Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Que estamos vivendo períodos de incerteza, crise e turbulência (não só no Brasil, mas em todo o planeta) todo mundo já sabe. Agora, imagina uma mostra de arte – A mostra de arte mais importante do mundo – trazendo como temática uma alusão a este período sombrio?! Trata-se da 58ª Bienal das Artes de Veneza 2019! Com o título “You May Live in Interesting Times”, o curador americano Ralph Rugoff não pára por aí com a sua ousadia. Essa é a primeira vez que um curador da Bienal de Veneza escolheu trazer apenas artistas ainda vivos.
A exposição de arte é dividida em dois pontos: Os jardins da Bienal (Giradini) e o arsenal de guerra veneziano (Arsenale). Como proposta desta Bienal, o Arsenale abriga obras dos mesmos artistas do Girardini. 80 artistas e 87 pavilhões nacionais compõe o evento, que acontece até novembro em Veneza, norte da Itália.
A Bienal de Veneza traz uma exposição intensa de obras cheias de significados, simbolismos, analogias a tempos modernos, tempos de incerteza e caos. As obras são apresentadas em diversos suportes, mixed media, performances, fora as esculturas, pinturas e experiências sensoriais. Além desses dois locais mais importantes e potentes em termos de lançamento de obras de artes e artistas, a cidade fica repleta de eventos paralelos, exposições particulares nas tantas galerias de arte de Veneza e também manifestações de artistas que ficam fora da mostra, como o ousado Banksy.
No Girardini, logo na entrada, o público é surpreendido pela neblina espessa, uma obra de Lara Favaretto, “Thinking Head”, que já deixa na dúvida se é fumaça, se é neblina ou uma obra de arte.
Dos 80 artistas, o destaque de Leão de Ouro foi para o artista e cineasta Arthur Jaffa, que no Arsenale apresentou uma instalação com rodas enormes acorrentadas, e para o Giradini levou um vídeo “The White Album” (2018), que apresenta imagens do cotidiano de diferenças racistas.
Já a dupla Sun Yuan e Peng Yu exibiu a obra “Can’t Help Myself” no Giardini, com uma máquina limpando “sangue” em movimentos coreografados e trejeitos quase humanos. Já no Arsenale, a dupla apresenta “Dear”, uma instalação com uma cadeira similar à do Memorial de Lincoln, em Washington, onde uma mangueira de tempos em tempos solta uma pressão de ar girando numa espécie de dança maluca e agressiva.
Antes de chegar nos pavilhões principais da Bienal, é interessante pensar que o país vencedor do Leão de Ouro deste ano faz parte do roteiro paralelo. O pavilhão da Lituânia recriou uma praia na obra ‘Sun & Sea’. Parece uma ideia simples e sem graça, mas foi justamente a simplicidade do cotidiano que fez o coletivo levar o aclamado prêmio. O júri simpatizou com a performance apresentada pelos artistas Lina Lapelyte, Vaiva Grainyte and Rugile Barzdziukaite, que fazem uma crítica ao lazer e a contemporaneidade dos problemas climáticos, cantada por um grupo de performers e voluntários (o público pode participar todo sábado da performance).
Os pavilhões nacionais mais visitados, comentados e prestigiados do Giardini são: Estados Unidos (com esculturas do badalado artista Martin Puryear); Bélgica, com o título “Mondo Cane” representado pelos artistas Jos de Gruyter e Harald Thys, autodefinido como um museu que expõe a figura humana; Japão, que apresenta os artistas Motoyuki Shitamichi, Taro Yasuno, Toshiaki Ishikura e Fuminori Nousaku, com vídeos de indícios de tsunamis.
O pavilhão do Brasil também é destaque na mostra. Da obras da dupla Bárbara Wagner e Benjamnin de Burca e curadoria de Gabriel Pérez-Barreiro (curador da 33ª Bienal de SP), a obra “Swinguerra” trata da cultura popular brasileira sob o viés do brega, em um filme de 20 minutos que foi comissionado para a mostra. Mas é claro que todos os pavilhões valem a pena serem visitados, estudados e apreciados durante a visita. Vale fazer uma breve pesquisa para entender o que para você faz mais sentido.
Veneza é uma ilha que sofre com o turismo de massa: somando os viajantes que chegam de avião, trem e os cruzeiros, a cidade recebe mais de 20 milhões de visitantes ao ano (1,5 vezes a população de São Paulo). Os cruzeiros destoam na paisagem cinematográfica, bucólica, fofa e milenar.
Nesse contexto – de um lado a Bienal de Veneza e do outro um problema sério a ser reorganizado (já que o turismo é também fundamental economicamente para a cidade) – o artista Banksy provocou uma reflexão durante a sua passagem secreta pela cidade. No seu Instagram, Banksy declara: “Apesar de ser o maior e mais prestigiado evento de arte do mundo, por algum motivo, nunca fui convidado.” O artista trollou a Bienal e fez sua própria manifestação contra o turismo de massa em Veneza, e ainda deixou um estêncil muito característico do seu estilo na fachada de um palácio veneziano no Canal Grande, levantando a reflexão sobre denúncia social com a imagem de uma criança imigrante segurando um sinalizador.
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Visitar a Bienal de Veneza é um privilégio de mergulhar no universo das artes, aprendendo de forma lúdica o que esses profissionais trazem de leitura do mundo. Vale a pena investigar o contexto do que acontece tanto dentro da mostra como no entorno, já que a cidade é um exemplo vivo de caos e incerteza.
*Imagem de destaque: a obra “Can’t Help Myself”, de Sun Yuan e Peng Yu – foto: Cris Piloto
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