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Alguns dias atrás, representando o Chicken or Pasta, fui a um evento para provar o Cognac Louis XIII, um dos melhores do mundo.
O Louis XIII é um blend de conhaques de 40 a 100 anos. A história desta bebida tão especial começou há 100 anos, quando um Cellar Master visitava seus vinhedos de ugni blanc (ou uva trebbiano), plantadas em solo calcário e amadurecidas em dias quentes e úmidos, esperando que suas uvas chegassem ao ponto certo de colheita, para poder fermentá-las e fazer com elas o primeiro vinho que será destilado e que dará origem ao conhaque. Se você fechar os olhos, pode conseguir imaginar uma Europa em guerra, onde o cheiro de gás tomou conta dos campos de batalha. Época também em que a Fada Verde (absinto) é proibida na França e deixa Degas, Toulouse-Lautrec, Baudelaire, Verlaine e Oscar Wilde provavelmente com menos inspiração.
Quando você está preparando uma bebida que vai atravessar 5 gerações de Cellar Master, o cuidado que você precisa tomar não é com o hoje ou com o gosto de hoje, o de amanhã ou o de daqui a alguns anos. O que realmente importa é cuidar de todos os detalhes da uva: da sua maturação, da fermentação do vinho base, de sua bi-destilação (separando-se sempre a cabeça e o pé e ficando apenas com o coração**), seu armazenamento em barris de carvalho, que não são apenas usados, mas que contam com grande tempo de uso e guarda (afinal um conhaque tão complexo não é feito usando-se barris novos).
O cuidado é diário, por longos e longos anos. É necessária atenção no guardar, na temperatura da cave e na mistura das muitas eau-de-vie que são adicionadas à esta bebida ao longo de tantos anos. O conhaque perde perto de 3% de volume e 1% de teor alcoólico ao ano. Assim, mesmo em uma bebida destilada até o ponto de concentrar 72% de álcool, corre-se o risco de ter seu processo de envelhecimento sem nenhum álcool residual caso conhaques mais novos não forem acrescentados. Outra fonte de preocupação é que, no início da sua destilação, o conhaque é uma bebida incolor, necessitando de uma longa troca de barris para ganhar sua coloração nos tons de marrom e dourado. Caso os barris não fossem utilizados, a bebida teria uma coloração similar à da nossa cachaça.
Nesta busca de aromas, cores e sabores, cabe então ao Cellar Master identificar os tierçons (barris de carvalho de longo envelhecimento) responsáveis pelo aspecto final do conhaque. É esse barril, portanto, que vai dar todas as características tão particulares ao cognac. Alguns deles, como o Rare Cask 43,8 (referência ao grau alcoólico do conhaque saído deste tierçon de qualidade excepcional), permitiu chegar-se a um conhaque com maior alcoolicidade e com aromas e sabores surpreendentes. Isso aconteceu quase como que por mágica, pois é impossível prever o envelhecimento da própria madeira no cellar.
E aqui eu me permito uma digressão: uma viagem por “100 anos”, filme de John Malkovich e Robert Rodriguez. O filme icônico, produzido e lançado neste ano pela Rémy, infelizmente não foi visto por ninguém. A fita, assim como o conhaque, vai repousar durante os próximos 100 anos dentro de um cofre em “Domaine du Grollet”, vindo a público somente em 18 de Novembro de 2115.
Eu tive o prazer de abrir a garrafa do Cognac Louis XIII número 4477. E a primeira pergunta que me fazem é: “Mas esse conhaque vale o preço da dose e da garrafa?”. A resposta é simples: Sim, vale cada centavo. Se tiver dinheiro sobrando por aí, manda bala e compra uma. A segunda pergunta é: “O que esse conhaque tem de tão especial?” E a sua resposta é: como se trata de uma bebida de longa elaboração, composto por um blend de muitas eau-de-vie (são inicialmente selecionadas 12 eau-de-vie, tendo o blend final perto de 1200 eau-de-vie, responsáveis por dar as características finais à bebida), seu sabor é muito suave, untuoso e marcante, desde o sentir de seu primeiro aroma até o último sabor que resta na boca depois de engoli-lo.
E as notas de degustação? Elas começam com os aromas mais suaves, que sobem ao nariz com maçã verde e frutas cítricas e, à medida que a taça se aproxima da boca, ressaltam-se os aromas de pimenta negra e especiarias. Com o passar do tempo na taça, pode-se sentir também os perfumes de mel, tabaco, madeira e até o adocicado de baunilha.
Por fim, e não menos importante, precisamos agradecer em conjunto a André Renaud, André Giraud, Georges Clot, Pierrete Trichet e Baptiste Loiseau, os últimos 5 Cellars Master da Remy, que cuidaram da elaboração do Cognac Louis XIII de 1924 até hoje, preservando uma tradição de quase um século.
Só desejo que a vida me permita voltar à França, ir à Cognac e provar novamente um Louis XIII, dessa vez em seu local de nascimento.
Preço médio da garrafa do Cognac Louis XIII: a normal custa em média R$ 15.000,00 e a Black Pearl custa 18.000 euros, cerca de R$ 80.000,00.
Neste link é possível checar locais no Brasil onde é possível tomar uma dose do Cognac Louis XIII.
*eau-de-vie: o destilado de álcool desse vinho que vai compor o conhaque.
** cabeça: os primeiros 2% a 4% do líquido destilado. São desprezados principalmente por conter aldeído acético e acetato de etila.
** coração: o percentual do meio da destilação e que possui as melhores características da bebidas.
** pé: os últimos 10% a 20% do líquido destilado. São desprezados por conter furfural e lactato de etila.
**Foto capa: Michal Dziedziak / shutterstock.com
Paulo é carioca, está na turma dos "enta" e manda muito bem na fotografia a maioria inusitada. Funciona a toda velocidade, tem duas empresas, mulher, filho, amigos, mãe, pai, celerados e gente de todo tipo a sua volta o tempo todo, entre os quais divide a sua atenção do jeito que dá. Adora quadrinhos, mangás, livros, música alta e tudo mais que lhe prenda a atenção e ajude a compor seu universo imaginário. É chegado em moda, vinhos, culinária, cachaças, champagnes e filmes, filmes e mais filmes.
Ver todos os postsTenho uma garrafa com certificado de 1985 , se alguém estiver interessado pode responder
Tive o prazer de degustar o Louis XIII uma vez, mas no Rio mesmo, realmente um privilégio.
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.