Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Depois de um fim de semana enfiada numa cratera no meio de uma floresta na Suécia, foi a hora de seguir para um festival similar, mas com line-up maior, mais dias de festa e um público ainda mais animado. Em 4 dias, 35.000 pessoas (sendo 55% estrangeiros) e 122 atrações passaram pelo Dekmantel, que sacudiu Amsterdã no primeiro fim de semana de agosto. Como li a respeito, há uma fórmula especial atrás do sucesso do evento: três amigos com a premissa básica de organizar uma grande festa na qual eles adorariam ir.
E você percebe isso praticamente em todos os detalhes do festival, que acontece numa locação única, um dos maiores parques da cidade repleto de lagos, bosques e áreas gramadas, tem um clima ótimo e, neste ano, foi abençoado por São Pedro: a previsão mostrava três dias de frio e chuva e praticamente tivemos apenas dias ensolarados e quentes.
O Dekmantel, que provou ser o crème de la crème da música eletrônica, é de fato um festival para tirar o chapéu e dar uma ajoelhada para agradecer a grande festa (organizada) que ele é. A capital da Holanda abriga cerca de 800 festivais durante o ano, a maioria rolando no verão – se sobressair nesse emaranhado musical não deve ser fácil, mas o Dekmantel conquistou seu lugar ao sol antes mesmo dessa última edição chegar. O festival é respeitado e amado pela crítica, assim como pelo público, desde sua criação em 2013. Para se ter uma ideia, os ingressos estavam esgotados há meses.
A programação de abertura na quinta-feira aconteceu espalhada em 4 diferentes lugares nos arredores da Estação Central de Amsterdã: no Eye, no Tolhuistuin, no Muziekgebouw Aan ’T Ij e no Bimhuis. Para quem gosta de iluminação, vai voltar do festival com muitas boas referências da produção feita pelo Children of the Light.
No line-up impecável do primeiro dia tocaram nomes como o nosso conterrâneo Azymuth, Cabaret Voltaire, a lenda viva Tony Allen, James Holden, Young Marco, Alessandro Cortini e Matias Aguayo. Também rolou uma conferência gratuita comandada pelo Resident Advisor sobre produção musical e a indústria da música. Quem quis ver gente, ouvir música boa e bate-papos com artistas, tomar uma cerveja gelada e depois assistir ao belo pôr-do-sol oferecido pelo terraço do Muziekgebouw, podia ficar no pequeno palco da Red Light Radio, que teve uma programação ininterrupta e gratuita.
O público no Cabaret Voltaire não tinha muito a ver com os frequentadores que eu voltaria a ver nos dias seguintes do festival. A faixa etária média era 45 anos, muitos deles saudosos do início da carreira da banda. O industrial pesado veio acompanhado de três telas projetando um manifesto em VHS em que denunciavam todas as grandes mazelas do nosso mundo. As pessoas foram aos poucos se levantando e dançando. Foi emocionante ver pessoas mais velhas se emocionando, dançando e querendo abraçar o Richard Kirk, que continuou o legado da banda, para agradecê-lo pelo momento especial. Foi lindo, barulhento e intenso como sempre!
Querendo guardar as energias para os três dias seguintes, eu me rendi apenas ao show do James Holden, que é o show “tem que assistir”. Holden se apresenta atualmente com um banda com saxofonista, trompetista, um tocador de maraca e um baterista. Ele fica sentado na posição yogue e não para em nenhum momento enquanto opera maestralmente seu grupo e seu live. Foi quase transcendental. O público ficou estupefato. O Dekmantel começou a prometer bastante a partir daí e a coisa ficou séria.
O Dekmantel acontece por 4 dias e 4 noites incluindo a abertura. Durante o dia ele ocupa o Amsterdamse Bos com 6 palcos, cada um com uma identidade muito distinta do outro: o palco principal é todo aberto e espaçoso. Por lá o DJ/produtor fica numa cabine bem ao alto, possibilitando vê-lo de qualquer lugar em que você esteja. O som? Perfeito. O line-up? Perfeito também. O público se esparrama por uma grande área gramada e há bons lugares para sentar e relaxar, mas quem está lá para isso? Muitos banheiros ao lado de todos os palcos e água potável nas torneiras para que ninguém fique desidratado, afinal sabemos bem o que rola solto em festival de música eletrônica.
Para chegar lá bastava pegar uma bike ou shuttle disponibilizado pelo festival em dois pontos estratégicos da cidade. Quando descemos não há sinal de onde estão os palcos, pois parece que caímos em meio à uma floresta. Pessoas correndo, pedalando, remando no lago dão sinal de que você está no lugar errado, até o som começar lentamente a chegar nos seus ouvidos.
Máquinas em todos os cantos vendendo as moedas para comprar bebida e comida. Não tem operador. Você vai lá, vê quantos créditos quer, coloca o cartão de crédito, a senha e pronto. Dinheiro? Não aceita. E bares não faltam. Foi o festival mais fácil para comprar e pegar bebida.
O palco Selectors foi um dos favoritos dos amigos e provavelmente o mais bonito do festival. Ele ficava embrenhado num pequeno bosque com árvores altas que tinham suas folhas formando túneis na pista quase cobrindo-a por completo. Era um dos menores palcos, mas o line-up era irresistível com artistas conhecidos pelos seus grandes repertórios sem nenhum apelo pop. DJ Harvey foi quem abriu a grande festa por ali, que continuou com Young Marco e Theo Parrish b2b Marcellus Pittman, num dos meus sets favoritos do festival com seu house Chicago, tocando por 5 horas ininterruptas. Mas entre todos que passaram pelo Selectors, quem ganhou o nosso coração foi a DJ e produtora alemã Lena Willikens, que tocou a maior parte do tempo com um cigarro na boca, um set maravilhoso difícil de definir, mas com uma leve inclinação para o techno e juntando duas características nada fáceis: ser estranha sem perder o groove numa seleção de músicas muito única, nos brindando com uma apresentação bem intensa.
Já o Greenhouse era um palco dentro estufa, como diz o nome, cheia de plantas e com teto aberto. Entre os vários destaques, um dos que mais ganhou atenção foi da lenda do dub Lee “Scratch” Perry & Adrian Sherwood, que fumou o show inteiro e hipnotizou o público com sua presença e música, mas a Black Madonna e Moodyman realmente foram quem lotou a pista, que tinha como único problema o calor. Mas também passaram por ali Aux 88, Digital Mystikz, Tom Trago b2b Cinnaman, que cometemos o deslize de perder (passar na Holanda e não ver Ton Trago? não pode), mas acabamos nos rendendo à lenda do techno Jeff Mills, que tocou no palco principal.
Quando você queria mesmo estar na festa num quintal na casa de amigos, o refúgio era o Boiler Room, um pequeno túnel com um jardim à volta com clima descontraído. No line-up djs que tocaramm em outros palcos fazendo performances diferentes. Um exemplo foi a Black Madonna que por lá fez b2b com Mike Servito.
Os mais cabeçudos que queriam mesmo se jogar na techno mais pesado do planeta, tinha o palco UFO como opção. Era o único fechado e escuro em qualquer hora do dia. Uma tenda branca enorme com uma iluminação de cair o queixo que se estendia do palco ao fim da pista. Passei rapidamente por lá para espiar o live do Surgeon, Blawan, Objekt, que foi soco no estômago de tão pesado, e a Nina Kraviz, porque me apaixonei por ela no Into the Valley.
Não dá para falar do palco principal, intitulado simplesmente de Main, sem comentar a estrutura minimalista proposta para ele. O principal elemento era uma mega tela de led de alta definição, de mais ou menos 2m de altura e 50m de comprimento, às vezes dividida em 25 ou 50 módulos. O conteúdo ia desde o logo do festival ao cenário do próprio palco, como as árvores atrás dele, fazendo uma integração perfeita. O trabalho visual era sempre crescente com a vibe do momento, num trabalho minucioso feito ao vivo pelo coletivo holandês de artistas visuais Children of the Light. Além da tela de led, que foi uma das protagonistas (disputando a atenção com o DJ), havia uma máquina poderosa de fumaça e strobbos RGB, que davam o toque final no cenário main-minimal-tech iluminando toda a pista circulante. Quando você estava aos fundos no bar, as torres iluminadas com o contorno do bosque e a fumaça saindo por todos os lugares, vinha uma sensação de estar vendo um cenário pós-guerra. Era de cair o queixo de tão lindo.
No palco principal praticamente só passaram headliners passaram Ricardo Villalobos, Ben Ufo & Joy Orbison, Jeff Mills, Daniel Avery b2b Roman Flügel, DBX (que live!!!!), Talle of Us, Dixon, Palms Trax, Fatima Yamaha, Holly Herndon, DJ Koze e o Motor City Drum Ensemble, que fechou o festival com chave de ouro com a música My People (disco nights mix), de Dwayne Jensen, com o público invadindo a área do palco, subindo nas caixas, enquanto nos telões labaredas de fogos nos iluminavam. Foi o típico fechamento épico, em que suas pernas não estão mais dando conta, mas você implora com os demais por um bis, que não acontece. Pontualmente às 23h tudo se desliga.
A praça de alimentação foi uma melhores que já vi. Era uma área redonda circundada por food trucks para todos os gostos, incluindo um especial para pessoas que amam tomar um bom café da manhã a qualquer hora do dia ou um café incrível. Muitas mesas, bancos, tudo devidamente coberto, já que o sol não perdoa, e bem no meio o último e menor palco, o Red Light Radio, que era uma ótima opção para quando você queria sentar pra comer, mas queria continuar ouvindo música (boa).
Não tem como não comentar sobre o público: o mais bonito que já vi em qualquer festival que fui na vida. Animadíssimo, de vários lugares da Europa, muita montação, muita simpatia, muita coreografia, muitas amizades novas. A estrutura também ganhou nota 10 com os shuttles para o Centro ou Zona Sul da cidade, saindo a cada 10 minutos por 5 euros cada trecho. Fila? Eu só peguei em banheiro em alguns momentos do festival. Mesmo o shuttle na hora de ir embora tinha uma agilidade que em menos de 20 minutos você estava embarcado, mesmo com todo mundo indo embora ao mesmo tempo.
Só no último dia resolvi encarar a programação noturna para ver como era e conhecer o Melkweg. Funciona bem, mas o Dekmantel nasceu mesmo para o dia e é lá que ele brilha.
Se você ama música eletrônica, não resiste à uma produção impecável, a um lugar lindo e a uma cidade animada, o Dekmantel foi feito pra você. Foram 4 ótimos dias reencontrando casualmente vários amigos e fazendo novos com aquela pequena vontade de já garantir meu retorno em 2017. Tem festival que a gente vai uma vez, é incrível, mas não precisa voltar. O Dekmantel é o que você vai querer ter eternamente na agenda. Parabéns aos envolvidos!!! E que venha 2017 e as ótimas novidades junto.
Agradeço imensamente a Gop Tun, que me convenceu a ir ao festival, à Priscilla, Ola, Tuts + trupe espanhola, Samuca, Daniel e Amanda que tornaram tudo ainda mais especial pela ótima companhia que fizeram durante os 3 dias.
**O Dekmantel Festival foi um dos escolhidos para projeto Volta ao Mundo em Festivais de Música, patrocinado pela KLM Brasil, que faz parte do SkyTeam e oferece voos para 1.052 destinos em 177 países. #fly2fest
Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.