Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Domingo de sol em Copacabana, com temperaturas altas em pleno inverno olímpico. O famoso calçadão vive seus dias de glória, enquanto uma enxurrada de turistas, brasileiros e gringos, lotam as ruas da Cidade Maravilhosa, enquanto os olhos do mundo estão voltados para as competições esportivas. Mas especificamente nesse último fim de semana, a paisagem estava um pouco diferente, com uma escultura além daquela conhecida com os cinco aros. Toda feita de gelo, a palavra LEGADO derretia aos poucos até se desfalecer por completo. Parecia mais um trabalho da artista canadense Nicole Dextras – mas descobri que foi um ato do grupo Herdeiros de Que?, que fez tudo de forma independente. A mensagem é forte e clara: o que vai sobrar para os cariocas, e para os brasileiros, desse evento de magnitude planetária? Será que vamos ganhar mais do a nossa cansada auto-estima? Teremos uma mudança verdadeira na forma de pensar uma das cidades mais icônicas do mundo, em sua preservação, mobilidade e ecologia, ou morreremos na praia cheia de lixo da Guanabara?
Os Jogos Olímpicos estão ganhando cada vez mais a fama de ser um grande Cavalo de Tróia. O presente de ser nomeado para sediar os jogos, pelo que se pode ver pelas últimas edições, pode ser um tiro no pé. Tanto é que muitas cidades, que antes ansiavam pela chance de receber o evento, agora pulam fora geralmente por decisão da própria população. É o caso, por exemplo, de Oslo, Estocolmo, Munique, Davos, Boston, Hamburgo, Cracóvia e Lviv. O principal motivo para isso é o investimento nababesco exigido para comportar tantos equipamentos esportivos, atletas, turistas, e ainda gastos com mídia. Mas não é só isso. Muitas cidades não concordam com as regras esquivas do COI, e algumas não vêem contrapartidas suficientes para todo o mise-en-scène.
Para piorar a imagem helênica do maior evento esportivo do mundo, nos últimos meses, muitos sites de notícias aproveitaram a comoção atual e começaram a divulgar imagens da situação das instalações de várias cidades que sediaram os Jogos. Mesmo cidades que subiram no pódio recentemente hoje lidam com cenários desoladores. Atlanta, Sarajevo, Atenas, e até a arrojada Pequim não conseguiram espantar o fantasma olímpico conforme passam os anos.
Tudo bem, as Olimpíadas de Sarajevo (de inverno) aconteceram em 1984, e desde então a cidade passou por uma das piores guerras do mundo ocidental da nossa época, então não tinha nem como ser diferente. Mas, outros casos chocam. Atlanta foi sede há só 20 anos, e nesse meio tempo já demoliu um estádio inteiro, para colocar um estacionamento no lugar. A pira foi tirada de perto da Vila Olímpica, e foi deixada à beira de uma estrada qualquer.
O governo grego deu de louco com as acusações de estourar o orçamento em 15 bilhões de euros na preparação para as Olimpíadas de 2004, em Atenas. Na época, acho que eles ainda não estavam muito preocupados em pagar os ‘pequenos’ empréstimos do FMI, né? E o pior é que o investimento foi todo jogado fora. O plano inicial era transformar toda a Vila Olímpica a partir de um grande plano de financiamento de habitação, criando um novo bairro. Milhares de famílias se inscreveram, mas o projeto minguou e nada foi feito. Resultado: instalações abandonadas, mato crescendo, ferrugem, tinta descascada e muito lixo por todos os lados.
O caso de Pequim é ainda pior, visto que a cidade foi sede há apenas 8 anos. O parque onde aconteceram os esportes aquáticos como caiaque está com as águas poluídas. A chamada ‘área verde’ parece mais o Velho Oeste dos filmes. O estacionamento em volta do estádio de ciclismo, hoje fechado, virou área para exames de auto-escola. O lindíssimo estádio Ninho está às moscas, abrigando no máximo 2 eventos por ano. E parece que os chineses não estão satisfeitos, já que a cidade será a sede dos Jogos de Inverno em 2022.
Mas nem tudo são trevas do alto do Monte Olimpo. Algumas cidades foram mais felizes em dar continuidade aos intensos trabalhos preparatórios, e conseguiram inserir os equipamentos no planejamento urbano. Barcelona é o exemplo mais notório e feliz. A cidade catalã investiu pesado em infra-estrutura se preparando para 1992, crescendo a pavimentação da cidade em 15%, o sistema de saneamento em 17%, e as áreas verdes e de lazer em 78%. A zona portuária foi demolida para dar lugar a mais de 2km de praias, antes inexistentes. O desemprego caiu muito, e a cidade perdeu sua cara de industrial para se tornar o 7º destino mais procurado da Europa. E, vamos falar, que lugar lindo que virou!
Londres teve um caso também bastante satisfatório. As dependências olímpicas foram todas construídas a leste da cidade, em uma zona industrial de renda mais baixa, com poucos atrativos, e desconectada do centro fervilhante. Hoje, a imensa área virou um grande parque que foi incorporado no dia a dia da população, e ainda o masterplan não parou por aí. Depois dos Jogos, as obras seguiram (e ainda seguem) com a construção do inúmeros edifícios residenciais. E ainda vai ter uma terceira fase, com a construção de complexos culturais e educacionais, que incluem até uma universidade. O sucesso não veio sem polêmica, e os críticos torcem o nariz para a gentrificação da região, com os preços subindo à altura da icônica torre de Anish Kapoor. Londres sendo Londres. (Quem quiser saber mais, o GNT fez um programa com 3 episódios só sobre a cidade.)
E afinal, que vai ser do Rio? É difícil de saber. Toda essa história começou bem mal, com muitos problemas graves de gestão, escândalos de atrasos, gastos exagerados, e muitas promessas não cumpridas. A cerimônia de abertura lindademorrer, e o ambiente alegre e colorido dos últimos dias abriram um pouco as nuvens, e até agora a coisa toda aponta mais para o sucesso que o retumbante fracasso que foi previsto pelos pessimistas. Mas os cariocas tem muita maratona para correr ainda. Se o compromisso com os projetos for igual ao dos britânicos, as obras seguem, a malha de transporte um dia se completa, o saneamento abraça a cidade, e a população passa a viver de forma mais democrática e igualitária. O mais importante é não perder o foco do projeto como um todo, que inclui o planejamento urbano de longo prazo. É um trabalho hercúleo, ainda mais para nós, que somos historicamente descrentes de grandes transformações. Mas não custa sonhar. Na pior das hipóteses, ganhamos pelo menos um dos points mais instagramáveis do país na Orla Conde, e um renovado orgulho de ser brasileiro.
Foto do destaque: Alex van de Sande – Creative Commons Attribution-ShareAlike
Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.