mais toca algumas pessoas, e acho que isso acontece porque o assunto independe de locação exótica: essa dor de coração partido é uma coisa que todo mundo que ama já sentiu. Gosto dela porque quando publiquei no blog a resposta foi muito imediata, acho que foi a primeira vez enquanto escritora que achei que as pessoas entenderam. E a historinha do Tinder date em Veneza, porque é o oposto da história de Cusco: é uma mulher tomando o controle da própria situação. Agora, fora do livro, e dentro desse assunto de sororidade, teve uma vez que me perdi na região do bazar de Trivandrum, na Índia. Quanto mais eu andava, mais perdida eu ficava. Tava na cara que eu era turista e tava meio assustada. Uma hora uma mulher saiu de dentro de uma lojinha, me pegou pelos ombros e disse “você está perdida, vou te ajudar”. E ela me levou (de mãos dadas!) até a saída do bazar, se despediu dizendo “só seguir em frente, ali é onde ficam os outros turistas”. Não é como se eu estivesse numa situação altamente perigosa, mas essa mulher entendeu o que eu precisava, mesmo sem eu pedir, e me guiou. Nessa mesma viagem teve outra mulher que desceu comigo do ônibus e me levou até a porta do hotel. A Índia é um país muito complicado, mas também muito gentil. As indianas sobrevivem porque se ajudam. É um país fantástico e é para onde mais tenho vontade de voltar.
Não deixe de conferir o livro, e também de acompanhar o dia-a-dia da Gaía no How to Travel Light.
Foto do destaque: donttouchmymoleskine.com
Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.