Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Beyoncé transformou o Coachella em Beychella e vendeu o show para a Netflix em um negócio avaliado em USD 60 milhões. Billie Eilish, a nova super estrela teen, tem seis canções no Top 50 Global do Spotify. Em duas semanas, o novo single da Taylor Swift acumula quase 60 milhões de streamings e mais de 145 milhões de views no Youtube. Ariana Grande se juntou aos Beatles ao ocupar as três primeiras posições do Hot 100 da Billboard simultaneamente. O panorama musical tem sido dominado por power women de todos os estilos e idades.
Remando contra a maré e ignorando o óbvio, essa realidade ainda não é refletida nos lineups dos principais festivais de música do mundo: uma pesquisa realizada pelo Pitchfork descobriu que a representação feminina nos principais festivais americanos em 2018 é de apenas 19%. Por que as mulheres ainda são minoria nas letras grandes dos cartazes, quando fora dali os grandes nomes das grandes cifras são femininos? Onde é que o fluxo falha e impede que mulheres cheguem aos grandes palcos da mesma maneira que os homens? Como dar a volta nisso? O que vem sendo feito para que mulheres possam ocupar um espaço que – em outros lugares – já foi conquistado por elas?
Alguns poderão dizer que essa é uma questão artística e não de gênero. Uma decisão tomada por bookers (que são, em sua maioria, homens) tendo em mente a relevância musical de cada artista e que este deveria ser o único critério decisivo. Que quando gênero define relevância, quem perde é a música.
Não dá mais para se apoiar no “mas sempre foi assim” e as regras de antes. Na maioria dos casos, elas só servem para causar vergonha. Para remendar um soneto falido que há anos vem privilegiando – sem questionamentos – o artista homem, branco e hétero, é preciso fazer força, abrir espaços com facão e deixar claro que a diferença gritante não é uma casualidade. É preciso se posicionar.
O barulho desse caldeirão fervendo já começou a ser ouvido em vários lados e o grito mais alto veio do Primavera Sound: o festival catalão foi o primeiro e único megafestival de música a se jogar na piscina e assumir o compromisso com o “novo normal”: a paridade de gêneros em seu lineup. Um equilíbrio orgânico entre homens, mulheres, horários, palcos e estilos.
Outro importante passo para essa nova normalidade vem da Keychange, uma iniciativa internacional que mira em transformar o futuro da música encorajando festivais e organizações musicais a alcançar a paridade de gênero de 50% até 2022. Em atividade há pouco mais de um ano, a Keychange já conta com 165 festivais participantes (dentre os quais, a maioria é de eventos pequenos ou médios).
A ajuda anônima vinda da mão invisível da internet também está ativa, de olhos em tudo e esfregando na cara de todos o que alguns insistem em dizer que “é só coincidência”. O perfil @bookmorewomen no Twitter, por exemplo, usa gifs animados para mostrar como ficariam os lineups dos festivais se os nomes dos artistas homens fossem excluídos. Spoiler alert: sobra meia dúzia de gatas pingadas e o vácuo deixado por eles é imenso. O perfil ainda compara a diferença de gêneros dos festivais à sua edição passada para saber quem vem junto e quem é parte do problema.
Depois de muitos anos cobrindo festivais de música, Lalai e eu estávamos em uma crise existencial musical. Tudo parecia já ter sido dito, todos os principais festivais já tinham sido visitados e faltava um molho de novidade para que o assunto voltasse a ser interessante para nós e para os leitores.
Não deveria ser uma novidade e talvez até estejamos subindo com um certo atraso nesse bonde. Antes tarde do que nunca e, a partir de agora, as coberturas de festivais de música aqui no Chicken or Pasta também serão regidas pela batuta do “novo normal”, da igualdade e da paridade. Afiaremos o olhar para procurar o que se alinhe a isso. Abriremos espaço para os que acreditem de verdade em uma igualdade possível. O mundo dos festivais está engatinhando para fora da inércia e o Chicken or Pasta vai caminhar junto para longe do “mas sempre foi assim”.
A primeira cobertura banhada por essa nova normalidade será, justamente, a do Primavera Sound. Testaremos um novo olhar e uma nova forma de contar a história de um festival que já conhecemos há anos, agora sob o prisma do gênero: quem são as mulheres que farão esse festival? Como essa paridade de gênero rebate no público? Como será o pós e todas peças que isso irá mover? E as artistas que se apresentaram, como viveram isso?
A partir daí nosso destino é incerto, mas é ideia é trazer contrapontos, abrir canais de discussão e mostrar como festivais de música podem ser inclusivos: aqui, na Espanha ou na Suécia. Estamos cavando um novo caminho e queremos convidar nossos leitores a também expandirem o olhar e a entrar no baile – e nessa descoberta – com a gente.
*Janelle Monáe no Coachella 2019. Foto: Kevin Winter, Getty Images.
Jornalista paulistana hiperativa que às vezes puxa o R lá do interior. Viciada em música, açúcar, livros e praia. É mais feliz no verão, acredita nos reviews do Foursquare e sempre dorme no meio filme. Há 5 anos, vive um caso de amor (correspondido) com Barcelona.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.