Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Decidimos numa terça-feira à noite que seria a hora de desvendar um grande mistério em Quioto. Um amigo que morou na cidade por anos fez um pequeno guia da cidade com vários tesouros escondidos. Um deles era um bar secreto dentro de um templo. Tínhamos que ir!
Não achamos muitas indicações sobre horário, o lugar era um pouco distante de onde estávamos, mas decidimos matar a nossa curiosidade, seguindo as indicações no mapa. Ao chegar na região, nos deparamos com uma rua estreita e tranquila, aparentemente residencial. Estávamos certos? Não tínhamos muita certeza até encontrarmos um sanmon, o típico portão de entrada de um templo.
Um silêncio extremo e a escuridão tomavam conta do lugar. O que fazer? Atravessamos o portão e chegamos em um pequeno jardim cheio de esculturas de Buda dos mais diversos tipos e tamanhos. Procuramos alguma indicação e achamos apenas uma escrita em japonês em que só se entendia o preço “500 yens”, que era o valor que meu amigo dizia custar para entrar no bar.
Seguimos suas instruções. Adentramos o jardim, viramos a esquerda e finalmente vimos uma entrada lateral do templo com vários sapatos. Eu já fui tirando o meu, me sentindo quase em casa e entrando. Uma mulher apareceu, voltou correndo e só ouvimos “tem três pessoas lá fora”. Eram 21h30.
Ficamos ali aguardando até surgir uma moça muito bonita, vestida num quimono preto e dourado, cabelos arrumados num coque impecável e maquiagem discreta. Sorriu e esperou que a gente falasse algo. Perguntei se o bar ficava ali. Ela sorriu novamente e explicou que a entrada nos custaria 1.000 yens (e não os 500 que pensávamos custar), além do custo da bebida, que descobrimos depois ser também 1.000 yens independente do que você decidir tomar. É caro comparado com qualquer outro lugar que você tenha tomado um drinque, seja em Tóquio, seja em Quioto. Mas e a experiência? Essa sim, achamos que valia a pena. Topamos e a seguimos em direção à porta do templo, que ficava aos fundos, alcançada por uma pequena trilha de pedra, iluminada com lanternas no chão e com pequenas árvores formando um bonito corredor.
Ao lado da entrada principal do templo havia uma pequena porta. Ela abriu e lá estava o balcão comprido e baixo do bar, com cerca de dez cadeiras colocadas num corredor bem estreito. Completamente vazio e escuro. Ela foi acendendo as luzes, convidou a gente para sentar, enquanto pegava o cardápio. Reforçou novamente o custo de 1.000 yens por pessoa e mostrou a enxuta carta de drinques. No canto direito do bar estavam todas as garrafas. Nos demos conta de que a seleção pequena era de alto nível. Ou seja, pensando numa dose de uísque por 1.000 yens com as marcas apresentadas, o valor já se tornava atraente. Todos optaram por uísque menos eu, que resolvi arriscar a tomar uma taça de vinho tinto produzido na região de Quioto. Perguntei se ela recomendava e a resposta foi um sorriso sem graça de quem não sabe recomendar nada, afinal ela não provavelmente não toma bebida alcóolica nenhuma. E era bom! Não um vinho espetacular, mas um bom vinho.
As doses de uísque foram as maiores que vi na vida. Cada dose tinha o equivalente a 3, caso se pedisse sem gelo. Ganhamos um pequeno pote com petiscos. Das caixas saía um bom jazz. Ela nos entregou também um pequeno folder, todo em japonês, contando a história do templo, que tem pouco mais de 400 anos. Uma campainha foi colocada na nossa frente e a garçonete pediu para a tocarmos caso quiséssemos algo a mais e saiu.
Tínhamos o bar somente para nós. À nossa frente, janelas de vidro mostravam um jardim que parecia ser espetacular, mas a pouca luz não o entregava completamente. A conversa girou praticamente em torno da experiência em estar ali ao lado da sala principal de um templo budista com seu belo altar cercado de frutas.
Ficamos por mais de uma hora conversando, bebendo, até ela retornar. Pedi uma nova taça de vinho, enquanto meus amigos não terminavam suas gigantes doses de uísque. Ela nos serviu mais chocolates e ficou até a nossa despedida. Perguntamos se poderíamos entrar no templo e também visitar o jardim lateral. Ela sorriu e respondeu que sim. Foi uma sensação incrível entrar no pequeno espaço à noite completamente silencioso. Visitamos também o jardim, impecável com alguns bonsais e uma jardinagem bem peculiar.
Notamos que o jantar no restaurante principal já tinha se encerrado. Uma outra mulher cerrava as venezianas, os sapatos na entrada não estavam mais por lá. Não nos despedimos da nossa anfitriã, que sumiu para arrumar a nossa pequena bagunça deixada no balcão.
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Kanga-an é um pequeno templo construído no século 17 no subúrbio de Quioto. O templo foi aberto a pedido do 108º imperador do Japão, Go Mizuno, já aposentado na época, como um lugar de proteção ao Palácio Imperial de Quioto. Com o tempo, o templo perdeu sua relevância entre os 1.600 existentes na cidade e não está no hit list turístico. Há cerca de três décadas, o templo começou a servir comida aos visitantes para saciar a fome de suas almas vazias. Hoje o restaurante é considerado um dos melhores da cidade, com cozinha vegetariana de alto nível servida em uma sala privada, e conta com 12 pratos ao longo do jantar, que dura cerca de 2,5 horas. Algumas pessoas reclamam do serviço lento, mas lembre-se: você está num templo budista e a comida é preparada por monges.
O bar foi descoberto há menos de 10 anos e se transformou num pequeno tesouro escondido em Quioto.
Só é possível jantar lá com reserva de pelo menos três dias de antecedência, para que eles comprem os ingredientes. O menu degustação custa entre 10.000 e 30.000 yens. Quem comeu por lá, garante que a comida é literalmente “dos deuses”, proporcionando uma experiência única na vida.
Kanga-an
278 Karasuma Dori, Kuramaguchi Higashi Iru, Kita-Ku, Quioto
Descer na estação Kuramaguchi
Aberto diariamente das 17 à 1h
Telefone: (075) 256-2480
Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.