Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
O Varilux já saiu de cartaz, mas o cinema francês permanece firme e forte por aqui. Neste fim de semana, dois longas chegam oficialmente às salas após participarem do festival. “Inocência roubada” (na foto) é baseado na história real vivida pela diretora Andrea Bescond (ela divide a função com Eric Metayer) e mostra a dança como um importante meio de superar traumas sofridos a partir de abusos sexuais na infância. Já a comédia romântica “Amor à segunda vista” (não confundir com o filme de mesmo nome com a Sandra Bullock) acompanha a confusão na vida de um rapaz que se vê mergulhado num mundo no qual nunca encontrou Olivia, mulher da sua vida. A moça o encara como desconhecido. Qual você gostou mais?
“Amor à segunda vista”. Confira salas e horários aqui.
“Inocência roubada”. Confira salas e horários aqui.
“O milênio se aproxima” e “Perestroika” formam as duas partes do espetáculo, um sucesso na Broadway desde a década de 1990 e, agora, montado pela Armazém Companhia de Teatro. “Angels in America” se passa nos anos 1980, em Nova Iorque, e acompanha personagens cujas vidas são drasticamente alteradas pela disseminação da Aids. O público pode assistir a uma das partes em dias diferentes ou as duas no mesmo dia, com um intervalo entre elas. A direção é de Paulo de Moraes. Uma curiosidade: em 2003, a HBO lançou uma minissérie homônima dirigida por Mike Nichols e com Al Pacino, Meryl Streep, Mary-Louise Parker e Emma Thompson no elenco. Vale muito a pena.
“Angels in America”. Sexta, às 20h: Parte I – “O milênio se aproxima”. Sábado, às 17h: Parte I – “O milênio se aproxima”. Às 20h: Parte II – “Perestroika”. Domingo, às 18h: Parte II – “Perestroika”. Ingressos a partir de R$ 50. Em cartaz até 28 de julho.
Teatro Riachuelo. Rua do Passeio, 38 – Centro.
A vida corrida nos fez ver menos do que gostaríamos, mas vimos o que vimos e sentimos o que sentimos com o que vimos. E o melhor do que foi visto é isso aqui, ó:
Nas telas:
“A favorita”: chegou aos cinemas no começo do ano para espalhar a estranheza elaborada do diretor grego Yorgos Lanthimos, o mesmo dos ótimos “Dente canino” e “O lagosta”. Um filme sobre a chama vacilante do poder, cujas faíscas de desejo e de carência são as que mais queimam. Olivia Colman (a rainha Anne, imersa em sua loucura por vezes infantil) levou o Oscar de melhor atriz.
“Border” [em cartaz em pouquíssima sessões]: uma bela surpresa sueca. A estreia foi no já longínquo abril, mas esta beleza ainda resiste, não sem razão. Conto sobre o preconceito e a diferença, “Border” concilia drama, suspense e humor com precisão, conduzindo o espectador com calma para o universo de Tina (Eva Melander), uma policial capaz de farejar sensações. Mas isso é só a ponta da lança. Vimos há pouco tempo na sala 2 do Estação Botafogo. Tomara que ainda esteja lá. Ao menos, da nossa cabeça não saiu.
“Chernobyl” [no catálogo da HBO Go]: tragédia que marca a derrocada da União Soviética, o acidente nuclear de Chernobil, em abril de 1986, foi revisitado nesta produção de cinco episódios. Se emissoras tradicionais e serviços de streaming vêm condenando a força de suas histórias ao esticá-las à beira da exaustão, a série (ou seria minissérie?) se destaca por se encerrar aqui. Nada de segunda temporada. E o que é feito nessas cinco horas é realmente fascinante. Os desdobramentos da trajetória de Valery Legasov (protagonista vivido por Jared Harris) não eclipsam a variedade complexa de outros personagens afetados pela catástrofe.
“Democracia em vertigem” [no catálogo da Netflix]: terceiro longa dirigido por Petra Costa, o documentário tenta traduzir o espanto diante da guinada social e política vista no Brasil nos últimos anos. Da quimera progressista (fim da fome, mais gente na faculdade, primeira mulher eleita presidente) ao flerte com o fascismo. A complexa costura, que envolve linhas temporais distintas e penteia um passado ainda mais distante, tem Petra como porta-voz. Realçando a marca da subjetividade, ela se abotoa à narrativa e traz a família à tela. Numa passagem, Dilma Rousseff conversa com a mãe de Petra, cujo passado como combatente da ditadura a fez viver na clandestinidade. Hoje, nos parece um filme sobre o espanto. E amanhã? A despeito das críticas aos governos de esquerda, Petra assume um lado na história. Golpe é golpe. E ditadura não é movimento.
“Dor e Glória” [em cartaz]: o melodrama mostra que o passado não é só fonte de melancolia, mas, especialmente, de força e de criatividade. Pedro Almodóvar se concilia com o tempo neste que é seu melhor filme desde “A pele que habito” (2011). Em comum, ambos trazem a presença luminosa de Antonio Banderas, um ator com a temperatura almodovariana. Aqui, um reflete o outro, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Sem morte.
Mais coisas boas: “Assunto de família” e “Nós”.
Nos palcos:
“Antígona” [em cartaz no Teatro Poeira]: Andrea Beltrão é narradora e múltipla personagem da peça, cuja base é o texto clássico de Sófocles, escrito há 2.500 anos. A desmedida da personagem que, contrariando as ordens do rei Creonte, decide enterrar o irmão morto ecoa nos tempos atuais. Cabe a atriz explicar a intrincada árvore genealógica dos mitos enquanto prepara a cena para o desfecho trágico da protagonista. A força de Beltrão em cena é inesquecível.
“As crianças”: já falamos tanto deste espetáculo e não teria como deixá-lo de fora. Vimos no começo do ano no Teatro Poeira e permanece com a gente. O pano de fundo traz o reencontro de três velhos amigos que trabalharam juntos numa usina nuclear, mas o espetáculo abre caminhos outros, num desenho sobre a finitude da vida e a autonomia.
“O narrador”: um texto lido página a página, com calma. Cada página lida é descartada, repousando no chão. Duas cadeiras: numa delas, o narrador, Diogo Liberano, com microfone em mãos; na outra, um bicho de pelúcia azul. A construção da fala junta essas duas figuras visíveis diante do espectador, mas também aponta o que não pode ser visto, apenas sentido ou lembrado. A performance nos recorda por que contamos histórias. Criação do Teatro Inominável.
“Pi – Panorâmica insana”: o título já sugere o caos orquestrado pela diretora Bia Lessa. O espetáculo traça esse desenho que contempla, mas não aprofunda nem afunda, mas confunde. São cortes rápidos, são muitos sons, muita correria, muitas gentes (com nome, idade e profissão) vividas e largadas no meio do caminho. A confusão do ser ou não ser é apenas sustentada pela confusão de ser ou não ser. O que somos? Para onde vamos? O mundo é insano. Ou melhor, insanos são os outros.
Mais coisas boas: “As comadres”, “Luz nas trevas” [em cartaz] e “Por que não vivemos?” [em cartaz].
Filipe nasceu em Salvador, mudou-se aos 9 anos para Belo Horizonte e, aos vinte e poucos, decidiu encarar o Rio de Janeiro. Há quatro anos conheceu Gustavo, cria da capital fluminense. Jornalistas culturais, gostam de receber amigos em casa e ir ao cinema. Cada vez mais são adeptos de programas ao ar livre - sempre que podem, incluem no passeio Chaplin, esperto vira-lata adotado há um ano.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.