Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Eu aderi recentemente ao movimento daquelas pessoas que simplesmente saem correndo por aí sem motivo algum. Não posso dizer que cheguei ao nível de querer trocar um bom churrasco, ou um belo cochilo, por um trotezinho de 10 Km, mas vá lá. Quem sabe um dia eu vire um desses amantes de corrida e passe a postar diariamente meus trajetos e minhas conquistas, mas duvido que algum dia eu chegue a correr uma meia-maratona, que dirá uma inteira. Acho que quem se propõe a isso tem muita força de vontade e alguns parafusos a menos.
Para quem não sabe, uma maratona oficial tem 42.195 m, pouco mais de 42 Km. Essa modalidade esportiva tirou seu nome de uma lenda grega. Diz-se que após a vitória dos gregos sobre os persas, no campo de batalha de Maratona em 490 a.C., o soldado Fidípides correu até Esparta para anunciar o fim da guerra e pedir reforços contra uma nova investida bárbara. Morreu em seguida. Bom jeito de começar.
Agora se você (como eu) acha os 42 Km um absurdo, prepare o fôlego. Alguns doidos por aí acharam que isso não era suficiente e inventaram algumas das maratonas mais extremas do mundo. Distâncias absurdas, relevos bizarros, temperaturas inacreditáveis… A criatividade não tem limite para o sofrimento. Aposto que os corredores de plantão vão se animar pelo menos com alguma dessas. Quem for do meu time de semi-preguiçosos, aproveite as paisagens, que são deslumbrantes.
Em 1986, o maluco profissional Patrick Bauer achou que seria uma ótima ideia atravessar os 350 Km do Deserto do Saara, carregando 35 Kg de comida e água nas costas para sobreviver. Demorou 12 dias. Hoje, 31 edições depois, a corrida recebe mais de mil participantes todos os anos, que fazem o mesmo percurso em 6 dias. Segundo as regras, os corredores devem ser auto-suficientes, carregando tudo que precisam nas costas, menos água, que é distribuída ao longo do percurso, e as tendas onde dormem. A organização sugere que eles consumam entre 3 e 4 mil calorias por dia, comendo um snack de energia a cada 20 minutos.
A Marathon des Sables foi considerada pelo Discovery Channel a corrida mais difícil do planeta. Mesmo assim, a competição já teve gente de 16 a 79 anos participando. O mais bacana de tudo é que a corrida tem uma fundação, a MdS Fondation Solidarité, que arrecada fundos para ajudar as centenas de famílias das comunidades locais por onde o trajeto passa. O menos bacana é que 3 atletas já morreram no meio do caminho.
Do deserto para o gelo – e põe gelo nisso. O nome dessa corrida faz referência à latitude do Círculo Polar Ártico (66º33′), por onde ela passa. São dois trajetos possíveis, de 120 ou 350 milhas (193 e 563 Km, respectivamente), percorridos sem pontos de parada – você dorme onde e se quiser – partindo de Eagle Plains, Yukon, até o Oceano Ártico em Tuktoyaktuk. Os participantes levam todos os seus mantimentos e equipamentos em um trenó amarrado à cintura. Pensa só.
Corridas na neve não são tão incomuns. A North Pole Marathon e a Antarctic Ice Marathon também acontecem 100% sobre a água (congelada). Mas na 6633, as temperaturas bem abaixo de zero não são o maior problema. Os ventos catabáticos das planícies do ártico, com velocidade de furacão, fazem muitas pessoas seguir engatinhando. No trajeto mais longo, apenas 11 pessoas conseguiram terminar.
Um dia por ano, a Grande Muralha da China se enche de turistas especiais. A corrida, que começou em 1999, hoje já conta com mais de 2500 competidores. A disputa começa em Tianjin, uma província a 3 horas de Pequim, na Praça Yin e Yang no forte Huangyaguan, passando pelo vale baixo e pelos vilarejos próximos, até terminar em outro trecho da maior construção da humanidade. O tempo de prova é de 8 horas.
O trajeto pode ser a maratona completa, a meia maratona (21,1 Km) e o fun run de 8,5 Km, para “gente como a gente”. Olhando as outras, parece pouco. Mas se você considerar que ao longo do caminho, você também sobe 5164 degraus de escada, tudo fica um pouco mais interessante. Corredores profissionais costumam demorar cerca de 50% mais do que o tempo normal para completar essa distância. A própria organização sugere que todos deixem os relógios em casa, para não focarem em médias de quilometragem.
Atravessando 230 Km de floresta amazônica peruana, o trajeto do Jungle Ultra é quase todo de descida. Falando assim, parece fácil, né? Pensa melhor. A corrida começa a mais de 3 mil metros de altitude, na Floresta da Nuvem, e desce até o Rio Amazonas, passando por mata virgem fechada, terreno montanhoso, tribos indígenas e cerca de 70 riachos. Alguns deles tem que ser atravessados em tirolesas. Isso sem contar as picadas de insetos, temperaturas acima dos 30ºC, uma umidade brutal de quase 100% e, obviamente, a existência de animais selvagens como onças, macacos, antas etc. Essa é mais uma daquelas maratonas em que os participantes tem de ser auto-suficientes, carregando seus mantimentos, barracas, redes e roupas. Só a água é distribuída nos checkpoints.
A Jungle Ultra é uma das quatro corridas da série Beyond the Ultimate. As outras que formam o que eles chamam de Grand Slam são a Mountain Ultra, que acontece nos Himalaias no Nepal, o Desert Ultra, no deserto da Namíbia, e o Ice Ultra, no extremo norte da Suécia. Tá tranquilo?
Para entender rapidamente: Badwater é a maior depressão dos Estados Unidos, a 85 m abaixo do nível do mar. Ela fica dentro do Death Valley National Park, ou vale da morte. Começou bem já pelo ponto inicial da competição. O fim dela é na entrada do Mount Whitney, que fica a 217 Km de lá, e a 2530 m acima do nível do mar. Mas calma que não acabou. Durante a corrida, os competidores ainda passam por outras duas montanhas, acumulando nada menos que 4450 m de subida, e 1859 m de descida. Quem chegar até o fim, e ainda estiver com um pouquinho de fôlego e disposição, pode escalar o pico, que é o mais alto da parte continental do país. Por que não?
Mas calma que agora já está até ficando baba. Vamos colocar aí que a corrida acontece no estado da Califórnia, em julho, ou seja as temperaturas chegam a picos de 55ºC, as mais quentes do país. Eu mencionei que é sem paradas? E os atletas ainda passam por pontos de referência que parecem saídos do desenho do Papa-Léguas: Mushroom Rock, Furnace Creek, Salt Creek, Devil’s Cornfield, Devil’s Golf Course, Stovepipe Wells, Keeler, Alabama Hills, e Lone Pine. Ela também é uma etapa de uma série de 3 corridas, chamada Badwater Ultra Cup, que inclui a Badwater Cape Fear (82 Km) e a Badwater Salton Sea (130 Km). Animou? Então corre para se inscrever, porque são só 90 vagas.
Que americano só tem ideia de jerico não é novidade. Mas às vezes eles se superam. Esqueça montanhas nevadas e desertos áridos. A Self-Trancendence acontece em Nova Iorque, em pleno Queens. É uma maratona de 4989 Km, e dura 52 dias, o que faz dela a corrida mais longa em tempo e distância do mundo. Mas espera! Correndo quase 5 mil km, e por quase 2 meses, dá para atravessar o país inteiro! Como assim a corrida acontece dentro da cidade? Pois é, a pegadinha é essa. A competição acontece inteira em UM ÚNICO QUARTEIRÃO.
São 5694 voltas no mesmo lugar. Para completar a prova, você tem que correr quase 100 Km ali todos os dias, de junho a agosto. Mais ou menos 18 horas de corrida por dia. Os recordes da prova foram batidos no ano passado, sendo completados por um finlandês em 40 dias e por uma austríaca em 49. Nesse ano, acontece a vigésima edição, mas o número de competidores dificilmente chega a 20. E quase todos são seguidores do guru espiritual indiano Sri Chinmoy, falecido em 2007, e criador da maratona. De repente a sua esteira na academia não parece ser tão entediante, não é?
E nessa verdadeira corrida maluca, voltamos ao ponto de partida. A Spartathlon é a maratona que reproduz o calvário de Fidípides, do Campo de Maratona até Esparta. Aqui também a dificuldade não está no terreno, nas condições climáticas, nem nada. Ela inclusive acontece no agradável mês de setembro, e percorre estradas asfaltadas do país. Seria até um agradável passeio se não fosse por um motivo: tempo. Os 250 Km de distância tem que ser percorridos em 36 horas. Existem 75 pontos de controle, que se não forem atingidos dentro do tempo certo, fazem o corredor ser desclassificado. Então, é um dia e meio no sufoco, sem paradas para respirar e muito menos para tirar a água do joelho.
A corrida foi instituída para celebrar a vitória grega sobre os persas e lembrar o quanto o mundo teria sido diferente caso a região tivesse sido tomada pela civilização oriental. O caminho ainda passa por várias cidades históricas como Corinto, Elêusis, Megara e Kineta, além do Monte Partenio, com mais de 1200 m de altura. São 350 atletas competindo, mas só um terço geralmente alcança a linha de chegada. O bom é que pelo menos nessa prova ninguém chega ao fim e cai morto!
Foto do destaque: Bruno Ismael Silva Alves / Shutterstock.com
Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.
Ver todos os postsFaltou a Jungle Marathon, de 254km no meio da selva, que rola todo ano nos arredores de Alter do Chão.
https://o2porminuto.ativo.com/corrida-de-rua/dicas/eu-fui-jungle-marathon-2015/
Pedro, se formos listar todas, vamos ficar aqui o dia inteiro hahahaha. Tem no Brasil, na África do Sul, na Noruega… Essas eu selecionei porque achei as mais curiosas, diversas, e difíceis. Só de pensar nelas minha pressão arterial já subiu.
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.