Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Uma das coisas mais bacanas do SXSW é o clima cosmopolita do evento. Por dez dias uma cidade de 800 mil habitantes é invadida por 200 mil turistas de dezenas de países em busca de boa música, inovação, conexões e experiências.
A cultura de cada país é compartilhada não somente na programação musical, nas palestras e nas salas de cinema. Alguns países invadem Austin literalmente, criando casas temáticas para mostrar o melhor de seus países. Aterrissaram este ano no SXSW várias casas de países. Eu consegui visitar o México, Reino Unido, Holanda, Canadá, Alemanha, Austrália e a do Brasil.
Eu fiz essa viagem e dei a volta ao mundo em Austin em uma semana.
Comecei pela Casa México, que foi montada no Centro Cultural Mexicano. A curadoria pegou pesado no posicionamento político. A casa tinha uma exposição de arte bem crítica aos Estados Unidos com uma obra que reproduzia um muro com buracos pelos quais víamos a imagem de pessoas do outro lado. A arte está cada vez mais presente no SXSW, especialmente a arte-crítica.
A gastronomia local também foi um ponto alto, com degustação de tequila, cerveja corona, jaritos, tacos e nachos, além de uma inesperada degustação de vinhos de uma região vinícola do México que estava sendo divulgada por lá. Tudo cortesia no happy hour.
Em um espaço destinado ao turismo, o piso era de areia e havia uma experiência VR para divulgação de destinos praianos do país. A cenografia também tinha projeções mapeadas sobre chapéus mexicanos, uma solução simples que mostrava a união da tradição com a tecnologia.
Deixou a desejar a programação musical e palestras. Ou seja, a casa era bem bacana, mas não tinha a essência do SXSW.
A casa que representava o Reino Unido era uma totalmente focada em música, tanto que se chama British Music Embassy. Ela é uma das casas de países mais antigas do SXSW, tendo feito em 2019 sua 12ª edição. A programação musical tem curadoria de parceiros como AIM, BBC Music, BPI, DIT, PPL e PRS for music. Ou seja, música boa e casa cheia todos os dias. Simples e assertivo para os music lovers traduzindo bem um dos pontos fortes dessa parte do mundo.
A Holanda apresenta a casa “New Dutch Wave”, tema que lançaram no SXSW em 2017. A programação girava em torno de criatividade e empreendedorismo com muitos painéis focados em urbanismo. Eu assisti um painel que discutia a importância do entretenimento noturno na qualidade de vida de uma cidade. O painel teve a mediação do prefeito da noite de Amsterdã. Projeto foda! No painel, foram apresentadas as estratégias criadas por Amsterdã na criação de uma cidade mais viva durante à noite, gerando crescimento do turismo após estas medidas que também de elevaram a cidade para a 4ª cidade mais visitada no mundo pelos millenialls.
Após as palestras, rolavam happy hours com hambúrguer e cerveja grátis. Comes e bebes, pessoas legais e bons papos sempre com boa trilha. O SXSW é muito sobre isso. Às vezes se aprende mais nos papos após as palestras do que na palestra em si.
A casa estava ótima, só senti falta do patrocínio de uma marca de stroppewaffels… ;-) Além dos painéis, a casa abrigava shows diariamente.
Passei pela casa do Canadá rapidamente quando estava rolando um show que não me atraiu. No SXSW cada pessoa pode ter diferentes experiências nos mesmos lugares. É tanta coisa ao mesmo tempo, que à vezes você passa em um lugar na hora certa e às vezes não. Foi o que rolou comigo aqui. Além da música, a Canada House abrigou uma programação também de filme e interactive.
A casa da Alemanha, a famosa German Haus, tem há anos o título de favorita no quesito “música em casas de países”. E este ano não foi diferente, apesar de ter saído da Barracuda, que tem um espaço excelente, e ter ido pra Graeber House, que tem um espaço físico mais complicado de trabalhar.
Um dos shows mais bacanas que eu vi nesta edição do SXSW foi na German Haus. Uma banda de techno analógico que faz música eletrônica com bateria, guitarra e baixo chamada Komfortrauschen. Quatro por quatro, dançante e pesado.
Vi também em um outro espaço patrocinado pela German Haus um show maluco de um cara chamado Moritz Simon Geist. Ele, além de músico, é engenheiro de robôs. Moritz faz robôs que tocam música e se apresenta com eles tocando música eletrônica. Os alemães estão mesmo entre os mais doidos do planeta, sempre soube.
Além da música, a German Haus apresenta anualmente uma agenda bem intensa de palestras sobre smart cities, inovação, inteligência artificial, criatividade, indústria da música, realidade estendida e instalações imersivas de arte. Dava pra passar o festival inteiro lá.
Na German Haus tinha também cerveja americana à vontade com snacks, mas poderia ser uma boa cerveja alemã, não é mesmo? As casas poderiam investir mais em parcerias para trazer comes e bebes originais de seus países. A experiência ficaria bem mais genuína.
A casa da Austrália foi a minha favorita. Várias bandas de rock e pop de qualidade no dia em que passei por lá. Chopp e vinhos australianos, coquetéis e também petiscos assinados por um chef de um restaurante da Austrália. Vibe ideal.
Tinha uma programação de palestras durante o dia, além de um espaço de incentivo ao turismo com tecnologia onde você pintava um canguru em um iPad e a imagem era impressa em uma eco bag que você ganhava junto com um catálogo de fotos dos pontos turísticos do país. Tudo certo para uma casa de país no SXSW. Boa música, bons comes e bebes, palestras, turismo e tecnologia, além de ficar numa das casas mais fofas da Rainey Street, a Lucille.
E para finalizar o rolê, a casa do Brasil que estreou este ano no festival. A cenografia estava bonita. O espaço, que era um estúdio de yoga, foi todo envelopado de lona amarela com esquadros de alumínio que traziam um tom de modernidade e minimalismo.
A casa focou em palestras e paineis de brasileiros com o tema “Meet the True Makers”. A cada dia teve um subtema: tech makers, design makers, impact makers, visual makers e entertainment makers. Várias pessoas legais do Brasil falaram por lá.
Já no quesito gastronomia, a casa infelizmente deixou a desejar. Na tarde de abertura foi servido um coquetel sem bebida alcoólica, o que pra mim é tipo churrasco sem carne. As bebidas do coquetel brazuca eram Coca-Cola, Guaraná e suco em lata americano. Nada de caipirinha, nem uma cervejinha, nem um chá mate com limão que fosse… Só o guaraná nos representando. Momento triste do rolê, mas o espaço não tinha permissão para vender e/ou dar álcool, o que foi uma falha não terem atentado pra isso quando alugaram o espaço.
Os canapés também não refletiam nossa culinária. Poderíamos ter arrasado com um cardápio simples de típicos salgadinhos brasileiros como coxinha, croquete, pastel e pão de queijo, e tudo isso através de parcerias com marcas brasileiras de alimentos e bebidas, sem custos para a produção da casa. A meu ver faltou uma estratégia de parcerias para a casa do Brasil arrasar na gastronomia. Nem café brasileiro tinha por lá. Tenho certeza que seria do interesse de muitas marcas ter seus produtos divulgados em Austin, faltou este olhar e criar estas conexões.
Já os músicos brasileiros mandaram muito bem como sempre, mas não tocaram na casa do Brasil (talvez por ela ser pequena, não sei). Cada um dos artistas que foram para o SXSW fez 2 ou 3 shows por lá, e encerraram suas temporadas em uma noite brasileira em um bar local, o Lucille. Boogarins, Xênia França, Luedji Luna, Bexiga 70 e Karol Conka deixaram os americanos em choque ao criarem uma pista de dança sensacional com os gringos descendo até o chão. Rolou momentos de catarse coletiva durante quase todas as performances.
A música brasileira certamente ainda vai crescer muito no mercado internacional!
Perdi a casa da Escandinávia, que este ano mudou de lugar passando a ocupar um espaço que traduz bem o design escandinavo, uma casa de vidro e madeira bem moderna. Eles também tiveram um restaurante pop-up com Paul Svensson, chef do restaurante do museu Fotografiska, em Estocolmo. A participação da Escandinávia cresceu bastante em relação aos dois últimos anos.
Não da pra ver tudo mesmo. Fica sempre aquela sensação de FOMO (fear of missing out)…
Em uma avaliação final, considerando que as casas são um espaço que representa a cultura de um país no maior evento de música e inovação do mundo, percebo que ainda dá para melhorar a experiência do público e deixar mais visível as culturas locais.
Boas palestras e boa música são essenciais. E nisso a maioria já acerta.
Boa gastronomia é sinal de um país que investe e se relaciona com suas indústrias locais. No caso, das casas que eu visitei, só Austrália e México acertaram neste quesito. A Espanha é famosa também por servir paella durante os showcases de bandas espanholas, mas não consegui experimentá-la dessa vez.
Além disso, senti falta de arte, inovações e tecnologia na maioria das casas. As lições aprendidas a cada edição do festival parece ainda não aplicada às ativações de países. A Alemanha é uma das poucas que acerta em todas as frentes que tem abraçado crescendo sua participação a cada ano que passa.
Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.