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O jejum de explorar lugares e o lema ‘mantenha a distância’ de nossos tempos me esclareceram algumas coisas: como a superlotação de turistas e a ressaca de viagem me fizeram mais modesta ao escolher o que ver do mundo
“As memórias são o único paraíso do qual não se pode ser expulso”. Assim como você, eu também contei durante meses nessa pandemia apenas com minhas memórias de viagem. Ah, se não fossem elas. Ninguém pode me tirar o privilégio de lembrar do mar turquesa italiano batendo nos meus pés num escaldante verão siciliano ou as cores de um macaron nas vitrines das exuberantes patisseries de Aix-en-Provence.
Se não fosse meu álbum de fotos do Google relembrando as viagens que fiz durante os anos, não sei como teria lidado com o lockdown em pleno inverno no hemisfério norte. Parecia real por um instante o cheirinho de café fresco em mãos enquanto apreciava as ruas de Viena ou o colorido dos prédios enquanto passeava pelas ruas de Prenzlauer Berg em Berlim. “Você se lembra?” talvez foi a frase mais comum ao compartilhar memória com amigos e familiares. #TBT, então, foi a perspectiva mais próxima de se sentir viajando de novo.
No entanto, o impacto em nosso estilo de vida trouxe grandes reflexões também na questão viagem. Agora que fomos obrigados a não viajar por motivos não-essenciais (desde quando viajar por lazer não é essencial? Sempre questionei essa), estamos também mais críticos com os destinos que escolhemos. Explico.
Na sua próxima aguardada trip, você realmente quer passar um longo período no avião lotado? Já pensou na aglomeração dos destinos turísticos e o seu sentimento em relação a isso? Depois do mantra de nossos tempos – “Mantenha distância” – fica difícil ficar confortável entre tanta gente.
Minha inquietação sobre o turismo como prática cultural e poder econômico havia se fortalecido. O Corona veio apenas para esclarecer algumas coisas. Eu vi por mim mesma como a superlotação de turistas literalmente destruía lugares que valiam a pena ver. Como visitantes de lugares que não são nossos, notamos com certo atraso que estamos tirando de lugares exatamente o que tornam sua magia tão especial.
Adoramos fazer selfie em praias badaladas e em monumentos históricos e até na Muralha da China, mas não podemos ficar cegos para o que isso gerou: crise dos aluguéis com a popularidade do Airbnb, lixos no mar e um aumento sem precedentes de redes de cafés e cadeia de restaurantes, tirando espaço dos locais independentes e da liberdade de pagar um decente aluguel numa grande metrópole.
A questão é que, com todas as boas lembranças, há também muitas ressacas de viagem. Ressacas que nos levam a querer ser mais modestos no direito de ver algo do mundo. Deixar outros que não viram tanto irem primeiro. Eu mesma quero ficar pela Europa por um tempo, longe dos lugares lotados e que todos querem ir. Por que não explorar o restaurante que ninguém está falando sobre? Aliás, explorar o que ninguém está falando sobre é o novo black. Na pós-pandemia. Já deu hashtag.
Quando estou no Brasil, desejo ter um ano todo de férias para explorar tanta cidade maravilhosa que não priorizei quando morava em São Paulo. Morro de amores pela comida, pelo atendimento aconchegante, o sorriso no rosto, as barraquinhas de comida que nem sonhamos ter na melhor praia europeia. Então, caro amigo, te convido a ser mais viajante do que turista. Vá explorar o Brasil. Se morar em outro continente, explore aquele cantinho que ninguém falou sobre. Pegue um atlas. O mundo é realmente grande.
Estou mais para alugar um apartamento boutique em Crema, na Lombardia, e chegar sem reserva para almoçar num restaurante de 1800 com aparência caída numa piazza italiana, para ter a cozinha da nonna em funcionamento só para mim. Ou mergulhar numa pequena cidade da Floresta Negra no outono, quando o movimento é menor. E comer escondida o bolo que dá fama à região como se ninguém julgasse meu pedido. Por que não trocamos a Flórida por São Miguel dos Milagres ou Paris por Arles?
Acima de tudo, para tornar as memórias das grandes viagens ainda mais duradouras. Sinto desejo de viajar quase todos os dias, e terei uma ponta de arrependimento ao pensar nos lugares que tirei da lista, parte do turismo de massa. Pode doer para você também repensar sua viagem para a Disney, o Caribe, Nova York, Japão, Cingapura e Bolívia, mas vai ser muito especial quando descobrir um local para chamar de seu. Conheça melhor ainda alguma paisagem que já viu.
Compre uma Polaroid, leia mais sobre o lugar, assista a um documentário, conheça a origem de onde pisa, sinta frio, calor, brinde-se de sensações, alegria, entusiasmo, choque. Mas sinta, entregue-se ao espírito do momento. Vale tudo, só não vale ir com medo.
*Foto capa: Natalia B.
Colocou os pés em Londres pela primeira vez aos 17 e sabia que não pararia por ali. Depois de inúmeras visitas, entregou-se de vez a esse casamento britânico, que já dura sete anos. Agora tem mais motivos para ser feliz porque ouve o Mind the Gap todos os dias e pode se lambuzar com as delícias de um cacio e pepe em Trastevere em apenas 2 horas, pois acredita que viajar é papo sério e comer bem, mais ainda, além de ter certeza que um cappuccino bem tirado pode transformar o dia.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.