Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
A primeira vez que vi a Patti Smith ao vivo foi no Tim Festival em 2006. Desde então, se passaram 13 anos. Patti Smith está com 72 anos e em plena forma. Ontem ela lotou a moderna sala de concerto Pierre Boulez Saal, no coração de Berlim, para apresentar um show intitulado “Memória” (“Erinnerung” em alemão era o nome original). Foram vendidos os 500 ingressos em menos de 8 minutos. Eu consegui o meu com muita sorte quando eles colocaram mais uns poucos ingressos à venda, que também se esgotaram em poucos minutos.
A data não poderia ser mais emblemática. Percorri seu instagram em busca de alguma pista do que seria nossa noite juntas. Seu último post, publicado poucas horas antes, era uma homenagem ao Robert Mapplethorpe e ao Fred “Sonic” Smith. Dia 4 de novembro é a data de aniversário de Mapplethorpe e também aniversário da morte de seu marido Fred. Na abertura da noite ela mencionou que seu neto, coincidentemente, também faz aniversário na mesma data. O programa entregue na entrada da sala já antecipava que a noite seria sobre: nascimento, morte, transição e esperança, pois além de ser uma noite sobre sua vida pessoal, era também um show para celebrar os 30 anos de queda do muro de Berlim.
Coincidentemente, seu último show que vi foi no Zitadelle Spandau em 2017, aqui em Berlim, época da morte do Sam Shepard, o que levou uma Patti Smith bem emocionada ao palco. Ele também foi lembrado e homenageado na noite de ontem.
Para a decepção da maioria, a sala de concertos avisou que não seria permitido fotografar ou filmar, mas isso trouxe uma leveza e maior atenção no tempo que durou a apresentação.
A noite foi embalada ao lado de Tony Shanahan, músico que a acompanha desde 1996. Os cabelos brancos tomavam conta da plateia e do palco. O público muito bem vestido estava numa faixa etária média dos 60/70 anos. Fiquei me perguntando quem serão meus ídolos quando eu chegar a essa idade, pois a maioria dos meus ídolos poderão não estar mais aqui. Alguns já não estão.
O palco do Pierre Boulez Saal é 360º. Logo que a Patti Smith entrou, ela riu e pediu pra gente não se preocupar porque ela giraria ao longo do show pra que todos pudessem vê-la. E cumpriu a promessa.
Ela estava bem humorada como costuma estar. Contou rapidamente que desde que chegou na cidade, visitou um café e depois foi ao cemitério. Acabou se perdendo um pouco, o que a fez chegar atrasada no hotel. Por isso, não deu tempo de lavar os cabelos, que estava meio bagunçado com suas habituais tranças caídas pro lado.
O show, muito diferente dos que vi anteriormente, foi bem emocional. Ela começou com uma fala eloquente sobre suas perdas e ganhos acontecidos nesta data, 4 de novembro. A noite foi de poesia, música, conversa e algumas risadas.
Patti Smith abriu o show lendo um trecho do livro “Just Kids” numa homenagem ao seu amigo Mapplethorpe. Vê-la ler ao vivo um dos livros que eu mais gostei na vida anunciou que dali pra frente seria só emoção. Na sequência ela entoou a canção “Wing”, mostrando que sua voz continua potente e cristalina. “My blakean year”, “Dancing Barefoot”, “Pissing in a River”, “Beneath The Southern Cross”, além dos covers “After The Gold Rush” (Neil Young), “Love Is All We Have Left” (U2) e “Perfect Day” (Lou Reed) estiveram presentes no repertório, que quase não contou com hits, com esse último cover trazendo uma dose extra de emoção de tão lindo que foi vê-la interpretá-la. “How Do You Think It Feel”, do Lou Reed, ganhou uma versão na voz e violão de Tony Shanahan.
Ao longo da noite, contou algumas histórias vividas ao lado do Fred, leu um trecho do seu novo livro “O ano do macaco”, que será lançado pela própria autora em sua passagem por São Paulo. Pediu desculpas pelo seu inglês, a única língua que disse saber falar, inclusive riu porque leria uma carta do Beethoven, que costumava ler para o Fred, em inglês.
Antes de sair do palco, falou que “lembrar não precisa ser algo ruim, lembrar pode ser uma celebração”, como foi essa grande noite de ontem.
Ovacionamos até os dois retornarem aos palcos embalando “Because the Night”, que fez a plateia levantar, gritar e cantar junto (algo que numa sala de concerto ganha outra dimensão).
A Patti Smith mostrou em 1h30 que continua visionária e punk como sempre foi. Se você está em São Paulo, eu só posso dar um aviso: Não perca o show dela no Popload Festival por nada (li que só tem 10% dos ingressos à venda). Valerá cada centavinho.
O que faz seu show tão especial é porque a Patti Smith é das raras artistas que leva sua vida para o palco. Lá estão suas histórias, amores, emoções, literatura, poesia e música. Ela sempre se mostra à vontade por estar ali e se entrega do início ao fim. Ela se conecta com o público, ela enche a gente de amor. Essa é a Patti Smith.
Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.