Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Uma passagem com data para expirar, um feriadão para aproveitar, vários dias de hora extra para compensar. E um lugar que desejava conhecer há anos, mas não achava que combinasse com uma viagem solo. Havia chegado a hora de deixar o preconceito de lado e embarcar numa road trip sozinha num roteiro pelo Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul.
O Vale dos Vinhedos foi a primeira indicação geográfica reconhecida do Brasil. Em 2002 obteve do INPI o registro de Indicação de Procedência (IP) e, em 2012, foi reconhecida a Denominação de Origem – a primeira DO de vinhos do Brasil.
Fiquei impressionada com o desenvolvimento do turismo na região: a infra estrutura é de primeira qualidade, os roteiros são bem organizados e o atendimento nas vinícolas é, ao mesmo tempo, profissional e afetuoso.
O turismo na região é voltado à enogastronomia. É necessário escolher bem as vinícolas a visitar, pois, obviamente, há um limite na quantidade de comida e bebida que um ser humano consegue ingerir – e olha, cheguei perto de encontrar o meu.
Essa é, aliás, minha única crítica ao Vale dos Vinhedos – embora a região seja linda, o visitante não encontra outras opções de programa além de comer e beber. Pensei que encontraria uma variedade de atividades para contemplar a paisagem da região como trilhas, banhos de cachoeira e passeios de bike, por exemplo. Minha viagem ideal combinaria uma atividade ao ar livre de manhã e um rolé alcoólico à tarde – uma vela pra Deus, outra pro diabo. Mas as opções, por hora, são limitadas.
O Vale dos Vinhedos está localizado a menos de duas horas do aeroporto de Porto Alegre, onde aluguei um carro. Metade do caminho é uma auto estrada pela região metropolitana, a outra já é uma incursão pelas belas paisagens da serra gaúcha. A estrada está em bom estado de conservação e é bem sinalizada. Não tem erro para chegar lá.
A maior cidade da região, com portentosos 120 mil habitantes, é Bento Gonçalves. Apesar do seu tamanho médio, Bento te saúda com um pórtico em forma de barril para você não esquecer do porquê veio. As vinícolas se estendem pelos municípios vizinhos de Faria Lemos, Garibaldi ou Bento Gonçalves, cada qual com seu terroir (condições de solo e temperatura de cada cepa de uva) característico.
É essencial estar de carro, pois não há transporte público pela região. A quase totalidade das vinícolas está longe das cidades, em estradas que não contam com nada além de pousadas, restaurantes, vinícolas e lojas. Não há calçadas, transeuntes ou oferta de serviços pela rua.
Eu sei, bebida e direção não combinam. A opção é escolher um motorista para a rodada, um serviço de transfer entre vinícolas, ou alternar passeios que não contem com degustação de vinhos – o Vale dos Vinhedos conta até com opções kids friendly.
Onde se hospedar no Vale dos Vinhedos
Eu sonhava com acordar na área rural do Vale dos Vinhedos, em meio aos parreirais, num lugar com cara de casa de campo e com móveis vintage. A aposta certeira foi a Afeto Pousada, no Vale do Rio das Antas, que conta com algumas cabanas, muito silêncio e um serviço que faz justiça ao nome do estabelecimento. Não houve nenhum tipo de permuta ou parceria aqui, apenas estou repassando uma ótima dica.
Há hotéis de rede, pousadas familiares, casas e quartos de aluguel por temporada e vinícolas com quartos para hospedar os visitantes. Não faltam opções para todos os gostos e bolsos.
O Vale dos Vinhedos é dividido em distritos e microrregiões, que contam com terroirs e roteiros próprios: há o Vale do Rio das Antas, que tem alambique, cervejaria e uma linda ponte sobre o rio; Faria Lemos, Garibaldi e Pinto Bandeira, que contam com ótimos espumantes. Além disso, há as rotas das Cantinas Históricas e Caminhos de Pedra, onde comida e bebida se misturam à história da região que recebeu a primeira leva de italianos em 1875.
A História do Vale dos Vinhedos é a história da colonização italiana na região: os estabelecimentos levam os nomes e sobrenomes dos seus fundadores e ocupam casas de família. Todo o roteiro resgata o passado em busca da valorização e preservação dos costumes dos imigrantes italianos. Consumir o vinho é também consumir uma herança familiar.
Ah, a pergunta de um milhão de dólares. São dezenas delas, de todos os portes e perfis. A dica é concentrar vinícolas na mesma região, mas alternando as degustações com passeios e visitas que ofereçam reforço ao estômago e descanso ao fígado.
Também é importante combinar diferentes experiências com vinho: degustação num lugar, piquenique no parreiral em outro, apenas uma tacinha num terceiro. Há wine gardens, piqueniques, passeios de trator por parreirais, degustações às cegas, degustações harmonizadas com queijo e chocolates, almoços e jantares harmonizados e todos os elementos que fariam o foodie mais durão chorar.
Os valores variam entre zero reais (sim, existem degustações gratuitas) ao céu é o limite, para comprar rótulos especiais. Em geral, visitas e degustações básicas, incluindo cinco rótulos, custam em torno de R$70,00.
Meu roteiro foi:
Cheguei em Bento Gonçalves por volta do meio dia. Depois de madrugar no Rio para pegar o voo para Porto Alegre e dirigir por duas horas, a fome estava grande o suficiente para almoçar no Galeto di Paolo, que tem filiais em diversas cidades da serra gaúcha e uma sequência composta por sopa de capeletti, pão caseiro, galeto, massas, saladas, polenta e sobremesas. Sabe aquele tipo de restaurante para toda a família, com salão enorme, mesas para 20 pessoas e livros para as crianças colorirem?
Uma leve cochilada no carro depois de tanta comida (não é maravilhoso estar numa região segura?), fui para um minicurso de degustação de vinhos da Aurora. O curso dura uma hora após a visita padrão, em uma sala própria da vinícola, que fica no centro de Bento Gonçalves, e vale a pena para relembrar o vocabulário que seria usado à exaustão nos próximos dias.
Para fazer a digestão de tanta comida e bebida, fiquei pelo centro de Bento Gonçalves, que tem algumas atrações que exploram a história da colonização italiana da região, como a estação de Maria Fumaça e o Museu do Imigrante. A catedral da cidade é em forma de barrica e vale a visita.
Segui a estratégia de concentrar as visitas por região, passando a manhã no Vale do Rio das Antas. Há um sem número de pequenas vinícolas, cafés e lojinhas. Além da paisagem, o destaque fica para a Salton, vinícola comercial, mas com belíssimas instalações. Fui começar a beber na Casa Bucco, empresa familiar de destilados artesanais, que te recebe calorosamente no alambique e te embebeda sem dó – foram, meus caros, 12 tipos de cachaças, grappas e afins. É possível fazer até uma trilha – muito íngreme e apenas com autorização prévia – pelo terreno.
Depois de passar um bom tempo admirando a paisagem de pontes e miradouros do Vale do Rio das Antas, parti para o coração do Vale dos Vinhedos. A degustação do dia foi na Lídio Carraro, onde somos recebidos pela própria fundadora em sua casa. É uma das vinícolas mais premium da região: a ideia é elaborar vinhos que sejam a expressão máxima de cada terroir. Isso significa que os vinhos não passam por barricas (que mudariam os aromas naturais da cepa), não há correção do álcool e nem filtração ao longo do processo de produção.
Tomei ainda uma tacinha na Cave de Pedra, cujo maior diferencial é estar em um castelo e fui conhecer o Miolo Wine Garden – as empresas maiores vão além da degustação de rótulos e oferecem vários tipos de experiências ao ar livre, como food trucks, piqueniques e wine gardens. No fim de tarde, passei na Cristofoli, uma das mais renomadas da região, para um sanduba e uma última tacinha de Sangiovese. Queria ter curtido o piquenique no edredom, mas viajar sozinha limita algumas experiências, que exigem no mínimo duas pessoas.
Dia de conhecer os Caminhos de Pedra, a história da imigração italiana contada na forma de arquitetura, paisagens e costumes. Com 12km de extensão, as centenárias casas de pedra da rota incluem moinhos, cantinas coloniais, casa de massas caseiras, teares, casa de doces e, claro, vinícolas. As atrações estão sinalizadas e rendem todo um carrossel de fotos – ah, inclusive é possível tirar fotos com lookinho vintage e vestida como colono. Quando descobriram que eu era carioca, ficaram felizes em me mostrar a foto de Marcelo D2 e família à caráter.
A rota termina não muito longe de Pinto Bandeira e rumei para almoçar na Cave Geisse, fabricante dos meus espumantes preferidos no Brasil. As visitas e degustações são concorridas, mas o wine lounge ao lado do parreiral é super agradável. O lugar conta com belisquetes em vez de pratos e rótulos que não encontro no Rio.
Perfeição não exist…. degustação de vinhos harmonizados com chocolates foi a boa do fim de tarde na Casa Valduga. Embora seja uma vinícola industrial, a visita é incrível, a infraestrutura é impressionante e dá um super orgulho de vivenciar isso no Brasil. É uma experiência bem completa, com direito a entrar na sala onde as barricas “escutam” cantos gregorianos.
A Garibaldi é uma das vinícolas mais populares – do tipo que para ônibus de excursão na porta – talvez devido ao baixo preço da degustação. Mas uma vez em Garibaldi, achei que valeria a pena conhecer. Os rótulos não são grande coisa – pra mim, a graça foi saber como a empresa se organiza em cooperativa – mas a cidade de Garibaldi é uma fofura e vale a pena um passeio pelo seu centro histórico. A Rua Buarque de Macedo tem fachadas centenárias com redes e cabeamentos subterrâneo e canteiros de flores.
Os diferenciais da Peterlongo são seu prédio centenário, com uma vibe meio castelo, e o fato de ser a única vinícola fora da região que pode usar a expressão ‘champanhe porque’ já denominava assim suas bebidas antes da expressão passar a ser restrita. A autorização foi obtida por decisão judicial aqui no Brasil. O champanhe Elegance, de fato, é excelente.
O almoço foi na gracinha da Tabacaria Benvenuto, no centro de Garibaldi. Era meu último dia de viagem – voltaria no dia seguinte, então não beberia para depois pegar estrada – à tarde foi hora de sprintar. A estratégia foi tomar uma tacinha em cada vinícola que eu gostaria de conhecer: as sofisticadas Don Laurindo e Almaunica e as minúsculas Angheben e Foppa & Ambrosi, onde fui recebida pelos donos (você está julgando a quantidade de vinhos bebidos)?
Fiz a digestão num festival de balonismo que estava rolando em Bento Gonçalves e fechei a viagem com um jantar em cinco tempos na Peculiare, que além de restaurante é pousada e vinícola.
Levei muito tempo para conhecer o Vale dos Vinhedos, mas saí impressionada com o lugar, que não deixa nada a dever às regiões produtoras europeias. Impressionada e bêbada. Saúde!
Carioca da Zona Norte, hoje mora na Zona Sul. Já foi da noite, da balada e da vida urbana. Hoje é do dia, da tranquilidade e da natureza. Prefere o slow travel, andar a pé, mala de mão e aluguel de apartamento. Se a comida do destino for boa, já vale a passagem.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.