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Num futuro não especificado mas não muito distante, já não existem nações como as conhecemos: o planeta é divido entre algumas poucas famílias, que controlam os territórios e suas populações com mão de ferro. Cada família tem um campeão para defender seus interesses, um humano aperfeiçoado com melhorias genéticas e cibernéticas, chamado de Lazarus. É nesse ambiente neo-medieval que se desenrola a trama dessa incrível HQ de Greg Rucka e Michael Lark.
Rucka, um veterano escritor de quadrinhos e romancista premiado, com passagem por títulos que incluem Batman, Mulher Maravilha e Wolverine, é conhecido por duas coisas: tramas complexas e políticas (na medida do possível para gibis de super-heróis) e pela predileção por personagens femininas fortes. A idéia para Lazarus veio de um questionamento: o que aconteceria se, extrapolando a situação atual, os 1% mais ricos do mundo dominassem não 10 ou 50% da riqueza do planeta, mas sim 99%? Nesse mundo, conglomerados familiares cresceram tanto a ponto de terem mais riqueza e poder que a maioria dos países, fazendo com que essas famílias eventualmente decidam abolir os governos e dividir o mundo entre si.
As sociedades de Lazarus são dividas em 3 castas bem definidas: a família, que detém poder absoluto; os servos, que prestam serviço direto a família e por isso tem alguns privilégios, e a imensa maioria da população, denominada apenas de waste – lixo – que é explorada e sobrevive como pode. E Rucka não nos deixa esquecer como como essa divisão é injusta, já que quase toda cena começa com uma indicação da localização, acompanhada da quantidade de membros da família presentes (alguns poucos), servos (talvez algumas dezenas) e lixo (centenas ou eventualmente milhares).
Acompanhamos de perto a história da família Carlyle, cujos domínios incluem a maior parte do que hoje é os Estados Unidos, e principalmente sua Lazarus, Forever Carlyle. Aos poucos vamos conhecendo os outros atores desse mundo, como o patriarca Jacob Carlyle, os irmãos Jonah e Johana, a treinadora Marisol, além de membros das outras famílias como o Lazarus da família Morray, Joacquim, o impiedoso Hock, etc. O mundo de Lazarus é amplo e a impressão é que ainda só arranhamos a superfície.
Tematicamente, Lazarus é uma mistura de diversos estilos. Há bastante ação sci-fi mas também muitas intrigas familiares. Há uma interessante exploração psicológica da personalidade de Forever, que questiona constantemente sua identidade e suas lealdades, mas principalmente há muita intriga política. Uma hora você vai lembrar d’O Poderoso Chefão, na outra de um livro do Tom Clancy e na seguinte de Game of Thrones – e tudo funciona muitíssimo bem. Os personagens evoluem de forma que uma HQ corporativa da DC ou Marvel nunca poderia permitir, e Rucka evita as reduções maniqueístas – no mundo de Lazarus não existem heróis e vilões mas sim tons de cinza.
Para materializar esse mundo Rucka convidou o desenhista Michael Lark, dono de um traço sujo e expressivo. Ambos já haviam trabalhado juntos na premiada Gotham Central (no Brasil, Gotham City Contra o Crime). Lark é um mestre da narrativa e da coreografia nas HQs, e suas cenas de batalha são verdadeiramente cinematográficas. Lark é auxiliado na ambientação pelas cores certeiras de Santi Arcas, abusando das sombras e tons frios.
Nos EUA, Lazarus é publicada pela Image Comics e já teve 28 edições lançadas. Recentemente a série sofreu uma alteração de formato e agora passou a ser publicada em edições trimestrais com mais páginas, com o título de Lazarus Risen. O primeiro volume chegou as bancas agora no final de março. Além disso foi lançado um jogo de tabuleiro ambientado no mundo de Lazarus, e está em desenvolvimento uma série de TV, produzida por Rucka para o Amazon Studios, embora ainda sem data de lançamento definida. No Brasil, a Editora Devir já publicou os primeiros dois encadernados da série.
Finalmente, uma dica: se tiver acesso as edições originais, não deixe de ler a seção de cartas de Lazarus. Embora não sejam essenciais pra história, é lá que Rucka faz grande parte do world building da série, indo mais a fundo na história das famílias, elaborando temas levantados pela série, tirando dúvidas, sugerindo material complementar de leitura e comentando sobre acontecimentos recentes da política e ciências.
Paraense radicado em Lisboa. Engenheiro, cozinheiro e cervejeiro, sem ordem específica de preferência. Viajante de vocação.
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