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Turismo e Afeganistão são duas palavras que dificilmente se vê na mesma frase. Mas a pacata cidade de Bamiyan pode provar que é possível sim passear o país do Talibã.
Encravada entre as cadeias de montanhas no planalto central do Afeganistão, Hindu Kush e o Koh-i-Baba, Bamiyan é uma cidade pacata, mas imponente junto a paisagem. Na parte da tarde, quando o sol lança um brilho dourado sobre as falésias, os homens retornam do campo atrás do delicioso cheiro de fumaça de kebab que toma conta das ruas principais. Os meninos em suas bikes iranianas, chutam a poeira aglomerada nas calçadas, lançando-a sobre as muitas barracas de feirantes, cheias de grãos e legumes.
Hoje, o povo de Bamiyan têm algo que a maioria dos afegãos inveja: a paz. E isso é um componente chave no plano de Mohammad Reza Ibrahim. Usando seu falso Ray-Ban e um chapéu de palha Marlboro, Ibrahim, como a maioria dos homens com menos de 40 nesta cidade, mantém seu rosto barbeado. Seu inglês é fácil e sua simpatia infalível. E é justo dizer que esse cara não corre de um desafio.
Como gerente da Associação de Turismo de Bamiyan, Ibrahim é o cérebro e os músculos por trás do empurrão que veio para convencer os estrangeiros a visitar uma cidade feita internacionalmente famosa por um dos piores atos de terrorismo cultural na história recente. Tendo anos gozado de relativa estabilidade, Bamiyan quer abrir o seu patrimônio cultural para intrépidos viajantes curiosos que como nós, que querem ver mais do Afeganistão além da guerra.
“Bamiyan tem um enorme potencial para o turismo”, diz Ibrahim. – “Bamiyan é diferente de outras províncias do país. Quando você vem para Bamiyan, se sente seguro e protegido. “
Ibrahim pode numerar tantas atrações em Bamiyan que pode até te deixar envergonhado, caso duvide do potencial turístico da cidade. Sim, ela é conhecida por duas estátuas gigantes de Buda, que foram destruídas durante o comando do Talibã. Contudo, Bamiyan é também o lar de magníficas ruínas de cidades antigas, cavernas apresentando algumas das mais antigas pinturas a óleo do mundo e primeiro parque nacional do Afeganistão. Durante o inverno, a temperatura cai abaixo de zero e a maioria dos hotéis próximos fecham por causa de canos congelados. E lembrando que Bamiyan ainda possui a única pista de esqui do país. Isso mesmo, uma pista de esqui! Sem nenhum luxo, segurança ou teleférico.
No Afeganistão, onde os ataques suicidas continuam lamentavelmente comuns, você tende a evitar multidões. Contudo aqui, gritos enérgicos e competitivos, junto à gargalhadas são mais comuns. O motivo desse “tumulto” é uma luta. Em um vale empoeirado no Parque Nacional Band-e Amir, o melhor e mais pesado lutador de Bamiyan trava sua testa com um cara magricela qualquer de uma aldeia vizinha. Angi é um esporte hazara (povo de origem mongol que reside principalmente na região central do Afeganistão) tradicional onde os concorrentes saltam em uma perna e brigam entre si.
Depois da queda do Talibã, Bamiyan já produziu seu sexto Festival Silk Road. O festival é uma celebração anual da cultura hazara local, com uma mistura vacilante, mas divertida de concertos, teatro, poesia, stand-up comedy, exposições de artesanato e jogos tradicionais, incluindo o wrestling.
O povo hazara compôs entre 10 e 15% da população afegã durante cinco séculos e enfrentou vários níveis de opressão por parte dos líderes do país. Acredita-se que eles sejam descendentes dos mongóis, que vivem principalmente no planalto central do Afeganistão, apesar de séculos de deslocamento ter empurrado muitos deles para o Paquistão e para o Irã. A grande população hazara se estabeleceu em Cabul, onde compõem cerca de um quarto da população da cidade.
Desde a queda em 2001 do Talibã, que levou o povo hazara para fora da sua terra, muitos deles voltaram para Bamiyan. O presidente cessante do Afeganistão, Hamid Karzai, tem sido tolerante com as minorias, por isso, enquanto afegãos hazaras ainda enfrentam discriminação, suas condições de vida melhoraram. Vários dos ministros de Karzai, bem como um dos candidatos à vice-presidente na eleição deste ano são hazaras.
Voltando ao festival, o Silk Road inclui apresentações culturais de pessoas que visitam a cidade vindas de outras províncias da região. Hazaras companheiros da província vizinha, Daykundi, executam uma dança tradicional com varas, enquanto homens pashtuns mostram ao público como se dança na província de Paktia. Uma belíssima união entre culturas previamente separadas pela guerra.
Em um estádio sob uma colina com vista para a cidade, Abbas Neshat está tocando um danbur, um instrumento tradicional de duas cordas. Ele bate o corpo do instrumento com os nós dos dedos e dedilha as cordas com as pontas de quatro dedos. O efeito é algo próximo de um violão. Com cara de bebê e com um tenor suave, Neshat é muito querido pela multidão, conhecido por sua aparição no Afghan Star, um show de talentos televisionado nacionalmente. Os homens tomam a seus pés e dançam em círculos. O Talibã pode ter destruído muito da cultura afegã, as montanhas, as casas e até vidas, mas não conseguiram destruir a música.
Saindo da cidade, praticamente todas as estradas de Bamiyan levam para um deserto aberto. Seguindo uma dessas estradas, paralela à face do vale de Bamiyan, indo para o oeste e cortando seus caminhos entre penhascos altos, chega-se ao Parque Nacional do Afeganistão, o Band-e Amir. Dentro do parque, olhando para o centro do parque, acompanhando o colorido montanhas e vales empoeirados por onde o parque se espalha, existem em torno de seis lagos de águas doces e azul profundo. A água clara reflete o sol tão forte que queima o rosto.
Números confiáveis sobre o turismo no Afeganistão são difíceis de encontrar, mas de acordo com a Fundação Aga Khan, uma organização humanitária que apoia os esforços do turismo de Bamiyan, o número de visitantes estrangeiros caiu muito ao longo da última década. Em 2005, cerca de 4.000 estrangeiros visitaram Bamiyan. Desde 2009, quando a segurança no país piorou, entre 400 e 1.000 pessoas tenham visitado anualmente, um total de 4.300 em 5 anos, principalmente europeus e norte-americanos que vivem e trabalham em Cabul. A The South Asia Association for Regional Corporation recentemente nomeou Bamiyan sua Capital Cultural para 2015, o que elevou a esperança de que esses números do turismo no Afeganistão vão subir muito no próximo ano.
Apesar de suas outras atrações, a alegação de Bamiyan para atrair fama são grandes buracos na parede de uma montanha na cidade. No século VI, os budistas esculpiram duas estátuas gigantes na falésia do arenito. Eles o chamaram de “O mais alto Buda”, que se elevava 53 metros sobre o vale do Rei de Bamiyan. As estátuas resistiram invasões de alguns dos conquistadores mais cruéis da história, mas não sobreviveram ao Talibã. Em 2001, como parte da guerra do líder Mullah Omar, foram lançados dinamites e foguetes, até as que as estátuas se desfizeram em pequenos pedaços.
O governo afegão está disposto a reconstruir, pelo menos, o menor dos Budas, como um símbolo da derrota do Talibã. Contudo, é improvável que isso aconteça. A UNESCO, que colocou o lugar em sua Lista do Património Mundial, insiste que muito do material original das estátuas foi perdida. As tentativas de reconstruir as peças originais seria reprodução em vez de verdadeira reconstrução. “O vazio é a verdadeira escultura”, disse um consultor da UNESCO em 2012.
No entanto, isso não impediu algumas pessoas de tentar. Com a tarefa de construção de um platô para apoiar a parede do pequeno nicho, uma equipe de conservacionistas alemães em 2013 construiu dois bustos de tijolos. A UNESCO se enfureceu porque supostamente o movimento foi “na fronteira com crime” e causou “danos irreversíveis”. Ninguém tocou os nichos desde então.
Ao chegar em Bamiyan, os viajantes também enfrentam desafios de infra-estrutura. O sinal de celular simplesmente evapora a 10 minutos fora da cidade, o que certamente vai dissuadir muitos de viajar na área circundante. Muitas estradas da província foram pavimentadas, mas indo para o leste, o caminho acidentado para a Cidade Vermelha, ou Shahr-e Zohak, a menos de 10 quilômetros, leva meia hora para chegar.
Falando na Cidade Vermelha, a mesma foi construída como uma fortaleza há 1.500 anos, no encontro de dois rios, junto a um cenário de montanhas e cumes de cobre irregulares que se estendem através da paisagem. A fortaleza também conhecida como Shahr-e Zuhak, foi tratada como lixo pelo exército iraniano, no século 14, e mais tarde utilizado pelos talibãs como esconderijo durante a invasão de 2001. Montes de cápsulas de balas ainda marcam do local.
O grande impulso de Bamiyan para o turismo no Afeganistão começou em 2008, com uma doação de US$ 2 milhões do governo da Nova Zelândia para programas de ecoturismo. A concessão durou quatro anos, após os quais a embaixada norueguesa intensificou com outros US$ 600.000.
O dinheiro também trabalha para modernizar a economia dormente de Bamiyan, diz Ibrahim. A pobreza na província é galopante. Mesmo com 8% de sua renda proveniente da agricultura, Bamiyan ainda precisa importar metade de sua comida. Mais de dois terços da população da província vive abaixo dos US$ 25 por mês. A ajuda externa é canalizada principalmente para as províncias do sul e do leste, que ainda vivem sob alguns combates.
“O turismo seria uma boa alternativa a esta forma tradicional de subsistência.” – argumente Ibrahim.
Ainda este ano, quando o sexto hotel turístico de Bamiyan abre suas portas, a cidade será capaz de receber até 300 pessoas com qualidade. Um dos hotéis, Silk Road, é o único estabelecimento da cidade que serve uma alternativa ao tradicional kebab grelhado com pão fresco servido nos outros poucos lugares para se comer na cidade.
No próximo ano, o primeiro lote de 30 alunos do departamento de turismo da universidade, onde Ibrahim ensina, vai se formar. Em três anos, 100 guias turísticos recém-formados estarão prontos para receber turistas do mundo inteiro e mostrar as belezas da cidade e de outras províncias da região.
Não se sabe ao certo se os turistas estão prontos para Bamiyan. Mas a belíssima Bamiyan está quase pronta e ansiosa para recebê-los.
Texto traduzido/adaptado do original de Sune Engel Rasmussen em Roads and Kingdoms
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