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Piracanga e SXSW: uma ecovila na Bahia e o maior festival de inovação do mundo são experiências tão parecidas e diferentes

Quem escreveu

Luciana Guilliod

Data

25 de April, 2022

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Março foi um mês transformador – não apenas por fazer aniversário e a data sempre implicar numa renovação – mas porque finalmente participei de duas vivências complementares em conteúdo, opostas em forma e convergentes no intento de construir futuros mais inclusivos, plurais e sustentáveis. Em março, conheci Piracanga e fui no festival SXSW. Vamos comparar como é viver na ecovila na Bahia e participar do maior festival de inovação do mundo.

Piracangue-se

Piracanga é uma comunidade fechada com pouco mais de duas centenas de habitantes, distante de qualquer cidade de porte mediano e para onde não há transporte público. A natureza deslumbrante do sul da Bahia atraiu indivíduos em busca de maior integração com a natureza e com seus iguais. O coração da ecovila é o centro Inkiri, onde acontecem diversas atividades e há espaços de convivência, restaurante e hospedagem. Há apenas um outro restaurante na vila e uma vendinha, além de uma feira livre que acontece duas vezes por semana. É preciso cuidar. Se você não se organizar, não come.

Piracanga tem quilômetros de praias desertas (foto: Luciana Guilliod)
Piracanga tem quilômetros de praias desertas (foto: Luciana Guilliod)

Embora pequena e sem firulas, há muito em Piracanga: mangue, praia, rio, coqueiral, estrada de terra. Escola de ensino fundamental, coworking, centro de meditação do Osho, aulas de ioga, massagem ayurvédica, cerimônia de plantas de poder, surf, dança circular. A comunhão com a natureza e a relação em comunidade são o princípio e o fim de Piracanga.

A intenção é ser o mais circular possível: 100% das casas funcionam com energia solar, todo o resíduo orgânico é compostado, os produtos são biodegradáveis pois a água potável vem do lençol freático local, a alimentação é vegetariana.

A alimentação em Piracanga é  vegetariana e deliciosa (foto: Luciana Guilliod)
A alimentação em Piracanga é vegetariana e deliciosa (foto: Luciana Guilliod)

A maioria da população fixa e flutuante de Piracanga é formada por brasileiros do Sudeste. Gente de capital que não se enxergou numa vida ancorada na busca por capital. O começo de qualquer mudança assusta. É proibido usar secador de cabelos? Não há guardanapos? Eu mesma pego a comida e lavo a louça? Logo a chave muda e passamos a perguntar menos “por que” e mais “por que não?” Existe algo intrinsecamente ruim em pegar chuva? Por que gerar resíduos se tudo pode ser seco pelo sol e vento?  Piracanga foi onde, finalmente, vivi o conceito de comunidade. Se eu não abrir o restaurante, a professora do meu filho não almoça. Se meu vizinho não der carona, não consigo buscar um documento em Ilhéus. Tudo é comunitário, colaborativo. Em uma comunidade onde todos estão intimamente conectados entre si e dependentes da natureza, relações superficiais se aprofundam e trocas se intensificam. Piracanga ensina pelo exemplo. Piracanga é o instrutor de ioga que ajusta delicadamente sua postura, demonstrando sem julgamento o quanto você estava errado e apontando um novo caminho do que é realmente viver.

Keeping Austin weird no SXSW

Austin é outro universo – ou seria um metaverso? Uma metrópole estadunidense com highways e arranha-céus, que se orgulha de ser a cidade mais estranha ao norte do Equador e onde observar morcegos é a atração turística número um. Por 10 dias no mês de março, Austin se transforma no epicentro mundial da criatividade e inovação, durante o SXSW.

Palco do SWSW, Austin é um oasis progressista no Texas.
Palco do SWSW, Austin é um oasis progressista no Texas.

É difícil descrever o festival. Seria simplista dizer que o SouthBy une cinema, música, palestras, tecnologia e startups e 200 mil pessoas por edição. O SXSW é sobre ideias e encontros. E encontro de ideias. Políticos, empreendedores, tomadores de decisão e executivos vão para Austin para se inspirar e tomar pulso de aonde o mundo está caminhando. O festival une o mainstream e o independente, quem chegou lá e quem quer estar.

O publico do SouthBy é cool, politizado, empreendedor, criativo. É tudo junto e misturado. Os keynotes do evento também participam de pequenos encontros e metade da plateia do SXSW é tão qualificada que poderia estar no palco. O networking se dá não só nos encontros organizados para tal, mas nos happy hours, nas intermináveis dicas nos grupos de whatsapp, nas filas para as ativações de marca.

Não faltam no Chicken or Pasta informações sobre a dinâmica e a programação do SXSW. Mas a mágica do festival acontece no agregado, quando as informações das palestras e conversas se conectam na sua cabeça e você começa a separar os sinais dos ruídos.

Diferentes vivências como resposta ao mesmo problema

A urbanização de Austin oferece as mais variadas formas de micromobilidade, o mercado tem baixa presença de grandes varejistas e a cidade transpira tolerância ao diferente e incentivo à autoexpressão. No fundo, a proposta do SXSW é a mesma de Piracanga: construir um futuro diferente e morar numa comunidade que destoa do padrão. O padrão é o mesmo – e todos nós da rat race sabemos quais são: exploração de recursos naturais, pressa, lucro acima de outro valores. As duas vivências proporcionam visões de mundo mais convergentes que conflitantes. A divergência é com o padrão que aí está.

O SWSW é sobre intensidade, abundância, FOMO
O SWSW é sobre intensidade, abundância, FOMO

Diferente de muitas buscas pessoais de “cura” e “propósito”, a proposta do SXSW e de Piracanga passa pela construção de comunidade e responsabilidade com o coletivo. Em Piracanga, o lucro é distribuído por meio de Money Pile, no qual além da participação e da meritocracia, são considerados também aspectos como situação financeira atual, sonhos e necessidades individuais e coletivas. No SXSW compartilha-se experiências de capitalismo consciente, renda básica universal e organizações autônomas descentralizadas (DAOs).

As divergências são óbvias: uma metrópole americana e um vilarejo na Bahia são essencialmente diferentes. Grande e pequeno. Concreto e floresta. Rico e em desenvolvimento. Enquanto o tempo em Piracanga passa sem pressa, em Austin você tem a impressão de que está sempre perdendo algo. O SWSW é sobre intensidade, abundância, FOMO. Piracanga é sobre essencialismo e austeridade. O SXSW propõe as mudanças nos governos, nas empresas, na sociedade. Piracanga é feita de iniciativas de pequenos grupos.

Praia, mar, mangue, rio, floresta, coqueiral: a natureza é abundante em Piracanga (foto: Luciana Guilliod)
Praia, mar, mangue, rio, floresta, coqueiral: a natureza é abundante em Piracanga (foto: Luciana Guilliod)

Há, porém, um pequeno gosto de cabo de guarda chuvas na boca em ambas as vivências. Piracanga e SXSW são protagonizados pela elite brasileira branca, hetero e do Sudeste – embora, justiça seja feita, há um número equilibrado de homens e mulheres. E me pergunto o quanto gente assim quer mudar um sistema que lhe privilegia.

E, após tanta discussão, quando de fato a mudança ganhará o mundo? Quando sairemos do discurso à prática? Quando o sustentável, o inclusivo e o abundante serão uma alternativa real?

Isso posto, há mais que celebrar que criticar. Ao contrário de muitas vivências auto centradas de espiritualização e cura que frequentei, o olhar não é colonizador, as pautas e as soluções são sempre coletivas. E não é porque o processo é imperfeito que a caminhada não seja válida e necessária. Piracanga e SXSW são o MVP do mundo que quero viver. E sigamos promovendo a iteração e a melhoria que pode ser gradual, mas contínua.

Quem escreveu

Luciana Guilliod

Data

25 de April, 2022

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Luciana Guilliod

Carioca da Zona Norte, hoje mora na Zona Sul. Já foi da noite, da balada e da vida urbana. Hoje é do dia, da tranquilidade e da natureza. Prefere o slow travel, andar a pé, mala de mão e aluguel de apartamento. Se a comida do destino for boa, já vale a passagem.

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    Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.